terça-feira, 7 de outubro de 2025

Tarifa zero: mobilidade a qualquer preço?, Cecilia Machado, FSP

 A tarifa zero no transporte público urbano vem ganhando espaço em várias cidades brasileiras, amparada por argumentos de equidade e inclusão. A proposta é atraente: permitir que todos circulem livremente, ampliando o acesso a empregos, escolas, serviços e lazer.

No entanto, o apelo distributivo não deve se sobrepor às implicações econômicas e operacionais de uma política de preço zero em um setor estratégico, capaz de alterar padrões de mobilidade e gerar efeitos fiscais e ambientais relevantes.

Eliminar a tarifa reduz um custo que pesa mais sobre os pobres e, em tese, poderia ampliar as oportunidades de trabalho. Nos Estados Unidos, um estudo recente mostrou que o uso do transporte público pela população de baixa renda dobrou com a gratuidade e que os beneficiários apresentam melhoras em indicadores de saúde e de situação financeira.

Passageiro sentado dentro de ônibus visto através da porta de vidro. Na porta, adesivos indicam tarifa de R$ 5,00, disponibilidade de Wi-Fi e ponto para recarga do Bilhete Único.
Passageiros circulam no terminal Santo Amaro no primeiro dia de aumento nas tarifas de ônibus e metrô em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Entretanto, não foram encontrados efeitos significativos sobre emprego ou renda. Isso sugere que o impacto econômico direto pode ser mais limitado do que se imaginava, ainda que haja efeitos sobre outros aspectos que melhoram o bem-estar das pessoas.

No Brasil, resultados também apontam para ganhos modestos. Municípios que implementaram a tarifa zero registraram aumento médio de 3,2% no emprego e queda de 4,1% nas emissões de gases de efeito estufa —um caso raro de "desacoplamento" entre crescimento econômico e impacto ambiental, já que o crescimento, em geral, vem acompanhado por mais emissões.

Ainda assim, esses benefícios só superam os elevados custos da política quando se consideram efeitos fiscais indiretos e ganhos globais de mitigação de carbono, que pouco aliviam os orçamentos locais.

A eliminação da arrecadação tarifária impõe às prefeituras a necessidade de financiar integralmente o sistema de transportes. Dessa forma, pressiona orçamentos já comprometidos com outros gastos prioritários, como os que mantêm o funcionamento dos serviços municipais e a infraestrutura da cidade —exatamente aquilo que a tarifa zero pretende tornar mais acessível.

E, por mais que a fragilidade fiscal seja um risco central, ele não é o único. Há ainda o risco de sobreutilização do sistema. Quando o preço é zero, o incentivo ao uso é total —inclusive para deslocamentos não essenciais e para pessoas com condições de pagar.

Em contextos de oferta limitada, o aumento abrupto da demanda pode gerar congestionamento dentro do próprio transporte público, elevando custos operacionais e reduzindo a eficiência. O resultado paradoxal é um sistema mais caro e menos funcional, especialmente para os trabalhadores que dependem dele diariamente.

A busca por uma mobilidade mais justa e sustentável é legítima e necessária, mas a tarifa zero não é a única, nem necessariamente a melhor, alternativa. Subsídios focalizados em grupos de baixa renda ou horários de pico podem atingir os mesmos objetivos com menor custo fiscal. Investimentos em integração, infraestrutura e confiabilidade também reduzem custos de tempo e aumentam o acesso.

Políticas universais e onerosas, como a tarifa zero, devem ser avaliadas com muito cuidado e rigor. A gratuidade total pode soar como um passo adiante na justiça social, mas, sem um financiamento sólido e uma estrutura de oferta eficiente, corre o risco de gerar o efeito oposto ao que esperava dela.

LINK PRESENT

Reinaldo José Lopes - Jane Goodall e a dignidade nas linhas das mãos de um chimpanzé. FSP

 É preciso ter um coração de granito para não lamentar o fato de que, desde a semana que passou, vivemos num mundo sem Jane Goodall. A perda, claro, é toda nossa. Ela partiu aos 91 anos, levando a vida cheia de propósito que sempre desejou, dividida entre os chimpanzés que amava e as plateias encantadas que iam vê-la por onde passava. Parafraseando uma frase famosa de Peter Pan (e poucas idosas tinham mais alma de criança do que ela), a primatóloga costumava dizer que a morte seria sua próxima grande aventura.

E é de magia que desejo falar para me despedir dela. Gostaria que todos os seres humanos tivessem acesso ao pó de pirlimpimpim (para citar Peter Pan mais uma vez) que concedeu a Goodall seus poderes de feiticeira. Isso significa que, num mundo perfeito, em que as considerações logísticas, ambientais e de segurança pudessem ser resolvidas num passe de mágica, toda pessoa deveria ter a chance de apertar as mãos de um grande símio ao menos uma vez na vida.

