domingo, 26 de novembro de 2023

Milei é maluco, mas ninguém quer imaginar alguém mais fascista que Bolsonaro, Celso Rocha de Barros, FSP

 O novo presidente da Argentina é maluco.

Entre seus sintomas estão, por ordem decrescente de gravidade, seu desejo de destruir o Banco Central, seu plano de dolarizar a economia e sua tendência a aceitar ordens de seu cachorro morto.

Nós, brasileiros, não temos direito de rir. Duvido que o cachorro Conan se revele um guru pior do que o jumento Olavo, que assombrava os sonhos de Jair Bolsonaro e indicou dois ministros da Educação.

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, conversa com o ex-presidente Mauricio Macri e a ex-rival Patricia Bullrich
O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, conversa com o ex-presidente Mauricio Macri e a ex-rival Patricia Bullrich - Divulgação

O segundo turno da Argentina em 2023 foi bem diferente do segundo turno brasileiro de 2018. Bolsonaro passou para o segundo turno em primeiro, com ampla vantagem, em meio a uma onda de crescimento avassaladora. Era tão forte que se deu ao luxo de desprezar o apoio (entusiasmadamente oferecido) de candidatos tucanos aos governos de São Paulo e Rio Grande do Sul.

Por contraste, Javier Milei terminou o primeiro turno em segundo lugar. Só foi eleito porque conseguiu o apoio da direita tradicional, representada pela terceira colocada na eleição, Patricia Bullrich, e pelo ex-presidente Mauricio Macri.

Por isso, foi necessário todo um esforço de tentar normalizar Milei, apresentá-lo como um membro razoável da direita continental. Os ex-presidentes Iván Duque e Andrés Pastrana (Colômbia), Felipe Calderón e Vicente Fox (México), Jorge Quiroga (Bolívia), Luis Fortuño (Porto Rico), Sebastián Piñera (Chile), além do próprio Macri e do ex-premiê espanhol Mariano Rajoy, assinaram uma carta defendendo o voto em Milei.

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Vejam que, na hora de apresentar Milei como um sujeito razoável, ninguém chamou Bolsonaro para a foto. Até hoje tem gente grande no Brasil fingindo que Jair não é aberrante. Mas o mundo sabe.

A esperança dos direitistas moderados é que, nos próximos anos, Macri conseguirá substituir Conan como a voz que guiará as decisões de Milei.

Vai dar certo? É cedo para dizer.

Por um lado, Milei tem uma base no Congresso muito mais frágil do que a de Bolsonaro. Em que pesem as ligações da vice de Milei com a extrema direita militar, as Forças Armadas argentinas não parecem dispostas a aceitar o papel de fiadoras da loucura do presidente, como aconteceu no Brasil.

Por outro lado, eu acreditaria mais na aposentadoria de Conan do cargo de guru presidencial se Milei não tivesse anunciado, logo depois da eleição, que vai extinguir o Banco Central.

Se for só o caso de trocar a placa na entrada do prédio, de "Banco Central" para, digamos, "Banco da Liberdade", é ridículo; mas segue a vida.

O problema é se as funções do BC deixarem de ser exercidas, seja pela dolarização completa (que eliminaria a possibilidade de política monetária autônoma), seja pela desregulamentação completa do sistema financeiro. Aí, meu amigo, acabou.

É sempre possível que os argentinos administrem Milei melhor do que administramos Bolsonaro. Mas seria irresponsável ignorar o potencial de desastre quando um presidente maluco entra em choque com as instituições em cenário de crise econômica profunda.

Nas últimas décadas, as viradas ideológicas na Argentina sempre foram mais extremas que as brasileiras. Menem foi muito mais neoliberal que FHC nos anos 90, os Kirchner sempre estiveram à esquerda de Lula e Dilma neste milênio. Torçamos para que agora a tendência se reverta. Ninguém quer imaginar alguém mais fascista que o Jair.

Elio Gaspari -Livro 'Milicianos' apresenta relato amedrontador e triste sobre crime organizado, FSP

 Está nas livrarias "Milicianos" do repórter Rafael Soares. É um grande livro e conta a triste história do progresso do crime organizado no Rio de Janeiro. Com uma década de trabalho e 10 mil páginas de documentos pesquisados, ele expõe a gravidade do problema.

A tropa de elite da Polícia Militar era formada por uma equipe de assassinos. Alguns migraram para as milícias e pistolagens, acabando no tráfico de armas e drogas. De certa maneira, isso já era sabido ou intuído. Rafael Soares mostra que o sabido e intuído há anos estava também documentado pelo Ministério Público.

