quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Governo Tarcísio regulamenta uso de recursos do crime para fundo de segurança, FSP

 O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) assinou nesta quinta-feira (26) decreto que regulamenta a destinação de recursos da lavagem de dinheiro apreendidos com o crime organizado para o fundo estadual de segurança pública.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, em audiência na Assembleia Legislativa - Divulgação

O fundo se destina à aquisição de equipamentos e investimentos em infraestrutura para as forças policiais do estado de São Paulo.

Polícia Civil afirma que identificou nos últimos quatro anos que R$ 14 bilhões foram movimentados pelo tráfico de drogas e outros crimes.

"A gente vai utilizar o dinheiro lavado pelo crime organizado para investir em segurança no próprio estado", disse o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite.

Segundo ele, os recursos obtidos vão desafogar o Tesouro estadual para investimentos em outras áreas.

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O decreto regulamenta lei federal de 1998, sobre ocultação de bens. O governo do estado precisa autorizar a destinação dos ativos apreendidos, o que não havia sido feito até hoje.

O decreto também inclui a publicação dos valores apreendidos em painéis que detalham a destinação dos recursos e os investimentos feitos.

Haverá ainda informações sobre recursos obtidos com a venda de bens apreendidos do crime organizado.

Base de Lula aprovou projeto de bets que agora questiona: 'É como abrir as portas do inferno', FSP

 

Brasília

Parlamentares de partidos da base aliada de Lula (PT) que agora questionam, em iniciativas legislativas, termos da legalização das bets votaram em peso a favor do projeto de lei que definiu as regras atuais para as apostas online, no ano passado.

A regulamentação desse mercado é iniciativa do governo federal e tem sido liderada pelo Ministério da Fazenda.

Até mesmo integrantes do PT dizem, agora, terem subestimado efeitos negativos e o alcance desse mercado nas contas dos brasileiros. Apesar disso, as bets são liberadas no país desde 2018, por meio de lei, e o fenômeno cresce desde então, com televisões e redes sociais veiculando propagandas de apostas.

Tela de celular mostra aplicativo de apostas

Após a lei que liberou as bets no Brasil, aprovada no governo Michel Temer (MDB), o governo de Jair Bolsonaro (PL) deveria ter regulamentado o mercado, mas não o fez. No ano passado, o governo Lula editou uma MP (medida provisória) sobre o tema e, a partir disso, um projeto de lei passou a ser discutido no Congresso.

Na primeira votação na Câmara, em setembro de 2023, o texto, que contemplou, no geral, a proposta do governo, foi aprovado simbolicamente (quando não há contabilização individual de votos). Apenas deputados do PSOL e do Novo foram contra.

A grande mudança na Câmara foi a inclusão de jogos online, onde entram cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual —o que não constava no texto original do governo.

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No Senado, em dezembro do ano passado, o texto-base também foi votado simbolicamente, mas dois destaques foram aprovados e, ao contrário do que o governo queria, o tema voltou à Câmara. Na última sessão do ano, a Casa aprovou com 292 votos favoráveis e 114 contrários. Somente a oposição e a minoria orientaram contra o texto.

Em agosto deste ano, o Ministério da Fazenda definiu regras de "jogo responsável" para o mercado de apostas, com objetivo de mitigar vício e endividamento excessivo. A pasta definiu em outras duas portarias como será a fiscalização e as penalidades em caso de infração, que incluem multa de até R$ 2 bilhões.

Os efeitos completos da legalização entrarão em vigor em janeiro de 2025, e o governo conta com grande arrecadação. O texto da lei já prevê, por exemplo, regras gerais para a publicidade, algo que tem sido questionado agora no Congresso.

Diversos parlamentares apresentaram propostas para mudar o texto chancelado por eles mesmos no ano passado. Isso ocorre em meio a denúncias envolvendo bets, o surgimento de dados mais robustos sobre impactos na vida cotidiana e embates de setores como o varejo e o de bancos.

Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio), apostas online deixaram um total de 1,3 milhão de brasileiro inadimplentes no primeiro semestre deste ano.

Um outro projeto na Câmara, da presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), é um dos que preveem o veto de propagandas.

Gleisi disse à Folha que é necessário que os parlamentares analisem o tema ainda neste ano. Segundo ela, é preciso fazer uma "avaliação crítica" do que ocorreu.

"Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores sobre o que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar", diz ela. "Principalmente essa ação muito ofensiva das casas de jogos e o uso de publicidade extrema."

Ela diz que vai procurar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para propor um esforço dos parlamentares acerca do assunto. "Precisamos fazer alguma coisa neste ano, temos que ter noção do que causamos, a nossa responsabilidade, e o que pode ser feito. Isso também é responsabilidade do Congresso."

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) também é autor de outras matérias que tratam da regulamentação. Uma delas, apresentada nesta semana, proíbe a utilização de cartões de crédito e contas bancárias do Bolsa Família nessas apostas.

