domingo, 12 de outubro de 2025

Tarcísio defende privatizar, vigiar e punir escolas, FSP

Se ainda restam dúvidas sobre o autoritarismo de Tarcísio de Freitas, basta olhar a educação paulista. O modelo "tecno-autoritário" defendido pelo governador, baseado na ideia de privatizar, vigiar e punir, vem avançando a olhos vistos.

O governo investe em duas frentes principais: plataformas privadas de ensino e militarização de escolas. A empreitada vem sendo levada a cabo pelo empresário Renato Feder, atual Secretário de Educação de São Paulo, que defende uma gestão análoga à de empresas, e um cotidiano escolar análogo ao de quartéis.

Um homem de cabelo curto e grisalho está falando ao microfone em um evento. Ele usa uma camisa de botão clara e gesticula com a mão enquanto se dirige a uma audiência. Ao fundo, é possível ver máquinas pesadas e uma multidão de pessoas
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) durante entrega de maquinário agrícola em Campinas - João Valério/Divulgação Governo do Estado de SP

Renato Feder foi CEO da Multilaser por 15 anos. Após deixar o cargo, tornou-se sócio da offshore Dragon Gem LLC, proprietária de 28,16% das ações da Multilaser. Feder assumiu a Secretaria de Educação em São Paulo depois de atuar no mesmo cargo no Paraná, estado que, com a sua ajuda, possui hoje 312 escolas cívico-militares, o maior número do Brasil.

Em dezembro de 2022, logo após ser anunciado no novo cargo, a Multilaser fechou contratos de R$ 76 milhões com a Secretaria de Educação de São Paulo. Depois de sua posse, ao menos três contratos foram fechados com a empresa em diversas pastas ligadas à educação paulista.

As "coincidências" fizeram com que Feder fosse investigado pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo. No entanto, contratos de R$ 200 milhões em compras de notebooks continuaram vigentes.

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Em 2023, o secretário anunciou que as escolas iriam adotar um material 100% digital e recusou a compra de livros do Programa Nacional de Livros Didáticos, alinhados à Base Nacional Comum Curricular, avaliada pelo MEC. Após críticas, Tarcísio afirmou que haveria impressão de livros. No entanto, Feder subiu a aposta com a adoção de plataformas privadas nas escolas.

De acordo com a professora da Unifesp e doutora em educação pela USP, Márcia Jacomini, "o aprofundamento do processo de privatização tem se dado de várias formas, como a compra ou aluguel de conteúdos digitais via plataformas digitais e leilões para empresas privadas administrarem algumas unidades". Em sua visão, isso significa um financiamento do setor privado por recursos públicos.

Em meio a tal processo, professores e gestores vêm perdendo sua autonomia. Para Juliane Cintra, coordenadora da Ação Educativa, "a gestão Tarcísio/Feder se caracteriza pela sedimentação de um cenário persecutório a gestores, comunidade escolar e estudantes —é só por meio de um cenário de perseguição e assédio que é possível impor o uso de tecnologias que burocratizam o trabalho, mas que são muito rentáveis, que fazem sentido quando a educação é enquadrada como modelo de negócio".

Feder já deixou clara sua intenção de que as escolas funcionem segundo um modelo empresarial baseado em "resultados". Em agosto, após demitir 20 gestores regionais de um total de 91, alertou: "não bateu meta, tchau".

Agora, além de bater metas, a comunidade escolar também deverá bater continência. No segundo semestre, São Paulo terá 100 novas escolas cívico-militares. Enquanto o STF não se pronunciar sobre a constitucionalidade do "modelo escolar", São Paulo seguirá vigiando e punindo a comunidade escolar com tecnologia privada de um lado, e spray de pimenta do outro.

Como o streaming matou a própria promessa, Alvaro Machado Dias, FSP

 A impressão de que as coisas estão piorando é um dos vieses cognitivos mais poderosos que existem. Às vezes, porém, reflete uma verdade. O streaming é um desses casos, o que vem se traduzindo em cancelamentos e trocas constantes de serviços no Brasil e no mundo.

