É emblemático que o Twitter, plataforma fundamental da vida política na era das direitas populistas, tenha entrado em colapso no mês em que tanto Jair Bolsonaro quanto Donald Trump sofreram derrotas importantes.
Em duas semanas, o singular Elon Musk provocou uma onda de demissões nas áreas de segurança e privacidade de sua empresa e aboliu o que ele dizia ser a separação entre "senhores e camponeses", instaurando uma nova política de atribuição do selo azul que distingue as contas oficiais.
O que se seguiu foi uma semana de debacle reputacional com a falsificação de perfis de personalidades públicas e empresas. A debandada dos grandes patrocinadores corporativos, dos quais o Twitter depende mais que a Meta ou o Google, deixou, segundo o próprio Musk, a empresa em risco de falência.
A história da aquisição do Twitter por alucinantes US$ 44 bilhões por Musk é a história dele próprio, um brilhante engenheiro que tentou se reinventar em ator geopolítico.
Depois do início da Guerra da Ucrânia, ele levou ao paroxismo a confusão entre política real e ativismo digital ao colocar um dos seus principais serviços tecnológicos, o Starlink, à disposição do Exército ucraniano e inventar uma charlatanesca diplomacia das redes.
Seus diálogos via Twitter com Kiev, Moscou, Pequim e Washington nunca deram em nada. Tudo o que Musk conseguiu foi virar o herói dos sociopatas e extremistas, que se aproveitam da sua "concepção absoluta da liberdade de expressão" para perpetuar abusos e ilegalidades.
A aproximação de Musk com Bolsonaro e Trump, cujos candidatos ele endossou na última eleição americana de meio de mandato, tornou o bilionário um alvo fácil dos agentes reguladores de governos democráticos.
A administração de Joe Biden já reconheceu a necessidade de avaliar se as ligações internacionais de Musk podem representar uma ameaça à segurança nacional. Na União Europeia, quem assume o lugar de Alexandre de Moraes é o poderoso comissário europeu Thierry Breton. Ele tem usado a deriva de Musk como exemplo para justificar o pacote regulatório que obriga as plataformas a recorrer a meios mais transparentes na luta contra os conteúdos ilegais, a incitação ao ódio e os ataques aos processos eleitorais —elas estão sujeitas a multas que podem chegar a 6% dos lucros obtidos na UE.
A cruzada ideológica de Musk e a deriva administrativa do Twitter colocaram em marcha um processo irreversível. Daqui a poucos anos, com ou sem choro, veremos as redes sociais aderindo ao horário eleitoral, com o YouTube controlando o tempo de exibição dos seus canais políticos, o WhatsApp limitando o encaminhamento de mensagens e um consórcio de redes monitorando a comunidade virtual.
Esse processo foi construído a partir da iniciativa da União Europeia, que lidera a questão da regulação, e replicado em países onde a democracia quase colapsou por causa da instrumentalização das redes sociais por forças criminosas. O Twitter fará falta, mas ele foi sacrificado por uma boa causa.
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