Deborah Bizarria
Ao frequentar uma reunião na minha igreja para recepção de novos membros, ouvi de muitos a mesma história: estavam ali porque era um ambiente livre de política partidária. Lembrei da minha própria experiência: eu também adotei esse critério quando, vinda de Recife, escolhi minha igreja em São Paulo.
A preferência majoritária dos evangélicos pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL) não é novidade. Todas as pesquisas mostravam essa tendência, e a minha vivência a confirma. Eu não vejo problema de a maioria preferir um candidato, seja ele qual for. Mas me incomoda o uso político das igrejas e, principalmente, dos momentos de culto para coagir a comunidade a apoiar um postulante.
Para nós, evangélicos, o culto é o momento da semana reservado para adorar a Deus, ouvir o evangelho e ter comunhão com os irmãos na fé. Antes e durante a campanha, vimos o presidente e a primeira-dama utilizando o púlpito para buscar votos no meio do culto. Essa atitude, por si só, já deveria ser condenada e rechaçada pelos próprios evangélicos: o culto e a autoridade das igrejas não deveriam ser usados para fins eleitorais.
Esse princípio nem sequer é novidade no meio evangélico. "Na hora que a igreja evangélica faz uma opção, como igreja, por um candidato, ela deixa de ser igreja. O Senhor da igreja é Jesus, e ele não tem título de eleitor no Brasil. Nós, evangélicos, temos o direito de apoiar, mas dizer que a Assembleia de Deus apoia ‘A’ ou ‘B’ é reduzir a igreja a uma instituição qualquer", explicou Silas Malafaia, em vídeo de 2002, quando anunciou seu apoio ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Vinte anos depois, Malafaia, assim como outros pastores, usou o púlpito da sua igreja e trechos da Bíblia para endossar Bolsonaro.
Gradativamente, líderes e membros de diversas comunidades evangélicas começaram a tratar o voto como uma validação da própria fé em Cristo. Essa associação, por sua vez, acaba levando as pessoas a patrulhar e fiscalizar o voto alheio, ridicularizando ou até excluindo quem "vota errado". Comunidades que deveriam receber e unir pessoas completamente diferentes sob a mesma fé se tornaram um ambiente tóxico.
As consequências desse processo vão além das questões espirituais. Esse apoio indiscriminado e acrítico por parte das instituições religiosas e seus líderes dificulta a participação dos evangélicos na discussão de ideias e políticas públicas. Afinal, ficam carimbados como parte de um projeto político (que não necessariamente os representa de fato). A qualidade do debate público sai prejudicada, e a sociedade fica mais polarizada.
É necessário que os líderes evangélicos se perguntem: quantos membros não pararam de frequentar os cultos ou mesmo desistiram de participar de suas comunidades por causa de discussões políticas? É esse o exemplo que queremos dar para o resto da sociedade?
É importante ressaltar que a crítica ao uso político do culto e à coerção ao voto não devem ser confundidas com uma posição sobre participação de evangélicos na política. Todo brasileiro tem uma trajetória, valores, emoções e formas de pensar que o levam a apoiar um candidato ou uma ideologia.
Ninguém deveria ser excluído do debate público só porque seus valores foram forjados no meio de uma comunidade religiosa. Foi precisamente essa lógica que inspirou vários protestantes a contribuírem com a consolidação do legado da laicidade do Estado para que pudessem exercer sua fé livremente.
Entretanto, quando forças políticas se apoderam do espaço dedicado ao exercício da fé, saem prejudicados os crentes, a prática das liberdades individuais e, consequentemente, a reputação da comunidade. Ou seja, ainda que o candidato preferido da maioria dos evangélicos tivesse vencido, a igreja continuaria sendo uma das grandes perdedoras da eleição. Para superar a derrota, as lideranças evangélicas terão que voltar a participar do debate público a partir dos valores cristãos e abandonar o projeto de poder de um messias fajuto.
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