terça-feira, 27 de agosto de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - Pablo Marçal tem que ser derrotado nas urnas, não barrado na Justiça, FSP

 Pablo Marçal já foi condenado por integrar uma quadrilha de roubo a bancos. Fala-se em vínculos dele e de seu partido com o PCC. Hoje é um coach bem-sucedido na venda de motivação. Fez fama e fortuna enganando desesperados. Tem até sessões de cura milagrosa.

Entregar a prefeitura de uma das maiores cidades do mundo a uma figura tão espúria é uma burrada colossal. É natural que muitos queiram impedir sua vitória. Não há maneira pior de fazer isso, no entanto, do que barrar sua candidatura na Justiça.

O candidato Pablo Marçal durante caminhada no domingo (25), em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Houve quem celebrasse a suspensão de seus perfis nas redes. Foi uma comemoração precipitada. A medida não alcança nem mesmo o objetivo alegado, que é interromper um esquema de remunerar usuários por publicarem vídeos do candidato. Além disso, a suspensão caiu como uma luva para sua narrativa de perseguido. Só se falou de Marçal no fim de semana. Até os bolsonaristas que o criticavam tiveram que dar uma trégua. Seus novos perfis já contam com milhões de seguidores. Ou seja, a sanção não só não interrompe o suposto ilícito como ainda ajudou o candidato.

Já há quem veja em Marçal um risco à democracia. Só não explicam como. "Ora, mas não violou a lei eleitoral? Está aí o risco." Se qualquer violação da lei eleitoral é um atentado à democracia, então a maioria dos candidatos ali apresenta riscos, inclusive Guilherme Boulos, que fez um ato de campanha antes da época junto ao presidente Lula. Teria sido, evidentemente, um absurdo impugná-lo. Tanto para o caso dele quanto o de Marçal, a multa é a melhor punição, exceto se se mostre um impacto relevante na campanha, o que não foi feito.

Sempre que um populista chega ao poder, chovem as teorias dos mecanismos escusos que explicariam sua vitória. São jeitos de não olhar para o problema real: Trump, Bolsonaro, Marçal e tantos outros não têm apoio expressivo por conta de algum truque de algoritmo ou esquema pago. Se assim fosse, seria facílimo impulsionar candidaturas sérias também. Eles são populares porque entregam a uma parcela relevante do povo aquilo que ela quer.

E uma parte disso é uma profunda revolta contra o sistema. Quer entender o que muitos dos apoiadores de Marçal consideram ser o sistema podre da política? Enquanto seu candidato é processado e tem suas redes bloqueadas por uma suspeita de pagamento de alguns milhares de reais, seus concorrentes recebem milhões do fundo eleitoral. Nunes tem seis minutos diários de horário eleitoral gratuito. Boulos, dois. Marçal tem zero. Tudo dentro da mais perfeita legalidade. Ele é desbocado e mal comportado. Mas os modos polidos e a linguagem diplomática da política tradicional não servem para acobertar falhas muito mais graves?

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Derrotar um candidato popular no tapetão cobrará seu preço. A população tem ficado cada vez mais indignada com uma Justiça que não permite que expresse sua vontade de mudar. O momento da eleição é um dos poucos em que o povo pode ditar os rumos do poder. Se uma maioria desse povo quiser ser governado por um picareta, deve ter o direito de fazê-lo. Isso não é uma ameaça à democracia; é parte integrante dessa forma de governo. Assim como o aprendizado que advém dessas aventuras.

O único caminho efetivo e sustentável para impedir a ascensão de charlatães é, em vez de proibir as pessoas de votarem neles, persuadi-las a votar em líderes melhores. O fato de isso parecer utópico é que exige de nós uma reflexão mais profunda. Marçal tem que ser derrotado nas urnas; ou voltará pior e com outras faces.

A inflação dos EUA está sumindo na estatística e na política, Paul Krugman, FSP

 A semana passada foi cheia de discursos. A maioria dos que atraíram atenção nos EUA foram na Convenção Nacional Democrata, culminando no grande momento que a vice-presidente Kamala Harris aceitou ser candidata à presidência, na quinta-feira (22).

