Como lidar com a patacoada jurídico-eleitoral do PL, que resolveu contestar os resultados do pleito de 2022?
É difícil a minha vida. Sou ateu até o último fio de cabelo, mas também sou um liberal, que não tem, portanto, planos de proibir a religião ou regular o que as pessoas podem pensar e dizer. Isso significa que não posso me valer da saída fácil de exigir que todos os discursos sejam lógicos e estejam amparados por evidências empíricas.
Com efeito, não há, a meu ver, ideia mais disparatada e desprovida de base fática do que a de que existe um papai do céu a premiar ou castigar cada ser humano por seu comportamento, mas isso não me legitima a banir a prática religiosa e nem a exigir que ela se justifique no plano argumentativo. Se o sujeito deseja pautar sua vida por um ser imaginário, esse é um direito dele.
Algo parecido vale para os céticos das urnas. Não dá para criminalizar a tese de que a eleição não foi limpa, mesmo que não existam evidências concretas a ampará-la. E também não dá para proibir as pessoas de difundirem suas crenças, por mais absurdas que sejam.
Isso nos deixa de mãos amarradas em relação ao PL? Acho que não, porque o partido fez mais do que espalhar bobagens. Ele pediu uma providência à Justiça, mas quer vê-la aplicada apenas ao segundo turno do pleito, em que Jair Bolsonaro (PL) perdeu, mas não ao primeiro, em que a legenda fez a maior bancada da Câmara. "Mutatis mutandis", seria como eu denunciar um homicídio, mas não mostrar o cadáver alegando que Deus o ressuscitou.
Ainda que, na religião, essa seja uma possibilidade, não é algo que a Justiça deva aceitar. Se milagres são vistos como normais pelo Judiciário, é a própria noção de prova que fica em xeque.
E o PL fez mais do que meter-se inadvertidamente numa aporia. Ao pretender que as urnas são boas para o primeiro turno, mas não para o segundo, ele entra no campo da litigância de má-fé.
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