Jane Goodall sentada no chão em área gramada, acariciando um chimpanzé jovem que está ao seu lado. Fundo desfocado com vegetação verde.
Primatologista Jane Goodall com filhote de chimpanzé em Uganda - Sumy Sadurni/AFP

Repare que eu não disse "ver um grande símio" –um chimpanzé, bonobo, orangotango ou gorila– uma vez na vida. Essa experiência ainda é possível para muita gente em alguns zoológicos, por vezes ao preço de empobrecer o cotidiano dos macacos com um espaço limitado ou o estresse causado pela falta de educação dos visitantes. (Destaco aqui, para evitar qualquer interpretação equivocada, que muitos zoológicos fazem o melhor que podem com recursos escassos, e que sua importância para a educação e a conservação não pode ser negligenciada de forma alguma.)

Maravilhoso mesmo seria ter a sorte de encontrá-los num ambiente em que suas necessidades básicas de espaço, alimento e, principalmente, elos familiares e sociais estivessem satisfeitas. Foi nessas condições, no Santuário dos Grandes Primatas de Sorocaba (SP), que pude encontrá-los duas vezes como repórter desta Folha. Mesmo num lugar como o santuário, que abriga, em muitos casos, o equivalente símio de refugiados –animais que outrora tinham enfrentado maus-tratos em casas de particulares, circos ou coisa pior–, é impossível chegar perto dos bichos e não reconhecer sua dignidade.

Falei em apertar as mãos deles –poderia ter falado de seu olhar, ou dos contornos delicados das orelhas– porque há algo de tremendamente individual nas mãos humanas, como sabemos. E, apesar da diferença de proporções e curvatura dos dedos, nunca vou esquecer como o traçado das linhas na palma das mãos deles é indistinguível do que vemos nas nossas. É um pensamento bastante absurdo, eu sei, mas lá vai: videntes seriam perfeitamente capazes de "ler as mãos" de um chimpanzé.

Há muitos outros detalhes que não hão de me sair da cabeça enquanto eu viver. A maneira como eles arfam quando estão contentes, de um jeito que Goodall, é claro, adorava imitar; os filhotes querendo brincar. Não me entenda mal: chimpanzés adultos, em especial os machos, podem ser absolutamente aterrorizantes, em especial quando o visitante percebe a força tremenda que há em braços e mandíbulas, ou quando os vê de pelos eriçados. Até aí, porém, não há nada que eles não façam, em seus piores momentos, que nós também não façamos, e com consequências bem mais sérias.

Goodall abriu a janela que enfim nos permitiu enxergar tudo isso. Graças aos olhos dela, estamos muito menos sozinhos do que um dia estivemos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Em conversa de 30 minutos, Lula e Trump 'relembraram boa química' e petista pediu retirada de tarifaço, diz Planalto, FSP

 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conversaram por cerca de 30 minutos nesta segunda-feira (6), e o petista aproveitou a ocasião para pedir ao norte-americano que reveja o tarifaço e as sanções a autoridades brasileiras.

Segundo a nota divulgada pelo Palácio do Planalto, os dois concordaram em ter um encontro presencial em breve. Eles também teriam trocado telefones para "estabelecer via direta de comunicação".

Na conversa:

  • Lula e Trump relembraram a "boa química" do encontro em Nova York por ocasião da Assembleia Geral da ONU;
  • Lula recordou que o Brasil é um dos três países do G20 com quem os Estados Unidos mantêm superávit na balança de bens e serviços;
  • O petista solicitou a Trump a retirada da sobretaxa de 40% imposta a produtos nacionais e das medidas restritivas aplicadas contra autoridades brasileiras;
  • Trump designou o secretário de Estado Marco Rubio para dar sequência às negociações sobre o tarifaço;
  • Os dois concordaram com um encontro presencial em breve;
  • Lula sugeriu um encontro na Cúpula da Asean, na Malásia, reiterou o convite a Trump para participar da COP30, em Belém; e também se dispôs a viajar aos Estados Unidos;
  • E trocaram telefones para estabelecermos uma via direta de comunicação.

A nota do Planalto informa ainda que Lula e Trump o relembraram a "boa química" que tiveram em Nova York por ocasião da Assembleia Geral da ONU.

E que Lula solicitou ao presidente dos Estados Unidos que retire a sobretaxa de 40% a produtos brasileiros em território norte-americano.

"Considero nosso contato direto como uma oportunidade para a restauração das relações amigáveis de 201 anos entre as duas maiores democracias do Ocidente", informou o presidente Lula em uma rede social sobre o encontro.

"No telefonema, recordei que o Brasil é um dos três países do G20 com quem os Estados Unidos mantêm superávit na balança de bens e serviços. Solicitei ao presidente Trump a retirada da sobretaxa de 40% imposta a produtos nacionais e das medidas restritivas aplicadas contra autoridades brasileiras", prosseguiu.

Segundo ele, Trump designou o secretário de Estado Marco Rubio para dar sequência às negociações sobre o tema com o vice-presidente Geraldo Alckmin, o chanceler Mauro Vieira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.