domingo, 13 de novembro de 2022

Leonard Mlodinow: ‘Não tem como separar a razão da emoção’, GAMA

Na introdução de “Emocional” (Zahar, 2022), seu livro mais recente, o físico norte-americano Leonard Mlodinow conta como, quando aprontava alguma coisa na infância, sua mãe não o colocava de castigo ou lhe dava uma palmada, em contraste com o que acontecia na maioria das famílias. Em vez disso, ela, uma sobrevivente do Holocausto, rompia em lágrima e entrava num frenesi, gritando coisas como “Por que eu sobrevivi?” e “Por que Hitler não me matou?” Seu pai, por outro lado, embora tenha passado por situações parecidas durante a Segunda Guerra, encarava a vida de maneira muito mais positiva.

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O que o autor de best-sellers científicos como “Subliminar” (Zahar, 2013) e “O Andar do Bêbado” (Zahar, 2009) quer apontar ao relembrar a infância é o quanto sabíamos e ainda sabemos muito pouco sobre a inconstância de emoções que restam a quem viveu eventos tão semelhantes. “Por que eles reagiam aos mesmos acontecimentos de modos tão distintos? De maneira mais genérica, o que são as emoções?”

Amigo íntimo e colaborador ao longo de duas décadas do lendário físico Stephen Hawking (1942-2018), Mlodinow envereda na obra pelas descobertas mais recentes da neurociência e psicologia para pintar um retrato muito mais realista de como nossa razão e as emoções funcionam de forma interligada. E, em entrevista a Gama, desmente a visão das emoções propagada em filmes como a animação “Divertida Mente” (2015), preponderante até a década de 1990 e com origem em Darwin.

“Ele pensava que havia seis emoções básicas: medo, raiva, nojo, surpresa, alegria e tristeza. Cada uma delas seria despertada por gatilhos específicos e criaria determinadas reações no corpo”, explica o físico. Hoje, pelo contrário, já se sabe que temos muito mais do que apenas um punhado de emoções. E, quando falamos de medo, por exemplo, não dá para colocar todas as possibilidades, como o temor de se afogar ou ser mordido por um escorpião, numa mesma gaveta. “Fazemos aproximações para categorizá-las da forma mais conveniente, mas cada uma une vários sentimentos diferentes.”

Mlodinow também aproveita para desmentir alguns mitos bastante conhecidos, como a ideia de que é melhor agir baseado na razão do que na emoção — na verdade, as duas coisas são praticamente inseparáveis na hora de tomar uma decisão. Ou então a noção de que mulheres agem de forma mais emocional enquanto homens tendem a ser mais racionais, usada ao longo de séculos para diminuir o pensamento feminino.

Além de físico e escritor, Mlodinow, que é doutor pela Universidade da Califórnia e foi pesquisador no Instituto Max Planck, em Munique, também já se aventurou pela carreira de roteirista, escrevendo episódios das séries “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração” (1987-1994) e “MacGyver” (1985-1992).

Na conversa com Gama, ele fala sobre os sentimentos que movem a empatia por desconhecidos, a preponderância de argumentos emocionais sobre explicações lógicas e como políticos têm usado o medo e a raiva para mover multidões no mundo todo.

As emoções oferecem uma camada extra para sua tomada de decisões, te permitem decidir com mais nuances

  • G |A sabedoria popular diz que é melhor tomar decisões com seu coração. Mas faz sentido preferir as emoções à racionalidade, ou vice-versa?

    Leonardo Mlodinow |

     

