Gal, nosso canário, morreu e Bolsonaro não deu um pio. Assim como também não se pronunciou sobre Aldir Blanc e João Gilberto. Apoiadores do presidente dizem que esses artistas eram de esquerda e apreciados apenas pela elite intelectual. Logo, não há problema em ignorar as mortes.
Porém, mesmo se Gal, Aldir e João fossem ouvidos apenas por um grupo ideológico ou social, suas obras fazem parte do patrimônio cultural brasileiro, e o mandatário no Palácio da Alvorada tem o dever de valorizá-lo. Afinal, governa para o país, não somente para quem o elegeu.
Além disso, nem só de economia e poder vive um presidente da República. Trata-se de cargo também simbólico, com protocolos e liturgias que, ao longo do teste do tempo, se mostraram necessários (prática bem conservadora, a propósito).
João Gilberto criou a bossa nova, misturando samba com elementos do jazz, e um novo estilo de canto minimalista. Hoje, "Garota de Ipanema", do também compositor da bossa nova Tom Jobim, é uma das músicas mais tocadas no mundo.
Gal Costa fez parte de outra revolução estética: o tropicalismo. No fim dos anos 1960, tínhamos estilos populares como o samba, o rock estrangeiro assimilado pela jovem guarda e as canções de protesto, que buscavam conscientizar o povo sobre problemas políticos —uma visão oriunda do realismo socialista da URSS.
O tropicalismo quebrou essas barreiras, misturando estilos e se opondo à politização da estética. No primeiro disco solo de Gal, de 1969, há fusões entre rock, psicodelia e ritmos populares. Cantava com voz de anjo e também gritava como uma roqueira. Depois, interpretou diversos estilos, foi música-tema de novela, sucesso nas rádios e criou uma legião de fãs. Só alguém que desconhece o Brasil ignora a partida de Gal.
Ainda bem que, logo, esse problema acabará. Teremos um presidente que, pelo menos, sabe usar talheres e segue as liturgias do cargo. Novos problemas virão, claro, mas torçamos para que não nos cause tamanha vergonha.
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