Existem autores cujos livros eu compro e leio sem nem me preocupar em saber do que tratam. Siddhartha Mukherjee ("O Imperador de Todos os Males"; "O Gene") é um deles. Seu mais recente título "The Song of the Cell" (o canto da célula) não decepciona. Aqui, o objeto de investigação é a célula, a menor unidade funcional da vida e a responsável em última instância por todos os processos fisiológicos e patológicos.
A escrita de Mukherjee combina com raro talento histórias humanas, frequentemente com desfecho trágico (ele é oncologista), história da ciência, com atenção para aspectos biográficos dos grandes desbravadores, e ciência (ele é pesquisador). Em "The Song...", ele ainda dá de brinde lições de mitologia hindu. Mas Mukherjee é mesmo o mestre das metáforas. Das mais simples às mais rebuscadas, ele as utiliza o tempo todo, seja esteticamente, para satisfazer pretensões literárias, seja didaticamente, para explicar conceitos complicados. É uma boa linha, considerando que, para uma escola da neurociência, metáforas são a matéria-prima do pensamento.
A crítica que faço a "The Song..." é que a ligação entre as partes ficou meio desconjuntada. Célula é uma noção ampla demais, que comporta tudo. Minha sensação é que Mukherjee só empilhou os temas de que gosta mais. Nada contra. A parte sobre o sistema imunológico, por exemplo, é um primor. Mas também teria sido possível, sob a mesma chave, montar um livro inteiramente diferente. Os planos-mestres das obras anteriores me pareceram mais coerentes.
Por fim, vale destacar algumas das inquietações bioéticas do autor. Ele sustenta que a tecnologia médica já permite intervenções com vistas não só a curar doenças mas também a aperfeiçoar o ser humano. Nem sempre as fronteiras entre os dois são nítidas. Mukherjee não acha que devemos nos abster de buscar avanços por medo de entrar em território proibido. Seriam os novos humanos?
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