domingo, 28 de abril de 2024

Celso Rocha de Barros Reforma tributária e desenvolvimento, FSP

 O governo Lula apresentou ao Congresso sua proposta de regulamentação da reforma tributária. Se você pensou em parar de ler a coluna porque o assunto parece chato, não faça isso: hoje em dia, não se pode desperdiçar a chance de conversar sobre coisas que existem, ao contrário da ideologia de gênero ou da ditadura de Alexandre de Moraes.

O problema tributário brasileiro, indiscutivelmente, existe.

Fernando Haddad entrega projeto da regulamentação da reforma tributária ao Congresso; na foto, abraça o presidente da Câmara, Arthur Lira - Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Segundo os especialistas, o sistema brasileiro atual é altamente cumulativo. A fábrica de roupas compra tecido e vende camisas. Recolhe imposto na venda de camisas, mas também paga, embutido no preço do tecido, parte do imposto que a tecelagem pagou. Esses restos de impostos que vão se acumulando pela cadeia produtiva são chamados de resíduos tributários.

Um dos principais objetivos da reforma proposta pelo governo é eliminar o resíduo tributário. Se a reforma for aprovada, a fábrica de roupas do exemplo acima receberá um crédito igual ao imposto já pago pelo plantador de algodão. Ele só pagará imposto sobre o valor que ele adicionou. Daí o nome: Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).

Segundo estudo publicado no blog Que Impost o é Esse?, da Folha, em 15 de março, o resíduo tributário brasileiro é 28 vezes maior no Brasil do que na União Europeia, que adota o IVA.

Essa diferença prejudica o desenvolvimento brasileiro de várias maneiras.

Em primeiro lugar, as exportações brasileiras pagam esse resíduo de imposto vindo dos fornecedores da empresa exportadora. Ou seja, os produtos brasileiros chegam no comércio mundial mais caros por causa do sistema tributário atual.

Enquanto isso, os países que já usam o IVA —quase todos os países do mundo– colocam seus produtos no nosso mercado sem resíduo tributário. Na mesma reportagem do Que Imposto é Esse?, o auditor fiscal Rodrigo Frota da Silveira chamou o ICMS, um dos impostos que o governo propõe extinguir, de "imposto pró-China", pois ele reduz nossas chances de competir com gigantes exportadores como os chineses.

Finalmente, o resíduo tributário é maior para empresas que compram muitos insumos de muita gente, como as indústrias mais modernas. Isto é, o sistema tributário atual, que a reforma quer abolir, torna mais fácil para os brasileiros produzir e exportar produtos simples, com pouca elaboração tecnológica.

Não deve ser só isso que explica por que, nas últimas décadas, o Brasil se desindustrializou e se especializou em produtos primários. Mas duvido que a explicação "se o cara quiser produzir alguma coisa mais complicada, o Brasil cobra mais imposto dele" seja completamente irrelevante.

Para que a reforma tributária gere tantos efeitos positivos quanto se espera, é importante que a alíquota do IVA não seja grande demais. Para isso, é preciso que o Congresso aprove a regulamentação sem isentar setores poderosos. Nas próximas semanas, lembre-se: se o Congresso disser que está reduzindo imposto para alguém, é porque está aumentando o seu.

Soluções para problemas reais são difíceis, têm prós e contras, exigem negociações e podem precisar de aperfeiçoamentos. Batalhas ideológicas sobre nada são mais simples. Por outro lado, a reforma tributária pode melhorar a sua vida no mundo real, não só no Twitter.

O marinheiro e o almirante, Elio Gaspari, FSP

 Tramita na Câmara um projeto aprovado pelo Senado que manda inscrever no livro dos Heróis da Pátria o marinheiro negro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, de 1910.

Essa revolta começou no encouraçado Minas Gerais e espalhou-se por outros navios da frota da baía de Guanabara e durou quatro dias. Pediam: "que desapareçam a chibata, o bolo, e outros castigos", bem como o aumento do soldo. Bombardearam o Rio, com a morte de duas crianças. Terminado o motim, os rebeldes foram anistiados, com o apoio de Rui Barbosa.

Homem negro em foto preto e branca com uniforme da Marinha
João Cândido - Creative Commons

O comandante da Marinha, almirante Marcos Olsen, escreveu à Comissão de Cultura da Câmara, desaconselhando a iniciativa: "Nos dias atuais, enaltecer passagens afamadas pela subversão, ruptura de preceitos constitucionais organizadores e basilares das Forças Armadas e pelo descomedido emprego da violência de militares contra a vida de civis brasileiros é exaltar atributos morais e profissionais, que nada contribuirá ao pleno estabelecimento e manutenção do verdadeiro Estado democrático de Direito".

Tudo bem. Revolta é revolta e revoltoso é revoltoso, mas a Marinha precisa equilibrar a equação.

Desde 1933 ela manteve na sua frota o navio-escola Saldanha da Gama. Desativou-o em 1990 e está construindo outro, com o mesmo nome, para apoio na Antártica.

Luís Filipe Saldanha da Gama (1846-1895) era um almirante de vitrine e se achava. Revoltou a Armada em 1893 contra o governo do marechal Floriano Peixoto, perdeu e foi combater no Rio Grande do Sul. Lá, foi batido e degolado.

Saldanha queria que Floriano convocasse eleições. Foi um rebelde do andar de cima. João Cândido, insurreto do andar de baixo, queria acabar com a chibata. Ambos se revoltaram, porém prevaleceram.

Um é nome de navio da Marinha, o outro é nome de um petroleiro da Transpetro.

INTELIGÊNCIA EDUCACIONAL

O governador Tarcísio de Freitas e seu secretário de Educação Renato Feder querem usar instrumentos de inteligência artificial para produzir as aulas digitais que são usadas pelos professores de todas as escolas da rede estadual paulista.

Saiba-se lá o que é isso, mas a dupla precisa recorrer à própria inteligência convencional para cuidar da quitanda que administra.

O município de Morungaba tem 3.000 habitantes. Há 12 anos lá funciona a escola privada Ratimbum com 72 alunos (seis bolsistas) que cursam até a 5ª série. Há mais de um ano a escola pediu aos educatecas autorização para ampliar suas matrículas, com aulas até a 9ª série.

A Ratimbum recebeu quatro visitas de inspetores com inúmeras exigências, algumas erradas. Atendeu várias. (Um pedido, verbal, exigia que a água dos bebedouros viesse da Sabesp, que não atende o local onde fica a escola.)

Algum programa de inteligência artificial poderia organizar a comemoração do segundo aniversário da espera da autorização.