Parte disso vem da maneira como lidamos com gratificações e preferências. O cinema exigia investimento financeiro e logístico por filme assistido. A televisão ao menos impunha a necessidade de se estar à frente do aparelho no horário de exibição de seu programa favorito. O streaming liquidou essas restrições, o que é muito bom, exceto pelo fato de que no domínio das experiências paga-se em planejamento e recebe-se em satisfação.

No início, a Netflix enviava DVDs pelo correio e adotava política alternativa a das locadoras que lucravam em cima da infelicidade dos atrasados. O verdadeiro diferencial, contudo, era quantitativo: uma Blockbuster típica estocava 3.000 títulos; a empresa de Reed Hastings oferecia 100 mil.

Logo vermelho da Netflix iluminado em fundo roxo com silhuetas desfocadas de pessoas caminhando em frente.
Jogador passa pelo estande da Netflix durante feira de jogos eletrônicos em Colônia, na Alemanha - Ina Fassbender - 20.ago.25/AFP

A estratégia maximalista migrou para o streaming e se multiplicou, expondo os clientes ao paradoxo da escolha: sem repertório prévio ou curadoria confiável, como a existente nas antigas locadoras, a abundância gera mais paralisia do que prazer.

A solução foi dobrar a aposta nos algoritmos de recomendações, que operavam em escala menor na época do site de DVDs. A diversidade nominal de milhares de títulos ocultou-se sob uma vitrine estreita, ditada por métricas de engajamento.

Esse movimento moldou a cultura do setor, o qual se vê mais como de tecnologia do que de entretenimento. Isso está na base da deterioração para além da psicologia do consumidor.

Como típicas startups, as plataformas passaram anos queimando capital para aumentar sua participação de mercado. A Disney desembolsou US$ 32 bilhões em conteúdo em 2022. A Amazon, US$ 1 bilhão em um único Tolkien. Porém, não tardou para o caráter insustentável da prática ficar claro e novas estratégias de monetização serem aplicadas agressivamente.

Assim surgiram os planos com anúncios, o controle de senhas e, como se temia desde a extinção das locadoras, a eliminação em massa do conteúdo autoral ou cult, invisibilizado pelos algoritmos e depois apagado por otimização fiscal. Hoje, prevalece a tese de que o diferencial entre as pessoas é apenas o blockbuster do momento que preferem, sendo que na América Latina, onde a receita é menor, o colapso da segmentação é ainda maior.

O foco dos investimentos migrou para os grandes eventos esportivos, videogames e séries próprias, as quais, se não decolarem de imediato, serão deixadas inconclusas sem cerimônia.

A forma de medir o desempenho do conteúdo também mudou: em vez de horas assistidas, adotou-se a taxa de completude, mais diretamente ligada à retenção de assinantes. O resultado foi o predomínio absoluto das histórias rápidas, cheias de ganchos e fáceis de concluir, escritas a toque de caixa nas chamadas "mini-rooms" e filmadas em linhas de montagem orientadas pelo grau de viralização dos episódios anteriores.

A estratégia se completou com o modelo de lançamento em blocos para incentivar o consumo compulsivo, útil às métricas mas gerador de mal-estar, fator central na percepção de que a grande promessa do streaming acabou em frustração.


Opinião Waldemar Magaldi Abundância de escolhas dos millenials, antes libertadora, virou vertigem, FSP

  

Waldemar Magaldi Filho
Waldemar Magaldi Filho

Analista junguiano, mestre e doutor em ciências da religião e fundador do IJEP (Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa). Autor de "Dinheiro, Saúde e Sagrado"

Imagine, se me permite a licença poética, a vida como uma grandiosa viagem de trem, daquelas que prometem paisagens de tirar o fôlego e um destino de pura realização. Na juventude, embarcamos com um mapa dourado, um roteiro que não desenhamos, mas nos foi entregue pela cultura, pelos pais, pelos contos de fadas.

Para os millennials ou Geração Y, hoje entre 30 e 40 anos, esse mapa vinha com um bônus: Wi-Fi ilimitado, rotas personalizáveis e a promessa de serem os maestros do próprio destino.