À reportagem, ele diz que não é o caso de acabar com as bets, mas, sim, aperfeiçoar a legislação. "Agora mudou porque chegamos a conclusão de que precisa aperfeiçoar. Não ter vetado o uso dos cartões, o Bolsa Família e não termos regulamentado as propagandas foi ruim para as famílias brasileiras. O endividamento está claro, está tendo consequências. Precisamos sempre ter coragem de reformar e melhorar as legislações."

Segundo análise técnica do Banco Central, os beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas esportivas online gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix no mês de agosto.

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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Espaços ambulatoriais para deixar os doentes durante o dia, Drauzio Varella, FSP (definitivo)

Devia ter pouco mais de 20 anos. Magrinha, negra, sorriso tímido, Maria do Socorro estava presa havia seis meses numa cela do "seguro", ala reservada para aquelas que não são aceitas para conviver com as companheiras de infortúnio, na Penitenciária Feminina de São Paulo.

Queixava-se de febre e dor de garganta. Não tinha a gíria nem a entonação de voz ou os trejeitos da bandidagem. Fiquei com a impressão de que não fazia parte do mundo do crime.

Quando retornou na semana seguinte, contou que vivia com a mãe no Grajaú, extremo da zona sul de São Paulo. A vida não era fácil. Além das obrigações domésticas, uma hora e meia para chegar no emprego, em Moema, duas horas para voltar. O transtorno maior, entretanto, era a desorientação da mãe:

"Anda muito esquecida. Não lembra se almoçou, tenho que vigiar o tempo todo, fechar o botijão de gás antes de ir para o trabalho. Quando sai de casa não acha o caminho de volta. Às vezes, uma vizinha acolhe, mas chego a passar horas atrás dela pela vila inteira".

Responsável pela manutenção da casa, a saída que Maria encontrou foi a de amarrar a perna da mãe com uma corda comprida, presa ao pé da mesa, de modo que ela pudesse se movimentar pelo quarto e sala em que moravam e chegar à porta, mas sem ir para a rua. Não deu certo.

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"Uma vizinha me denunciou na delegacia. Vim presa."

Na cadeia foi rejeitada pelas companheiras, que não aceitam maus-tratos com pais ou filhos.

Um jarro de vidro fino com água se espatifando no chão. Cacos e líquido se espalham. Uma situação irreversível
Libero/Folhapress

Conto essa história que se passou há cinco anos, cara leitora, para ilustrar o drama que as demências representam para as famílias, especialmente para as esposas, filhas e netas, porque é quase sempre sobre uma mulher que recai a obrigação de cuidar da pessoa doente, como mostramos na série que está no ar no Fantástico.

O Brasil envelhece. Segundo o IBGE, enquanto a população geral cresceu 6,5% no período de 2010 a 2022, naqueles com mais de 65 anos o aumento foi de 57,4% —quase nove vezes.

Os estudos sugerem que existam perto de 2 milhões de brasileiros com Alzheimer e outras demências. O Global Burden of Diseases calcula que seremos cerca de 7 milhões em 2050.

Essas estimativas são conservadoras. Doença de instalação insidiosa, ela costuma passar despercebida nas fases iniciais, especialmente porque parentes, amigos e a maioria dos médicos consideram a perda da memória consequência inevitável do envelhecimento. Vários estudos mostram que entre nós os subdiagnósticos ultrapassam 70% —nos Estados Unidos são mais de 90%.

A perda de memória, no entanto, não é o único nem o maior problema numa doença que pode evoluir com quadros psicóticos, crises de agressividade, insônia e agitação noturna.

Cuidar de pessoas com demência é um dos maiores desafios que o SUS enfrenta. Um familiar que depende de cuidados permanentes, sem contar com serviços públicos, obriga pelo menos uma mulher da família a sair do emprego para se dedicar a ele, em tempo integral. O estresse a que são submetidas essas mulheres só elas podem avaliar. Noites insones, esforço físico para amparar o corpo enfraquecido, incapaz de sair da cama, andar até o banheiro, trocar de roupa, comer sem ajuda e trocar as fraldas.

É uma tragédia que desestrutura a família inteira. Claro que é muito pior para os mais pobres, mas não se restringe a eles. Mesmo aqueles com recursos para contratar cuidadoras vivem dias tormentosos. Precisam contratar quatro funcionárias, uma para cada jornada de oito horas e outra para cobrir as folgas. A casa vira uma pequena empresa, que interfere com a dinâmica familiar, separa casais e gera conflitos.

As mulheres têm lutado para que as cidades abram creches para deixar as crianças enquanto trabalham. Está mais do que na hora de criarmos espaços ambulatoriais para deixar durante o dia os doentes que estão nas fases mais iniciais do quadro demencial, para que esposas, filhas e netas possam trabalhar ou fazer o que bem entenderem.

Nesses locais, eles vão se beneficiar do convívio social e receber estímulos cognitivos para retardar a evolução da doença. Numa enfermidade que leva à morte em sete a dez anos, em média, quanto mais tempo os pacientes consigam manter autonomia, melhor.

E o que fazer nas fases mais avançadas, quando a cognição já foi para o espaço e o corpo se tornou um fardo insuportável? Manter a qualquer preço um corpo inerte, trancado num mundo impenetrável, é o melhor que podemos fazer? Vamos discutir esse tema na próxima coluna.