A polarização política e a tensão institucional precisam ser superadas, como condição necessária para que o país volte a ter estabilidade, previsibilidade e capacidade de negociação, essenciais para retomar o crescimento e vencer as carências sociais. Será possível?
O ponto de partida do novo governo deve ser o reconhecimento de que foi eleito por uma ínfima margem de votos, e que parte significativa da votação obtida veio de pessoas que rejeitam Bolsonaro, mas não endossam as bandeiras do PT. Não há carta branca para fazer o déficit público que quiserem, distribuir subsídios a empresas, recriar PAC e usar o orçamento público como suposto motor da economia. Os possíveis aliados no Congresso até gostarão e lucrarão com essa pauta, mas o fosso em relação à sociedade aumentará.
Será preciso, também, extrair o que há de positivo no posicionamento de quem votou contra. Há demandas legítimas por um Estado menos burocrático e mais eficiente, uma carga tributária menor e menos disfuncional, respeito à propriedade privada, melhoria do ambiente de negócios. Não se pode desconsiderá-las, embrulhando-as com o comportamento de manada, de cunho golpista e regado a "fake news". Quem quer reunificar o país precisa ouvir os reclamos que fazem sentido.
Não se pode querer revogar tudo o que os dois últimos governos criaram. É verdade que será preciso reconstruir muitas políticas públicas que foram abandonadas. Mas também é verdade que houve avanços significativos que devem ser preservados: as concessões de infraestrutura; os marcos regulatórios de ferrovias, cabotagem e saneamento; a substituição da TJLP pela TLP e o reposicionamento do BNDES; os avanços do governo digital e da desburocratização; entre outras.
Um caminho promissor seria governar com base em metas quantitativas explícitas. O foco do governo seria atingi-las em pelo menos quatro políticas públicas fundamentais: educação, saúde, redução da pobreza e meio ambiente. Metas para as notas a serem atingidas no Ideb, a redução de taxas de morbidade e mortalidade de doenças específicas, de desmatamento, de redução de pobreza. Um quadro claro de metas para cada área, que seriam facilmente acompanhadas pela população e submetidas a seguidas avaliações técnicas.
Por mais óbvio que pareça, um governo focado em metas claras e quantificáveis poderia gerar algumas "revoluções" na gestão pública.
Atualmente, cada setor pressiona por mais dinheiro, na suposição de que mais gastos trazem mais resultados. Porém, muitas vezes, a ineficiência e os interesses corporativos, eleitorais ou escusos consomem o dinheiro sem entregar resultados.
Focar metas quantitativas que representem melhoria concreta da vida das pessoas inverterá o debate político. Em cada avaliação periódica, vai se buscar entender por que uma meta não foi atingida. E só se colocará mais dinheiro se, de fato, o orçamento apertado for o problema principal.
Interesses paroquiais e corporativos ou gargalos operacionais apareceriam como obstáculos ao atingimento das metas, estimulando uma coalizão para superá-los.
Para atingir as metas, estados e municípios poderiam ser incentivados a cooperar nas políticas que exigem articulação entre governos, como o compartilhamento de redes de saúde. Ou a competir, como no caso do desempenho de alunos nos testes padronizados. Esta é a beleza de um federalismo que funciona: a convivência de competição e cooperação. As metas e prioridades ajudariam nas duas direções.
A busca por resultados coletivos relevantes poderia funcionar como um instrumento de união e redução de tensões. O governo federal deveria se colocar como um gestor central do esforço coletivo, não como um pai bondoso que distribui presentes sem custos para ninguém. Os sucessos e os fracassos seriam responsabilidade coletiva, não só do governo.
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