No meio do percurso, porém, um descompasso sutil se instala. Os vales outrora verdejantes revelam secas, a montanha do amor exige escalada árdua, e o rio da felicidade, às vezes, se mostra baixo. É nesse ponto de vertigem que surge a névoa da "crise da meia-idade". Não como desfecho, mas como convite a recalibrar a bússola interna.

Mulher em cima de relógio gigante empurra um dos ponteiros para frente com a mão
Ter 30 ou 40 anos é quase um ato de resistência, escreve Waldemar Magaldi Filho - Catarina Pignato/Folhapress

Vivemos num tempo que tenta enquadrar todo sofrimento em diagnósticos: depressão, TDAH, burnout. Mas cada lamento é uma nota única na sinfonia da existência. A crise millennial não é apenas uma questão de calendário, mas um mergulho em identidade e propósito, a dolorosa constatação de que muitos sonhos talvez nunca foram seus de verdade.

A história se repete: a realidade presente de uma geração sempre parece desbotada ao lado da fantasia idealizada do passado, nos anos dourados da adolescência. Há aqueles que, recusando-se a aceitar essa virada da maré, acabam como "Puer Aeternus", aprisionados num apêndice lastimoso da juventude, tentando agarrar-se a um passado que, como um rio, fluiu sem retorno.

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Para os millennials, isso é agravado pelo mantra do "você pode ser o que quiser" — um coquetel de idealismo e culpa. O sucesso virou obrigação, o trabalho, paixão transformadora, o amor, fusão de almas. E, nas redes sociais, a vida idealizada dos outros tornou-se o espelho distorcido da nossa, onde tudo é #blessed e eternamente em Bali, enquanto o cotidiano parece apenas… cotidiano.

A abundância de escolhas, antes libertadora, gerou vertigem: "Será que escolhi a rota certa?" Na meia-idade, a realidade impõe-se: a carreira é sólida, mas não épica; o casamento é parceria, não filme romântico; o corpo, com seus novos limites, anuncia que a garantia de fábrica venceu. Surge então a frustração de quem descobre que o mapa prometido não coincide com o território encontrado — nostalgia de um futuro que nunca existiu.

Mas essa frustração não é beco sem saída, é motor secreto da transformação. As perguntas que surgem — "onde me encontro?", "qual o sentido?" — são um recall existencial orquestrado pela alma. A decepção pode, e deve, ser combustível. A crise é o sussurro que nos chama para a segunda metade da vida.

Para algumas almas, especialmente para as mulheres, soma-se o fantasma da invisibilidade. Passar dos 40 pode significar tornar-se invisível numa cultura que celebra o frescor e despreza a experiência. A pressão para "não parecer a idade que tem" transforma o natural em batalha. Envelhecer bem torna-se ato de rebeldia.

A frustração, no fundo, é anseio por autenticidade. O desafio não é voltar à estação inicial, mas aprender a apreciar a paisagem real —com seus desertos e flores improváveis. O sentido da viagem nunca foi o destino, mas a transformação interior. É a vindima da alma: as uvas esmagadas pela vida tornam-se o vinho denso e maduro da consciência.

A crise não é democrática, importante frisar. Para quem vive na escassez, a pergunta é "como sobrevivo?". Para a classe média, "por que não estou onde deveria estar?". Para os ricos, a crise assume sua forma mais vertiginosa, com um "isso é tudo?", que ecoa em um vazio existencial.

Todas compartilham uma mesma vertigem, porém: perceber que o longo prazo talvez não seja tão longo. Essa consciência produz uma ansiedade existencial e um sentimento novo de finitude.

A resposta para uma saída precisa ser, por força, multifacetada.

Primeiro repensando o que chamamos de sucesso — não mais riqueza e status, mas coerência e contribuição. Precisamos de uma educação voltada à vida, que ensine cooperação, pensamento sistêmico, ética ambiental e a arte de lidar com a incerteza. Por fim, precisamos de "terceiros lugares" — espaços públicos onde a solidão do individualismo se dissolve e a comunidade floresce.

A crise existencial da juventude contemporânea é assustadora em magnitude, mas também fértil. Para usar uma imagem que a poesia tão bem nos empresta, é precisamente nessas rachaduras profundas que a luz, por mais tênue que seja, tem a chance de entrar.