segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Um povo transpolítico nas ruas, Muniz Sodré, FSP

 Fenômeno astronômico, o equinócio assinala a variação dos raios solares nas estações do ano. Este ano, a véspera do equinócio da primavera teve uma marca simbólica: o povo foi às ruas em 27 capitais, com tamanho vigor cívico que ajudou a enterrar a PEC da Blindagem no Congresso. No Rio e em São Paulo, as multidões equivaliam, em números, às mesmas que vinham sendo mobilizadas por bolsonaristas. Mas a diferença escapa às gavetas de esquerda e direita.

A imagem mostra uma grande manifestação em uma avenida de São Paulo, com uma multidão de pessoas reunidas. No centro da imagem, há um grande painel verde e amarelo, simbolizando a bandeira do Brasil. Ao fundo, é possível ver prédios altos e árvores ao longo da avenida. A cena é marcada por um clima de agitação e união entre os manifestantes.
Protesto na avenida Paulista, em São Paulo, contra anistia a Jair Bolsonaro e contra a PEC da Blindagem - Zanone Fraissat - 21.set.25/Folhapress

É que uma fração significativa da sociedade sempre concebeu política, para além de estreitezas ideológicas, como arte de preencher um vazio com palavras e propostas. Se a política assim não se cumpria no poder de Estado, ao menos praticava o pudor retórico do disfarce. Um mote como "rouba, mas faz", aplicado a um incumbente, escandalizava não tanto pelo peculato, já normalizado, e sim pelo transbordamento do excesso, a falta de vergonha.

Vive-se um tempo, entretanto, em que o vazio constitui a política: de ideias, de palavras com sentido, o nada do caos. É a porta aberta à corrupção, ao moralismo fascista, à impunidade para criminosos e aos avanços obscenos, como a famigerada PEC da Blindagem, primeiro passo para a transformação do país em narcoestado. Até semanas atrás, disso eram cúmplices as multidões de extremistas que enchiam ruas, em meio a convocações online para a violência.

De repente, porém, talvez o contraste do bom ânimo equinocial com o excesso das chantagens de deputados e das tarifas chantagistas, acolhidas por uma bandeira estrangeira desfraldada, despertou o sentimento de brasilidade ativa. Não foi a sociedade civil institucionalizada, mas um choque de realidade. Atordoada pela degradação da sociedade política, a sociedade "pós-civil" (não regida pelo capital e diversa, sem paralisia identitária) disse "basta" à normalização da canalhice. Uma estratégia sensível, transpolítica.

Afetos reais convergem para a brasilidade, uma epifania do povo diverso, como modo subjetivo de ação. Um possível "saber manejar sonhos e catalisar energia" (Marina Silva). Ausente nos Poderes, comparece na música, no audiovisual, nas periferias criativas e no segmento social preocupado com ética de futuro, que contempla a cadeia geracional, os filhos. Foi sinergia de espírito do tempo com responsabilidade, mas uma reação circunstancial que fica à espera uma organização cívica estável.

De todo modo, esse povo de agora, movido pelo sentimento de indignação, distingue-se da turba. Essa não é povo nenhum, é massa nebulosa, fabricada pelas redes a partir do acúmulo de informação sobre "usuários", foco de emoções instantâneas. Manufatura da extrema direita antinacional.

Sentimento é emoção lúcida. Não vem do mercado, mas de representações sociais dos afetos. Sua agência entre nós é a cultura. Com os artistas, nas ruas, as massas despertas tornam-se, transpoliticamente, povo. E povo se descreve como um sujeito coletivo autorizado a ecoar o poeta e dirigente angolano Agostinho Neto: "As minhas mãos plantaram pedras/ nos alicerces do mundo".


A vida secreta do Universo, Helio Schwartsman, FSP

 

São Paulo

Estamos sós no universo? Essa é uma daquelas grandes questões existenciais para as quais não temos resposta. Por enquanto...

"A Vida Secreta do Universo", da astrobióloga Nathalie Cabrol, funciona como um mapa celeste para abordar o problema. Ela começa com uma pequena radiografia da vida na Terra, expande suas investigações para nosso Sistema Solar e daí segue para outras partes do cosmo.

Diversos planetas coloridos com texturas variadas estão distribuídos sobre fundo preto, acompanhados por pequenas naves espaciais cinzas em formato triangular.
Annette Schwartsman

Nos últimos 40 anos, partimos de uma quase total ignorância sobre a matéria para uma significativa quantidade de dados, que, entretanto, ficam ainda aquém de uma resposta definitiva.

Sabemos hoje que moléculas prebióticas (precursoras de vida) são relativamente abundantes. Já as encontramos em Marte, nos gêiseres de Encélado, na atmosfera de Titã, em cometas, asteroides e até em Plutão. Conseguimos também imaginar vários caminhos para a vida, incluindo alguns bem diferentes daqueles que estamos habituados a ver. Sabemos ainda que há uma profusão de mundos lá fora.

Considerando tudo isso, fica difícil acreditar que não exista ao menos vida microbiana em outros planetas e luas. Mas vida microbiana é só parte daquilo que nos interessa. O que verdadeiramente nos fascina é a possibilidade de vida inteligente e tecnológica.

Aqui, os requisitos se tornam mais rigorosos. A vida precisaria ser pluricelular e existir por tempo suficiente para que a evolução darwiniana e o domínio da ciência possam fazer sua mágica. Falamos de um ou dois bilhões de anos de astros com ambientes estáveis e propícios.

Dada a vastidão do Universo, é difícil crer que só a Terra tenha reunido as condições adequadas, mas, quanto mais rara for a vida tecnológica, mais críticas se tornam as distâncias. Se elas forem "astronômicas", a comunicação pode ser impossível.

Como prêmio de consolação, fica a constatação de que já somos todos extraterrestres. Os átomos de que somos feitos foram forjados em estrelas que já se apagaram (e explodiram) bilhões de anos atrás. "A Vida Secreta do Universo" surpreende e instrui a cada página.