"Nunca una victoria fue tan amarga, ni una derrota tan dulce" afirmou Felipe González após ser apeado do poder em 1996, após 14 anos no cargo. As pesquisas previam uma derrota esmagadora, mas a margem de vitória de seu adversário foi de pouco mais de 1%. A expectativa de que Lula derrotaria Bolsonaro por larga margem era também dada como certa; o placar final foi similar.
Aqui o amargor aumenta pela vitória da oposição no Congresso, o que levou o ex-presidente a afirmar que não será um "governo do PT". O que é prudente, mas não totalmente crível.
Como já observei aqui, dado à desproporcionalidade na distribuição de ministérios em seus governos anteriores, isto exigirá uma inversão radical. As nomeações para o governo de transição privilegiando integrantes do partido sinalizam na direção contrária; suas declarações sobre política econômica, idem.
Lula manifestou o desejo de governar com "os perdedores das eleições". O contraste alvissareiro é com Allende e sua assertiva "No soy el presidente de todos os chilenos. No soy hipócrita"; ou do presidente do seu partido, Carlos Altamirano, "avanzar sin transar", ou seja, sem negociar.
A derrota frente a G. W Bush, em 2002, não foi nada doce para Al Gore: "Que não haja dúvidas: embora eu discorde profundamente da decisão da Suprema Corte, eu a aceito". Bolsonaro levou dois dias para admiti-la, e a deixou implícita. Mas o jogo segue consistente com as análises na coluna sobre a democracia brasileira.
O consentimento dos perdedores é um elemento central da democracia. E eles incluem candidatos e seu eleitorado. Segundo uma pesquisa Gallup, 97% dos eleitores de Gore acreditavam que ele ganhara a eleição, o que explica os protestos de rua ocorridos (vale rever o filme "Recount", de 2008).
O impacto da derrota no eleitorado é o tema do monumental "Loser’s consent: elections and democratic legitimacy", que examina o gap ganhador-perdedor em várias dimensões. Assim, os perdedores avaliam pior: a qualidade da democracia; as instituições; a eficácia da participação política; a responsividade dos políticos; e que apoiadores de partidos perdedores que nunca governaram são o subgrupo mais crítico. E também que o gap é menor em democracias com desenho institucional proporcionalista; e maior entre grupos mais polarizados etc.
Estas conclusões explicam o histrionismo da direita radical, que nunca governou; o STF vilipendiado antes, mas enaltecido agora; a fragmentação criando incentivos para a barganha, o que converte perdedores em quase ganhadores.
O amargor da derrota é atenuado pelo imperativo das coalizões. O que fazer para que não degenerem em abuso? Veja aqui.
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