quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Deirdre Nansen McCloskey Elevadores e a economia real, FSP

 Já confessei a você que sou economista. É vergonhoso, mas não posso fazer nada.

Mas existem vários tipos da tribo de Econ. Quando eu era socialista, via tudo como a história da luta de classes. Assim, lutar é o que melhora a condição dos trabalhadores. Quando eu era keynesiana, via todas as despesas do Estado como tendo um efeito multiplicador. Portanto, o consumo causa produção. Desde os 30 anos ou mais, tenho sido o que considero uma economista real, ou seja, uma verdadeira liberal. Não vejo luta de classes nem efeitos multiplicadores. Já não acredito, como Marx, que os lucros dos capitalistas são roubados dos trabalhadores e acumulados na sala dos fundos, ou, como Keynes, que por magia o consumo pelo Estado não tem custo de oportunidade no consumo por... bem, por nós.

A grande implicação da economia real e do verdadeiro liberalismo é que todos ficarão vastamente mais ricos se o liberalismo substituir a luta de classes e os gastos do Estado. Quero dizer, 3.000% mais ricos desde 1800, o Brasil logo alcançando a França e os Estados Unidos.

Mas há um número infinito de pequenas implicações, pequenas observações explicadas pela escassez da economia real e pelos preços relativos. Precisamos dos pequenos, microassuntos para obter o macrorretorno. E assim como um arquiteto não consegue ver um edifício sem pensar na verticalidade e nos materiais, ou um fisioterapeuta não consegue ver uma pessoa andando de maneira estranha sem pensar em lesões nos joelhos e problemas nas costas, um economista real não consegue ver nenhum edifício ou pessoa sem querer relacionar suas estruturas e comportamentos aos preços de artigos escassos.

Por exemplo, notei novamente numa viagem recente à Itália que no continente europeu os elevadores são minúsculos em comparação com os dos Estados Unidos. Mas depois também notei que as escadas são normalmente maiores do que nos EUA, e então fiquei pensando. Resposta: a mão-de-obra já foi muito mais cara nos EUA do que na Itália. Como você leva um sofá grande até o quinto andar? Nos EUA, com dois homens e um grande elevador. Na Itália, com seis homens e uma escada larga.

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Sim, é louco e talvez até falso. Mas, como uma economista real, aposto nos preços relativos.

Gastando muito e mal, Editorial FSP

 

Alunos do 1º ano na sala de leitura da escola municipal Martin Francisco Ribeiro de Andrada, em São Paulo (SP) - Diego Padgurschi/Folhapress

Parece contraditório que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enquanto bate recordes de gastos públicos, ainda não tenha destinado um mísero centavo para o programa de reforço à alfabetização lançado como prioridade neste ano, conforme a Folha noticiou.

Não resta dúvida quanto à urgência da iniciativa, anunciada em junho com previsão de desembolsos de R$ 801 milhões até dezembro. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apontou um efeito devastador da pandemia sobre o já precário processo de letramento das crianças brasileiras.

Com base nas provas de 2021, constatou-se que apenas 43,6% dos alunos do segundo ano do ensino fundamental demonstravam as habilidades necessárias para que fossem considerados alfabetizados, tais como ler e escrever textos curtos do cotidiano. Em 2019, antes de a crise sanitária interromper as aulas presenciais, eram 60,3%.

Com outra metodologia, o Unicef, órgão das Nações Unidas para a infância, apurou uma tragédia semelhante —a parcela de iletrados entre as crianças de 7 anos saltou de 20%, antes da Covid-19, para 40% no ano passado.

O montante reservado no Orçamento deste ano, ademais, está longe de ser proibitivo para um governo que elevou as despesas federais, sem contar juros, de R$ 1,8 trilhão em 2022 para R$ 2,06 trilhões.

O problema, tudo indica, não é falta de dinheiro —ainda.

O governo brasileiro amplia gastos como poucos no mundo, mas, na grande maioria dos casos, com o pagamento de aposentadorias, benefícios sociais e salários de servidores públicos. Reajustes em tais rubricas são de fácil execução e costumam render dividendos políticos e eleitorais imediatos.

Já quando se trata de políticas públicas que exigem projetos, licitações, gestão de recursos humanos, metas e avaliações, os avanços são muito mais vagarosos.

