Subsídios cruzados podem ser instrumentos úteis de política pública, mas devem ser temporários, transparentes e calibrados. Caso contrário, a CDE de hoje pode ser a CRC de amanhã —e repetir um passado caro que já conhecemos bem
terça-feira, 7 de outubro de 2025
MP-SP pede que Justiça impeça ampliação de aterro sanitário em São Mateus, FSP
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira Costa, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a aprovação da lei que altera o Plano Diretor da capital paulista para permitir a ampliação do aterro sanitário de São Mateus, na zona leste, e a instalação de um incinerador no mesmo terreno.
Segundo ele, faltou planejamento técnico, participação popular e publicidade durante o debate sobre o tema.
Uma liminar concedida no processo impede a derrubada de árvores na área —a previsão é que quase 63 mil tivessem que ser removidas. A Ecourbis e a gestão Ricardo Nunes (MDB) recorreram da decisão provisória, mas não conseguiram revertê-la.

A empresa é responsável pela gestão da Central de Tratamento de Resíduos Leste, instalada no local. Vereadores de oposição também entraram na Justiça contra a cessão do terreno para a concessionária, que foi renovado por mais 20 anos em 2024.
A ação já foi distribuída no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e terá o desembargador Alexandre Lazzarini como relator.
Segundo relatório feio a pedido do Ministério Público, não foi apresentado nenhum diagnóstico territorial que comprovasse a necessidade de reclassificação da área —foi essa mudança que permitiu a ampliação do aterro —. O texto também diz que não há provas que o local é o ideal para a instalação do projeto.
O terreno faz parte da cabeceira da bacia do rio Aricanduva e é remanescente da mata atlântica. O relatório aponta que parte do terreno ainda está em processo de desapropriação para a criação do parque natural e que a própria criação da área de preservação era uma compensação pela criação do primeiro aterro no terreno.
O documento também faz críticas formais ao processo de aprovação. Diz que o licenciamento aceitou as contrapartidas futuras, sem prazo para execução e foi fracionado para conseguir aprovações sem a análise completa dos impactos. Aponta ainda que licenciamento foi aprovado antes de os vereadores votarem a alteração legal que permitiria a instalação do empreendimento no local.
Em nota, a gestão Nunes diz que o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal após seis audiências públicas, permitindo a ampliação do aterro e a criação do EcoParque. "A Ecourbis Ambiental, concessionária responsável pelo aterro, protocolou junto à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) para ampliar sua capacidade, que recebe em média sete mil toneladas de resíduos por dia. O licenciamento é de competência da Cetesb, cabendo à prefeitura responder a manifestações técnicas eventualmente solicitadas", afirma.
A Ecourbis afirmou, em nota, que o local é o único aterro sanitário municipal da cidade e que sua vida útil está se esgotando. "Para garantia do futuro da gestão adequada de resíduos da cidade de São Paulo, é fundamental planejar sua ampliação", afirma.
Afirma que "a supressão vegetal prevista, a ser aprovada pela Cetesb, contará com contrapartida ambiental com o plantio de quase quatro vezes o número de espécies arbóreas a serem suprimidas, preferencialmente nas redondezas do próprio empreendimento, em São Mateus" e diz que as nascentes dos rios Limoeiro e Aricanduva serão preservadas e a área legalmente destinada ao Parque Natural Municipal Cabeceiras do Aricanduva.
Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em São Paulo, Fábio Buonavita, diz que o órgão pode analisar o licenciamento na fase final, em razão da proteção à mata Atlântica.
Rodrigo Toniol Quem fez de Nossa Senhora Aparecida a padroeira do Brasil?, FSP
Professor de antropologia da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências
A consagração do Brasil a Nossa Senhora Aparecida foi conduzida por Getúlio Vargas. Antes de seu ato, o santo oficial era outro, são Pedro de Alcântara. Embora a devoção popular à santa já existisse, seu novo posto foi alcançado graças a muitas negociações entre o alto clero da Igreja Católica e as disputas políticas do início da década de 1930, no país.
Desde a queda da monarquia, o padroeiro oficial constrangia as lideranças republicanas. Isso porque são Pedro de Alcântara era um padroeiro muito fortemente associado à família real portuguesa. Não somente quem o transformou em santo oficial da nação havia sido dom Pedro 1º como também os dois primeiros nomes do próprio imperador eram os mesmos do santo: Pedro de Alcântara.
Ao transformar o homônimo em padroeiro, o imperador também quis virar um pouco santo. No Brasil, religião, política e catolicismo nunca andaram muito afastados.

A necessidade de outra devoção oficial ganhou urgência no início do século 20. As guerras de Canudos, na Bahia, e de Contestado, em Santa Catarina, ambas profundamente ligadas ao catolicismo popular de devoção pouco controlada pela Igreja, deixaram claro que não interessava nem aos bispos nem ao Estado deixar os católicos com seus próprios santos.
Era preciso orientar a fé aos novos tempos, o da República, e aos interesses do catolicismo romano. Para o Brasil, a escolha de Nossa Senhora Aparecida como padroeira nacional caía como uma luva para as necessidades simbólicas da nascente república.
Desde os anos 1920, Aparecida era exaltada como "mãe pacificadora da nação". Nossa Senhora de Aparecida era a encarnação, necessária para a construção da unidade nacional católica: ao contrário de seu antecessor, era uma santa mulher e não um santo, tinha forte apelo popular, havia surgido das mãos de pescadores e era negra.
Não por acaso, o 2º Congresso Mariano (1929) levou a Roma o pedido de torná-la padroeira, sob o mote: "União indissolúvel entre Religião e Pátria. Nossa Senhora Aparecida e Brasil — Unidade Nacional".
A solicitação foi atendida apenas um ano depois, quando, no dia 1º de setembro de 1930, a Nunciatura Apostólica do Rio de Janeiro comunicou que a elevação de N. S. Aparecida a padroeira do Brasil havia sido autorizada pelo papa Pio 11. Pouco mais de dois meses depois, Getúlio Vargas comandou a Revolução de 1930, impediu a posse do presidente eleito Julio Prestes e se tornou chefe do governo provisório.
Apenas seis meses depois de se tornar, na prática, o presidente do país, Getúlio e o cardeal dom Sebastião Leme participaram juntos da cerimônia de consagração da nova padroeira do Brasil. No discurso dos dois, os ideais patrióticos e a necessidade de pacificar o país foram reafirmados. Nossa Senhora Aparecida virou padroeira em um momento de conflagração social, reorganização de forças e consolidação da Igreja Católica como ator de peso nos novos tempos da política nacional.
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Demorou décadas até que a data dedicada à santa fosse fixada em 12 de outubro, algo que aconteceu apenas em 1953. Até lá, o dia da festa variou entre os meses de dezembro, setembro e maio. O que não mudou foi a relação entre o catolicismo, a santa e a política no Brasil. Como mostra a história, a maior nação católica do mundo escolheu sua própria padroeira preocupada com a conciliação política.
Nada disso tira a relevância que Nossa Senhora de Aparecida tem para os seus devotos. Mas serve como lembrete para mostrar que quando se trata de catolicismo, a relação entre religião e política é tão naturalizada que se torna praticamente invisível, o que não significa que ela não exista. Justamente pelo contrário.