    Realmente não faz nenhum sentido. Historicamente, as pessoas vêm valorizando a racionalidade sobre a emoção, além de todos esses que falam em tomar decisões com o coração. Mas não tem como separar a razão da emoção. Mesmo quando você pensa que está fazendo isso, na verdade não está. O componente emocional é extremamente ligado à forma como você processa a informação, não existe uma parte separada da outra. É automático, elas foram feitas para funcionar juntas. Existem algumas divergências até para definir o que é emoção. O que parece fazer mais sentido é que a emoção é um estado funcional do cérebro. O fato é que o cérebro capta informações, como acontecimentos ou crenças, e o que sai do outro lado é uma decisão, sentimento, pensamento ou comportamento. A razão olha para os fatos e faz uma análise lógica, mas há muito mais coisa para se chegar a uma conclusão do que só fatos. Há seus objetivos de vida, suas crenças, suas experiências passadas e vários fatores que não são relevantes para aquela situação, mas influenciam sua forma de agir. E como saber quanto peso dar às coisas? No que você acredita ou não acredita? Minha filha me disse que se sente desconfortável no cinema, porque tem medo que alguém entre atirando em todo mundo. Nos EUA, atiradores são frequentes e já aconteceu um incidente numa sala de cinema. Quando vou ver um filme, há uma possibilidade mínima de que ocorra de novo, então minha decisão não depende desse fator. Mas minha filha tem medo, o que para ela aumenta a probabilidade de topar com um atirador. Na verdade, a chance é menor do que uma em um milhão, já que milhares de cinemas exibiram filmes por décadas e isso só aconteceu uma vez. Então fatos como esse, que não são diretamente relevantes para analisar uma situação, são influenciados pelo seu estado emocional. Se você tem medo e vai a um cinema, parece uma possibilidade real. Se não se preocupa com isso, parece uma probabilidade distante, que não afeta sua decisão. O estado emocional dá uma diretriz aos seus cálculos, definindo probabilidade, importância e uma crença maior ou menor em algo. Sua mente pesa tudo isso para te entregar uma resposta.

  • G |Quais as principais funções das emoções no nosso cotidiano?

    LM |

     

    Se eu quiser começar a fumar charuto, meu cérebro vai analisar o impacto para a saúde, o prazer que vou tirar disso, o custo… Portanto, as emoções alteram nossas decisões dependendo da situação, elas guiam a análise. Outro ponto é que muito do comportamento humano é reflexivo, baseado em regras. Se algo acontece, você faz tal coisa. Se pensar apenas racionalmente, você trabalha com certos fatos e chega a uma conclusão. Mas as emoções permitem que você analise esses fatos de forma mais geral. Digamos que eu prove algo com um gosto estranho. Reflexivamente, posso dizer a mim mesmo que aquilo não é bom e cuspir. O ser humano sente nojo, mas avalia outros fatores antes de tomar a decisão de cuspir ou não. Pode ser que você esteja faminto e não haja outras fontes de alimento. Aí precisa decidir entre a possibilidade de aquilo te fazer mal e a de morrer de fome. Portanto, as emoções oferecem uma camada extra para sua tomada de decisões, te permitem decidir com mais nuances.

  • G |No início do livro, você conta que seus pais viveram em campos de concentração na Segunda Guerra, mas, enquanto isso tornou sua mãe mais pessimista, fez com que seu pai olhasse para o lado bom das coisas. Por que essas diferenças existem?

    LM |

     

    Todos os seres humanos compartilham uma certa estrutura cerebral, um maquinário emocional no DNA, mas também existem diferenças individuais. Não somos todos idênticos, apesar de sermos mais parecidos entre nós do que com um pássaro ou um gorila. No livro, falo de perfil emocional. Cada pessoa nasce com algumas tendências que aparecem mais facilmente com determinadas emoções. Por isso é importante se conhecer melhor. Inclusive, pode ser divertido para as pessoas fazer um teste de perfil emocional. No livro, incluo alguns que te ajudam a se entender.

  • G |Conhecer melhor essas tendências também auxilia no controle do que sentimos?

    LM |

     

    Com certeza. O termo inteligência emocional vem circulando por aí há décadas. Significa entender suas reações emocionais e também as dos outros. Uma boa inteligência emocional ocupa um papel importante no sucesso pessoal e profissional. Depois de entender como suas emoções funcionam, o passo seguinte é regulá-las, porque às vezes elas são contraproducentes. Até a decisão de como abaixar a bunda sobre a cadeira na hora de sentar é impactada pelas emoções. As grandes decisões, como qual casa comprar, em que ações investir ou com quem me casar, também. Só que as emoções vêm evoluindo desde um momento em que a sociedade era muito diferente ou até de quando vivíamos na natureza. Portanto, quanto mais artificial, tecnológica e isolada nossa sociedade se torna, menos nossas emoções são adequadas a ela — ainda que tenham se adaptado bastante. Mas há momentos em que elas atrapalham. É o que acontece, por exemplo, quando seus olhos tentam interpretar uma informação que não foi feita para eles. Eles criam miragens, como no deserto quando a pessoa pensa que avistou água. Por isso, no caso das emoções, é bom saber regulá-las. Em Los Angeles, passamos tempo demais em automóveis. Quando alguém te corta na estrada, isso não te afeta muito — você só fica uns dez passos atrás na pista. Só que as pessoas se irritam demais com isso, uma emoção inapropriada. A gente não evoluiu na natureza para dirigir carros ou enfrentar brigas de trânsito, então é preciso aprender a lidar com isso. O que você não deve fazer é fingir que o problema não existe, maneira como os homens geralmente são ensinados a agir. Não funciona muito bem e traz uma série de problemas.