Capa do livro "Milicianos: Como agentes formados para combater o crime passaram a matar a serviço dele", de Rafael Soares
Capa do livro "Milicianos: Como agentes formados para combater o crime passaram a matar a serviço dele", de Rafael Soares - Divulgação

Jogo, milícias e drogas protegem-se sob uma capa de cumplicidade e empulhação. Os pistoleiros Ronnie Lessa, acusado de ter assassinado a vereadora Marielle Franco, e Adriano da Nóbrega, gerente do Escritório do Crime, não foram pontos fora da curva, mas prolongamentos de uma linha irregular.

Em maio de 2015, quando o Rio era empulhado pelas Unidades de Polícia Pacificadora e pelo majestoso teleférico do Morro do Alemão, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, andou no bondinho e disse: "Estou me sentindo numa estação de esqui. (...) Algo só visto nos Alpes".

Rafael Soares mostra o que acontecia nos Alpes de Madame Lagarde.

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Anos antes, havia-se celebrado a figura do sargento Marcos Falcon, orgulhoso, hasteando uma bandeira no alto do Alemão: "Não se pode desafiar o Estado".

Em 1995, Falcon havia sequestrado e assassinado um fuzileiro naval, por engano. Mais tarde assumiu a milícia do bairro de Oswaldo Cruz, cobrando proteção, ligações clandestinas e a venda de gás. Preso em 2011, foi solto meses depois. Expulso da PM, viu-se absolvido, com decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça. Foi reintegrado à tropa e aposentou-se como subtenente.

Falcon dedicou-se à escola de samba da Portela, casou-se com a porta-bandeira da Beija-Flor e quis disputar uma cadeira de vereador. Foi executado pelo Escritório do Crime antes da eleição. O prefeito Eduardo Paes foi ao seu velório.

O Escritório do Crime era gerido pelo ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega e funcionava na padaria Sabor da Floresta, na Ilha do Governador. Enquanto ele esteve na PM sua tropa era conhecida como "Guarnição do Mal".

O então deputado estadual Flávio Bolsonaro apreciava-o. Patrocinou seu nome para uma condecoração e empregou-lhe a mulher e a mãe no gabinete. Apesar da solidariedade de Jair Bolsonaro, que prestigiou-o indo ao seu júri, foi condenado a 19 anos de prisão. Meses depois, o Tribunal de Justiça anulou a sentença. Uma de suas irmãs diria: "O jogo do bicho pagou a absolvição dele".

Este é o aspecto amedrontador do livro "Milicianos". Ele mostra quão fundo e quão longe foi o crime organizado. Com as cartas que estão na mesa, ele pode ir mais fundo, e mais longe, enfunado pelo vento da tolerância.

Há pouco o país chocou-se com a execução de dois médicos na Barra da Tijuca.

Nada de novo sob o céu de anil. Em 2007, um jovem casal foi emboscado na saída de um ensaio de escola de samba.

Zé Personal, poderoso bicheiro e dono de um haras, contaria a um amigo: "Porra, o tenente João e o capitão Adriano fizeram merda, mataram um casal na Grajaú-Jacarepaguá pensando que era o Guaracy, mataram enganado".

Guaracy e sua mulher foram executados semanas depois. Passaram-se alguns anos, o amigo e Zé Personal foram assassinados. A hora de Adriano chegou em 2020.

Elio Gaspari -STF e Senado precisam do Qatar para negociar uma trégua, FSP

 O Supremo Tribunal Federal e o Senado precisam pedir ao emir do Qatar para que mande um de seus quadros para negociar uma trégua na briga pela faixa constitucional de suas atribuições.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, em sessão solene da corte de comemoração aos 35 anos da Constituição de 1988, em Brasília
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, em sessão solene da corte de comemoração aos 35 anos da Constituição de 1988, em Brasília - Pedro Ladeira - 5.out.23/Folhapress

Numa hora em que Israel e o Hamas estão negociando, há ministros do STF falando em cortar o diálogo com o governo.

O Qatar está acalmando os ânimos na Faixa de Gaza apesar de ser hospedeiro de uma base militar americana, interlocutor do Hamas e amigo de Israel.

Quando o STF resolve ficar zangado com o senador Jaques Wagner, um petista habilidoso e correto, alguém precisa esfriar a cabeça.

O Senado, como todas as casas políticas, convive com suas mazelas. Já os ministros do Supremo, conhecendo o tamanho das suas, gritam fogo num teatro cheio quando não conseguem um bom lugar na plateia.