Mas houve outro discurso importante na sexta-feira (23): a fala do presidente do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA), Jerome Powell, no encontro anual em Jackson Hole, Wyoming.

Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, discursa em Washington
Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, discursa em Washington - Kevin Mohatt/Reuters

Sim, as observações de Powell foram de particular interesse para os investidores em busca de pistas sobre a futura política monetária. Mas, embora seu discurso tenha sido rigorosamente apolítico, teve importantes implicações políticas. Pois o que estamos vendo, eu diria, é a inflação desaparecendo —não apenas nos dados, mas também como uma questão política. E isso, é claro, é uma ótima notícia para os democratas.

Sobre o discurso de Powell: Ele observou que a taxa de inflação diminuiu muito desde que atingiu o pico em 2022 e mostrou confiança de que está no caminho certo para atingir a meta de 2% do Fed —e por que está chegando lá sem o desemprego em massa que alguns economistas afirmavam ser necessário.

A queda da inflação praticamente garante que o Fed cortará as taxas de juros na reunião do próximo mês, embora o tamanho do corte seja incerto.

O que trouxe a inflação para baixo? Como muitos economistas, incluindo eu, Powell acredita que a inflação foi amplamente causada por "distorções relacionadas à pandemia" e que "o fim do impacto causado por esses fatores levou muito mais tempo do que o esperado, mas, em última análise, desempenhou um grande papel na subsequente desinflação."

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Embora Powell não tenha dito isso de forma explícita, essa análise implicitamente exonera o governo Biden. Muitas pessoas, como Elon Musk —que, após demonstrar sua perspicácia política no ano passado ao apoiar Robert Kennedy Jr., recentemente decidiu que é um especialista em macroeconomia— atribuem a inflação aos gastos do governo na era Biden. A discussão de Powell sugere, no entanto, que a política fiscal desempenhou, no máximo, um papel secundário.

Mas poucos eleitores acompanham os discursos do Fed; eles vão parar de culpar os democratas pela inflação?

Não necessariamente. Pesquisas sugerem que a relevância política da inflação e da economia em geral tem diminuído. Provavelmente é tarde demais para convencer os eleitores de que os democratas fizeram um bom trabalho na gestão econômica, embora isso seja verdadeiro —no geral, os EUA superaram outras nações ricas, alcançando um crescimento muito alto sem uma inflação tão alta. Mas a economia parece cada vez menos ser o trunfo que os republicanos esperavam.

Agora, a opinião pública sobre a economia é peculiar. A pesquisa de confiança do consumidor da Universidade de Michigan continua a mostrar uma visão mais negativa da economia do que se poderia esperar, dada a inflação relativamente baixa e o baixo desemprego. Mas também mostra os entrevistados dizendo, por uma margem de três pontos, que Kamala Harris é uma candidata melhor para a economia do que Donald Trump.

Esta é uma grande mudança em relação ao início deste ano, quando os entrevistados favoreciam Trump em relação a Joe Biden por uma margem considerável. Essa reviravolta se encaixa com uma pesquisa do Financial Times —realizada antes da convenção democrata— mostrando Harris mais confiável na economia do que Trump.

Para ser justo, várias outras pesquisas ainda mostram Trump à frente na economia, mas sua vantagem tem diminuído. E uma nova pesquisa da YouGov mostra Harris na frente de Trump quando os temas são os custos de saúde, habitação e alimentos. O mesmo centro de pesquisas mostrou o ex-presidente dos EUA com uma vantagem de 18 pontos percentuais sobre o tema inflação, no início de julho.

Claro que estou ansioso para ver como esses números estarão em pesquisas que serão realizadas após a convenção democrata, e especialmente após o Fed cortar as taxas de juros, sinalizando sua crença de que a inflação está sob controle.