  • G |Você falou de como os homens são ensinados a reagir em relação às emoções. Existe um pensamento de que as mulheres tomam decisões mais baseadas no emocional, enquanto os homens são mais racionais. Há algum sentido nisso ou é puro preconceito e estereótipo?

    LM |

     

    Nunca encontrei um estudo que apontasse dismorfia relacionada a gênero nas emoções. Então essa ideia está mais baseada na nossa cultura. Enquanto crescem, as mulheres são incentivadas a ser mais abertas emocionalmente, então se torna mais aceitável que elas chorem ou falem daquilo que sentem. Nas sociedades ocidentais, os homens aprendem a não demonstrar sentimentos, já que isso seria um sinal de fraqueza, algo que atrapalha a tomada de decisões. Essa, na verdade, não é uma forma saudável de viver.

  • G |No livro, você fala sobre as mudanças na forma como a ciência enxerga as emoções. Me parece que antes a visão era semelhante à do filme “Divertida Mente”, onde cada emoção existe e funciona separadamente. O que mudou?

    LM |

     

    O filme da Disney foi baseado numa visão ultrapassada das emoções que remonta a Darwin. Ele pensava que havia seis emoções básicas: medo, raiva, nojo, surpresa, alegria e tristeza. Cada uma delas seria despertada por gatilhos específicos e criaria determinadas reações no corpo. Segundo essa visão, as emoções são unitárias e bem definidas. O medo de aranhas ou de ser atropelado por um carro seriam simplesmente medo. Até a década de 1990, se pensava que cada uma dessas emoções correspondia a uma parte do cérebro. Então o medo estaria na amígdala. Hoje sabemos que tudo isso está errado. Há milênios, os gregos tiveram a ideia dos átomos. O que eles pensavam sobre átomos não tem nada a ver com o que sabemos hoje dentro da teoria quântica. De certa forma, é a mesma coisa com a ideia que Darwin tinha das emoções. Sim, existem emoções e havia alguma verdade no que ele acreditava. Mas hoje temos tecnologias avançadas para estudá-las e sabemos que não existem só seis emoções básicas. Embora o medo use a amígdala para se manifestar, não acontece sempre, e ela também é utilizada por outras emoções. E não há só um tipo de medo. Pesquisadores fizeram um experimento com uma pessoa que tinha danos na medula. Colocaram escorpiões em seu braço, e ela não sentiu medo. Depois, simularam um afogamento, e aí ela demonstrou medo. Ou seja, esse tipo de medo é tão diferente que nem passa pela amígdala. Já senti bastante dor ao longo da vida, como uma fratura nas costas que tive agora. Podemos chamar uma dor de cabeça e uma queimadura simplesmente de dores, mas até que ponto as duas coisas se parecem? É o mesmo para as emoções. Fazemos aproximações para categorizá-las da forma mais conveniente, mas elas unem vários sentimentos diferentes. É difícil definir a diferença entre medo e ansiedade. O medo é uma reação ao agora, mas posso sentir ansiedade de algum dia sofrer um acidente. Se alguém chega em velocidade na traseira do meu carro, aí tenho medo de que o acidente aconteça. É difícil traçar uma divisão quando não se sabe se uma situação é concreta ou está mais na sua cabeça. Nós criamos e nomeamos essas categorias para facilitar, mas não significa que funcione dessa maneira.

  • G |Essa nova percepção sobre as emoções já permite cuidar de doenças psicológicas de maneira diferente do passado?