Pior, cedo ou tarde o aumento imprudente das despesas obrigatórias reduz o espaço orçamentário de outros programas, tipicamente no custeio administrativo e nos investimentos. Obras e outras ações de longo prazo sofrem com atrasos e descontinuidade.

Gastar muito e mal decerto não é exclusividade do governo petista. Em seu terceiro mandato, porém, Lula, com apoio do Congresso, foi muito além da expansão fiscal necessária para acomodar o novo Bolsa Família e fez retrocederem normas de ajuste e controle estabelecidas e mantidas a duras penas nos últimos anos.

editoriais@grupofolha.com.br

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Um ano após morte de Fleury, MP espera herdeiros para continuar ação por intervenção no Banespa, OESP

 Na véspera de completar um ano depois da morte do ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho, a Justiça não encontra os seus herdeiros para dar continuidade a uma ação civil pública por improbidade administrativa proposta contra ele pelo Ministério Público em 1997. O valor da ação, corrigido, hoje seria de R$ 28 milhões. O caso não foi sentenciado e ainda está na fase de produção de provas. Procurados, os herdeiros afirmam que não sabem do teor do processo porque ainda não foram citados (leia abaixo).

Na época, Fleury foi acusado de intervir para que o antigo Banco do Estado de São Paulo (Banespa) liberasse um empréstimo milionário para uma fábrica de calçados chamada Makerly, em Franca, no Interior do Estado. Em novembro de 1993 a empresa estava à beira da falência e, entre dívidas com o INSS, com fornecedores e o próprio Banespa, tinha um passivo hoje equivalente a R$ 489 milhões.

Fleury Filho (em pé, à direita), de gravata azul, óculos e cabelo grisalho, em agosto de 1993, quando era governador de São Paulo, durante visita do então presidente Itamar Franco ao ABC Paulista
Fleury Filho (em pé, à direita), de gravata azul, óculos e cabelo grisalho, em agosto de 1993, quando era governador de São Paulo, durante visita do então presidente Itamar Franco ao ABC Paulista Foto: Masao Goto Filho/Agência Estado

Em janeiro de 1994, segundo o Ministério Público de São Paulo, havia pedidos de falência, atraso salarial, dívidas com fornecedores na casa dos US$ 760 mil (o que hoje seriam R$ 348 milhões) e ao menos 450 títulos protestados. Esse quadro de inadimplência impedia a empresa de contrair novos empréstimos. No entanto, segundo o Ministério Público de São Paulo, essa situação foi contornada através da intervenção de Fleury e de alguns secretários do governo.

“O agente Luiz Antonio Fleury Filho, então governador do Estado, por gestões pessoais junto ao Banco do Estado de São Paulo, determinou a aprovação de créditos públicos, por meio de suplementação de recursos ao Fundo de Apoio a Contribuintes do Estado (FUNAC) visando atender empresa privada denominada Makerly Calçados S/A, então recém-criada e sucessora de Makerly Calçados Ltda e que, na ocasião, ostentava endividamento acima de sua capacidade de pagamento, inidoneidade”, disseram em trecho da inicial o então procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antonio Guimarães Marrey, e o procurador de Justiça Ricardo José Negrão Nogueira.

Aportes do Governo de SP foram feitos para empresa quase falida
Aportes do Governo de SP foram feitos para empresa quase falida Foto: Reprodução/TJSP
Política

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Mesmo com a situação crítica, de acordo com o MP, o Banespa decidiu emprestar dinheiro para a empresa de calçado, apesar de relatórios técnicos apontarem o risco. Em abril de 1997, quando o processo começou, a Makerly conseguiu pouco mais de R$ 3,6 milhões (à época em dólar) para tentar se reerguer.

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“Apresentou-se à Diretoria de Investimentos do banco, em 11 de fevereiro de 1994, uma solução salvadora, envolvendo a injeção de recursos públicos na empresa, com o que, acenava-se com otimista perspectiva”, apontaram Marrey e Negrão na época.

Vinte e nove anos depois do empréstimo, vinte e seis depois do início da ação e um ano da morte de Fleury, o processo ainda não teve uma sentença. O caso foi parar em Brasília por causa do bloqueio das contas dos réus, mas ninguém foi condenado. Desde que o ex-governador morreu, no dia 15 de novembro de 2022, seus herdeiros não foram citados nesse processo, o que impede a continuidade da ação.

