Muito já se falou que esta é uma Copa do Mundo cheia de situações novas. A primeira em um país do Oriente Médio. Mudou do meio do ano para novembro. Torneio disputado nos arredores de uma única cidade. Mas as mudanças não estão só na competição. O futebol brasileiro também tem um desafio novo.
E não é dentro de campo. Política e futebol nunca estiveram distantes, a despeito de crenças e ditados. Mas o último ciclo pós Mundial da Rússia em 2018 (e eleições para presidente no mesmo ano) propiciou uma simbiose pouco vista antes entre as duas áreas. Ao menos na mistura entre torcida e militância política.
Nos últimos anos, a camisa da seleção brasileira de futebol passou a ser utilizada em manifestações de apoio ao atual presidente do país, Jair Bolsonaro (PL). E esse será o primeiro grande torneio disputado depois desse período.
Não é como se a camisa amarela nunca tivesse sido usada em protestos antes. Não é como se o futebol nunca tivesse sido usado para fins políticos. Mas desta vez, o uso intenso e contínuo por um grupo político específico gerou um certo simbolismo.
Tanto que, ao longo dos últimos meses, ao se deparar com uma pessoa usando a camisa canarinho, acontece uma associação quase automática com a preferência política (e não com o futebol). Existe um constrangimento no ar de uma parcela dos brasileiros em utilizar a roupa amarela. O medo de ser confundido.
Em tempos outros, semanas antes da Copa seria impossível assistir a qualquer anúncio comercial, na TV ou na internet, sem que os atores estivessem uniformizados. Neste ano, muitas empresas adotaram o distanciamento controlado. Preferem camisas verdes ou azuis. Não à toa, CBF tem investido em campanha para desvincular essa imagem.
Sim, a camisa amarela da seleção brasileira não pertence a nenhum grupo político. Ela tem um peso no futebol como nenhuma outra. Pentacampeã. Vestida por grandes craques. Mas não parece fácil evitar o pensamento de que a imagem do uniforme acabou se identificando ou sendo identificada com uma das partes de um país rachado.
Não é incomum torcedores de outras vertentes ideológicas passarem a usar uniformes do Brasil de outras cores. Há o azul. Há o branco. Há o preto. Nem preciso dizer (e no fim estou dizendo) que são camisas menos emblemáticas, na comparação com a amarela. Algumas são de treino.
Há ainda quem coloque adereços na camisa amarela, como um lenço de outra cor amarrado no braço, tentando se desvincular de qualquer associação apressada.
Desde o final da eleição na qual o chefe do Executivo foi derrotado pelo ex-presidente Lula (PT), centenas de pessoas aglomeram-se diariamente em atos antidemocráticos. De amarelo, pedem intervenção militar. De amarelo, estão em frente a quartéis. Isso tem aumentado o mal-estar.
É nesse cenário que o Brasil estreia na Copa do Mundo contra a Sérvia. Será que vitórias podem ajudar a reverter a imagem e unificar a relação com a camisa da seleção? Começaremos a descobrir nesta quinta.
As declarações de apoio na campanha eleitoral de alguns jogadores não ajudaram muito. Especialmente quando o craque do time, Neymar, promete oferecer gol a Bolsonaro. Claro que a preferência política é um direito, mas no momento atual acabou associando o camisa 10 do time ao presidente.
Talvez a caturrice com a amarelinha não resista aos gols, e com o hexa o simbolismo volte a ser outro depois de 18 de dezembro.
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