    LM |

     

    Demora um tempo para que novas pesquisas gerem uma resposta clínica, mas pesquisadores estão sim aplicando essas ideias no tratamento de distúrbios como depressão ou autismo. Na psicoterapia, esse entendimento ainda é muito novo, aconteceu nos últimos 10 ou 20 anos. No livro, tenho um gráfico que mostra como o número de artigos a respeito disso tem aumentado, então essa compreensão está se infiltrando no universo terapêutico.

O medo não é negativo. Num ambiente normal, ele é útil

  • G |Emoções como o próprio medo, raiva ou nojo costumam ser vistas como negativas. Mas tentar suprimi-las também pode ser um problema?

    LM |

     

    O medo não é negativo, apesar de algumas pessoas tentarem instigá-lo como uma ferramenta. Num ambiente normal, ele é útil. Se estiver andando numa região perigosa, me faz prestar atenção em torno ou ir a um lugar bem iluminado. Se avistar um urso na floresta, é o que me leva a me esconder, em vez de passar na frente dele. O medo é bom, sem ele você poderia ser morto. Claro, se tiver um excesso de medo na sua vida, aí precisa regular suas emoções.

  • G |O que gera emoções como a empatia até por desconhecidos, como o que ocorreu na pandemia ou na Guerra da Ucrânia?

    LM |

     

    Ao longo do tempo, fomos desenvolvendo as chamadas emoções sociais. Os humanos são uma espécie social, só sobrevivemos porque nos unimos e ajudamos uns aos outros. As emoções sociais surgiram para que pudéssemos cooperar em sociedade. Então sentimos empatia, constrangimento, orgulho, vergonha… Você só sente vergonha porque faz algo que não soa bem para outras pessoas ou se sente culpado por ter realizado alguma coisa que não deveria, provavelmente para benefício próprio. Ainda que não me importe diretamente o que acontece na Ucrânia, sinto que preciso ajudá-los porque tenho toda essa gama de emoções sociais.

  • G |No livro, você também cita um fenômeno chamado contágio emocional. Ele explica movimentos de massa, revoltas políticas ou até a resposta de certos grupos à pandemia?

    LM |

     

    Aqui nos EUA, ele foi responsável por uma raiva generalizada. As pessoas começam a twittar sobre alguma questão política que pode ser real ou fake, como aquela história de que Hillary Clinton comandava uma rede de exploração sexual em pizzariasAlguém muito irritado posta um tweet, outras pessoas pegam essa raiva e logo todo mundo está raivoso, o que se transforma num ódio em massa. Isso não aconteceria sem o contágio emocional. Se você bloqueasse as mídias sociais e a habilidade de se comunicar com milhões de pessoas, algo assim não ocorreria. No passado, a transmissão de emoções dessa forma era muito mais difícil. Hoje infelizmente acontece muito.

  • G |Seres humanos tendem a responder de forma mais contundente a argumentos emocionais do que racionais?

    LM |

     

    De forma geral, isso é verdade. Um argumento factual muda a informação que você está processando, enquanto o emocional altera a forma como você processa a informação. Isso tem um efeito mais poderoso. É como tentar decidir que vegetal comprar baseado na quantidade de calorias ou nutrientes de cada um. Agora, imagine que é o aniversário da morte da minha mãe, e ela amava aspargos. Em meu coração, sei que comer aspargos vai me fazer lembrar dela. Então quem se importa com os fatos? Estou processando as informações de uma maneira que amplifica a conexão com minha mãe.

  • G |Por isso políticos costumam apelar para emoções como medo ou raiva, em vez de fatos?

    LM |

     

    O medo faz com que você fique mais focado em determinados objetivos, que têm a ver com sua segurança, e também muda sua estimativa de certas coisas acontecerem. Então um político pode dizer: se você anda pela rua à noite, para cada milha caminhada, a chance de ser roubado é de uma em mil. Portanto, as ruas são seguras, não se preocupe. Outro político, no entanto, estimula o medo. Agora, você não pensa mais que há uma chance em mil de ser roubado. Em vez disso, lembra que a mãe de um amigo foi assaltada ano passado e que leu sobre um outro roubo à noite. Aí pensa que roubos estão acontecendo para todo lado e passa a superestimar a probabilidade, porque inclui o medo na equação. Nesse caso, o político que instiga o medo já ganhou, nada que o primeiro disser vai te convencer de que a situação não está tão ruim. A partir disso, você pode até chegar a uma conclusão como a de que precisa comprar uma arma para se defender.

 

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