Recursos para empresa de calçado que foram liberados pelo Banespa em 1994
Recursos para empresa de calçado que foram liberados pelo Banespa em 1994 Foto: Reprodução/TJSP

Advogados dizem que herdeiros de Fleury precisam ser citados pela Justiça

Por mais de trinta anos, o advogado Manoel Giacomo Bifulco cuidou de processos do ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho. De acordo com a lei, a morte de alguém encerra os poderes da procuração. Por isso, desde o dia 15 de novembro de 2022, Bifulco não representa mais seu antigo cliente. Os bens, processos, heranças e dívidas que o falecido deixa formam o espólio - que funciona como uma “pessoa jurídica”, que precisa de uma nova procuração, assinada pelos herdeiros, para ser representada.

Nesta ação civil pública, a defesa feita por Bifulco argumentou que Fleury nunca pressionou qualquer autoridade para que a Makerly conseguisse o empréstimo, mas que ele foi uma medida emergencial para evitar que as famílias dos trabalhadores perdessem seu meio de sobrevivência. Na ação, o MP diz que a Makerly chegou a empregar 584 pessoas antes de quebrar.

Luis Antônio Fleury Filho foi governador do Estado de São Paulo de 1991 a 1995
Luis Antônio Fleury Filho foi governador do Estado de São Paulo de 1991 a 1995 Foto: Arquivo/AE

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Desde que Fleury faleceu, o atual procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, peticionou no processo diversas vezes pedindo à Justiça que aguardasse os herdeiros comparecerem no processo. No dia 13 de setembro, Bifulco apresentou uma petição, dizendo que quem cuidará do caso daqui em diante é outro colega. “Segundo informado em reunião com a meeira e os filhos do falecido, a intenção manifestada é a de entregar o patrocínio da causa a Rodrigo Otávio Bretas Marzagão.”

A reportagem entrou em contato com Marzagão, que ainda não tem procuração nos autos. Segundo o advogado, os herdeiros precisam primeiro ser citados no caso - o que precisa ser feito pela Justiça, e não pelos advogados - para depois decidirem se querem contratá-lo para cuidar da causa. Esse é o procedimento previsto na lei. Ele já foi constituído para outros processos do ex-governador e disse que os herdeiros têm “endereço certo e sabido”.

Procurados pelo Estadão, os herdeiros confirmam que não foram citados nesse processo e, por isso, desconhecem o seu conteúdo. “A família do ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho está de luto em razão de um ano do falecimento dele, e os herdeiros não se manifestarão sobre um processo que desconhecem completamente, uma vez que não foram citados até o momento, providência que deve ser requerida pelo Ministério Público, autor da ação, nos termos e para os fins dos arts. 687 a 690 do Código de Processo Civil, a fim de possibilitar o contraditório e a ampla defesa”, disseram por meio de nota.

A reportagem entrou em contato também com o Ministério Público de São Paulo. Até a publicação da reportagem, não houve retorno.

Gestão de Fleury foi marcada pelo Massacre do Carandiru

Luiz Antonio Fleury Filho foi governador do Estado de São Paulo entre os anos de 1991 e 1995. Sua gestão foi marcada pela maior chacina do sistema penitenciário brasileiro: o massacre de Carandiru, em setembro de 1992. Ao todo, 74 policiais militares foram denunciados e condenados pela morte de 111 detentos durante uma rebelião no presídio. Nenhum deles cumpriu pena.

Presos penduram faixa de luto no Complexo Penitenciário do Carandiru, três dias após o massacre, em 05/10/1992. Ao todo, 111 presos foram mortos
Presos penduram faixa de luto no Complexo Penitenciário do Carandiru, três dias após o massacre, em 05/10/1992. Ao todo, 111 presos foram mortos  Foto: Itamar Miranda/ Estadão

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Em 2012, vinte anos depois do episódio, o ex-governador deu uma entrevista ao Estadão defendendo a ação dos policiais militares. Na época, ele disse que “quem não resistiu está vivo” e que, apesar de não ter dado a ordem para a PM entrar no presídio, se pudesse, daria.

Fleury foi filiado ao PTB e, além de ter sido governador, foi secretário de Segurança Pública de São Paulo na gestão de Orestes Quércia. Antes de ingressar na política, ele era promotor de Justiça. No dia 15 de novembro de 2022, ele morreu aos 73 anos.