Pablo Marçal já foi condenado por integrar uma quadrilha de roubo a bancos. Fala-se em vínculos dele e de seu partido com o PCC. Hoje é um coach bem-sucedido na venda de motivação. Fez fama e fortuna enganando desesperados. Tem até sessões de cura milagrosa.
Entregar a prefeitura de uma das maiores cidades do mundo a uma figura tão espúria é uma burrada colossal. É natural que muitos queiram impedir sua vitória. Não há maneira pior de fazer isso, no entanto, do que barrar sua candidatura na Justiça.
Houve quem celebrasse a suspensão de seus perfis nas redes. Foi uma comemoração precipitada. A medida não alcança nem mesmo o objetivo alegado, que é interromper um esquema de remunerar usuários por publicarem vídeos do candidato. Além disso, a suspensão caiu como uma luva para sua narrativa de perseguido. Só se falou de Marçal no fim de semana. Até os bolsonaristas que o criticavam tiveram que dar uma trégua. Seus novos perfis já contam com milhões de seguidores. Ou seja, a sanção não só não interrompe o suposto ilícito como ainda ajudou o candidato.
Já há quem veja em Marçal um risco à democracia. Só não explicam como. "Ora, mas não violou a lei eleitoral? Está aí o risco." Se qualquer violação da lei eleitoral é um atentado à democracia, então a maioria dos candidatos ali apresenta riscos, inclusive Guilherme Boulos, que fez um ato de campanha antes da época junto ao presidente Lula. Teria sido, evidentemente, um absurdo impugná-lo. Tanto para o caso dele quanto o de Marçal, a multa é a melhor punição, exceto se se mostre um impacto relevante na campanha, o que não foi feito.
Sempre que um populista chega ao poder, chovem as teorias dos mecanismos escusos que explicariam sua vitória. São jeitos de não olhar para o problema real: Trump, Bolsonaro, Marçal e tantos outros não têm apoio expressivo por conta de algum truque de algoritmo ou esquema pago. Se assim fosse, seria facílimo impulsionar candidaturas sérias também. Eles são populares porque entregam a uma parcela relevante do povo aquilo que ela quer.
E uma parte disso é uma profunda revolta contra o sistema. Quer entender o que muitos dos apoiadores de Marçal consideram ser o sistema podre da política? Enquanto seu candidato é processado e tem suas redes bloqueadas por uma suspeita de pagamento de alguns milhares de reais, seus concorrentes recebem milhões do fundo eleitoral. Nunes tem seis minutos diários de horário eleitoral gratuito. Boulos, dois. Marçal tem zero. Tudo dentro da mais perfeita legalidade. Ele é desbocado e mal comportado. Mas os modos polidos e a linguagem diplomática da política tradicional não servem para acobertar falhas muito mais graves?
Derrotar um candidato popular no tapetão cobrará seu preço. A população tem ficado cada vez mais indignada com uma Justiça que não permite que expresse sua vontade de mudar. O momento da eleição é um dos poucos em que o povo pode ditar os rumos do poder. Se uma maioria desse povo quiser ser governado por um picareta, deve ter o direito de fazê-lo. Isso não é uma ameaça à democracia; é parte integrante dessa forma de governo. Assim como o aprendizado que advém dessas aventuras.
O único caminho efetivo e sustentável para impedir a ascensão de charlatães é, em vez de proibir as pessoas de votarem neles, persuadi-las a votar em líderes melhores. O fato de isso parecer utópico é que exige de nós uma reflexão mais profunda. Marçal tem que ser derrotado nas urnas; ou voltará pior e com outras faces.