Por que a política da inflação está mudando? Novamente, a maioria dos eleitores não estuda os discursos do Federal Reserve; mas o crescente consenso entre os especialistas de que a inflação foi principalmente sobre a pandemia, não sobre a política de Biden, pode finalmente estar se concretizando. Da mesma forma, os avisos de que as tarifas propostas por Trump —que Kamala corretamente caracterizou como um "imposto nacional sobre vendas"— aumentariam os preços ao consumidor.

Além disso, substituir Biden por Kamala como a candidata democrata pode estar ajudando os eleitores a deixar para trás o choque inflacionário de 2021 e 2022 e focar na realidade da baixa inflação no último ano. As expectativas dos consumidores sobre a inflação no futuro estão de volta aos níveis pré-pandemia.

E eu gostaria de acreditar, embora isso possa ser uma vontade, que Trump está sendo prejudicado pela pura extravagância de suas afirmações. Quando ele diz que o preço do bacon aumentou "quatro ou cinco vezes", ele demonstra a qualquer pessoa que realmente compra mantimentos que está fora de sintonia com a realidade da vida dos americanos.

Qualquer que seja a explicação, a inflação parece estar perdendo seu valor como uma arma política. As pessoas ainda reclamam que as coisas custam mais do que antes (e muitos não aceitam os argumentos dos economistas de que tentar reverter os níveis de preços seria uma má ideia), mas o alarmismo republicano sobre o assunto está ficando obsoleto.

Obviamente, ninguém sabe o que acontecerá no dia da eleição. Mas há evidências cada vez maiores de que a inflação, que caiu substancialmente nos últimos dois anos, pode importar muito menos para a eleição do que muitos observadores esperavam.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Hélio Schwartsman - Dilemas de juiz, FSP

 


É difícil a vida dos juízes eleitorais. Não faltam irregularidades na candidatura de Pablo Marçal (PRTB) à prefeitura paulistana. Elas começam antes mesmo da convenção partidária que lhe deu legenda.

Há uma disputa em torno do controle do PRTB. Alas do partido contestam a legitimidade do atual presidente da sigla e, por conseguinte, de suas decisões, o que poderia ter impacto sobre a candidatura de Marçal. O caso está no TSE.

Mais concretos são os problemas na convenção propriamente dita. A maioria dos membros da comissão que chancelou o nome de Marçal não tinha ao menos seis meses de filiação ao partido, o que é uma violação aos estatutos da legenda. Provar isso não exige mais do que as fichas de filiação e um calendário.

Um homem com cabelo escuro e bem cortado está falando em um microfone. Ele usa um paletó azul e parece estar em um ambiente iluminado com luzes azuis. Ao fundo, há uma parede com listras e um sinal de parada.
O candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, durante o podcast Inteligência Ltda. - YouTube/Inteligência Ltda

Subindo na escala de gravidade, há fortes indícios de que Marçal ofereceu dinheiro a simpatizantes que trabalhassem para a candidatura editando filmes para as redes sociais, o que configura abuso de poder econômico. Como deve o juiz eleitoral proceder diante disso e de outras suspeitas que pesam sobre Marçal? Sou da opinião de que, se a Justiça vai intervir, é sempre preferível impugnar um postulante a cassar um candidato eleito.

Também penso que é sempre melhor ir atrás das irregularidades mais graves. A legislação eleitoral brasileira e as resoluções do TSE que a complementam são tão detalhistas que é fatal que qualquer candidatura apresente algum problema.

Mas, quando há um ilícito grave difícil de provar e um menos grave fácil, não acho que a Justiça deva se intimidar. Você não deixa um tipo perigoso como Al Capone solto só porque os promotores conseguiram montar apenas um caso de sonegação fiscal e não de homicídio.

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Há, porém, um preço a pagar. Uma segunda decisão da Justiça Eleitoral contra um candidato da extrema direita (a primeira foi a inelegibilidade de Bolsonaro) aprofundaria ainda mais a polarização afetiva que já divide os brasileiros.