domingo, 12 de novembro de 2023

Conheça o brasileiro que ajudou a derrubar pesquisador ‘estrela dos supercondutores’, FSP

 


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Em março, a revista Nature divulgou um artigo que prometia ser revolucionário para a ciência. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Rochester (EUA) afirmava ter descoberto um material supercondutor em temperatura ambiente. Mas, na última semana, o artigo foi removido pela revista em meio a suspeitas de fraude de seus autores. A correção de rota - e o tombo brusco da equipe comandada por Ranga P. Dias - foi possível graças ao trabalho do pesquisador brasileiro Pedro Pires.

Dias, que é uma espécie de “estrela da supercondutividade”, descreveu em sua pesquisa como o hidreto de lutécio (um material feito de lutécio e hidrogênio) adquiriu propriedades supercondutoras em temperatura ambiente quando misturado a nitrogênio e exposto a uma pressão 10 mil vezes superior à da superfície terrestre. Seria a abertura de uma janela para a fabricação de cabos de transmissão de energia com eficiência máxima, carros elétricos mais econômicos, trens magnéticos mais acessíveis e computadores quânticos menos complexos.

“Se fosse verdade, Dias teria descoberto um novo caminho na física”, conta Pires ao Estadão. O potencial revolucionário fez a descoberta ser recebida com ceticismo pelo mundo acadêmico - especialmente, porque Dias teve outros artigos removidos de publicações científicas por suspeitas de fraude. Assim, grupos que estudam supercondutividade em diferentes partes do mundo se apressaram para tentar replicar o experimento. O grupo do qual o pesquisador nascido em Guaratinguetá (SP) participa na Universidade Técnica de Graz na Áustria, um dos principais no mundo na área de supercondutores, foi um deles.

“Era sexta-feira e paramos tudo o que a gente estava fazendo para verificar se a afirmação era verdadeira. Parecia uma cena de filme e eu trabalhei quase 20 horas por dia no começo”, relembra. Junto com ele, outros nove pesquisadores das universidades Sapienza de Roma (Itália), de Cambridge (Reino Unido) e de São Paulo tentavam entender se a combinação de lutécio, hidrogênio e nitrogênio poderia resultar em um material que não apresenta resistência elétrica em temperatura ambiente. Além de Pires, o Brasil foi representado por Luiz Tadeu Fernandes Eleno, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da Universidade de São Paulo (USP).

Pedro Pires ajudou a desmentir artigo bombástico da supercondutividade
Pedro Pires ajudou a desmentir artigo bombástico da supercondutividade Foto: Taba Benedicto/Estadão

A supercondutividade foi descoberta por Heike Kamerlingh Onnes, um físico holandês, e sua equipe em 1911, mas os primeiros materiais do tipo só exibiam as propriedades “mágicas” a temperaturas baixíssimas, apenas alguns graus acima do zero absoluto, ou - 237 °C. Isso torna esses materiais muito complexos para aplicações em grande escala, e por isso o supercondutor em temperatura ambiente virou um Santo Graal da ciência.

Enquanto cientistas da área tentavam o caminho experimental - ou seja, reproduzir o composto em laboratório para testar suas propriedades -, Pires, 27, e seus colegas optaram pelo caminho teórico e decidiram rodar simulações complexas em supercomputadores, usando uma combinação de força bruta (quando se tenta todas as combinações possíveis) e algoritmos de inteligência artificial (IA).

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Para ele, a guinada nos trabalhos era óbvia já que as pesquisas do brasileiro envolvem a busca por materiais supercondutores. Doutorando da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da Universidade de São Paulo (USP) com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Pires escolheu realizar parte de seus estudos na Áustria por causa do professor Christoph Heil, um dos principais nomes na área no mundo

Ranga Dias teve artigo removido pela Nature
Ranga Dias teve artigo removido pela Nature  Foto: J. Adam Fenster / Universidade de Rochester

“Usamos vários conceitos de Teoria da Evolução. A gente cria aleatoriamente estruturas com a proporção dos elementos e simula essas estruturas, calculando a energia de cada uma delas. E a gente seleciona as estruturas que têm a menor energia. E vamos realizando vários testes nas gerações seguintes de materiais. Fizemos isso com mais de 80 gerações de estruturas até que sobra uma única estrutura candidata a ser supercondutora e passamos a testar suas propriedades. Fizemos isso explorando todas as possibilidades possíveis com lutécio, hidrogênio e nitrogênio”, conta ele.

Todas as simulações foram feitas em supercomputadores do Cluster Científico de Viena, que está entre os 300 computadores mais potentes do mundo. “Seria impossível fazer isso no Brasil, pois a demanda de infraestrutura é grande e nós não temos isso”, diz ele.

Ao final, os cientistas tinham simulado 200 mil compostos diferentes e o resultado foi tão frustrante quanto o fato de o Brasil não oferecer condições para pesquisadores de ponta: era impossível o material proposto por Dias apresentar propriedades supercondutoras. O grupo chegou a testar até outras temperaturas das propostas pelo pesquisador de Rochester, mas o resultado permaneceu igual. “Nada explicava os resultados do artigo da Nature”, diz ele.

Os resultados do grupo de Pires foi disponibilizado em abril, apenas um mês depois do artigo de Dias ser publicado na revista científica. A agilidade dos pesquisadores ajudou a aumentar a pressão não apenas sobre Dias, mas sobre a Nature, que foi criticada por publicar um artigo com supostos dados falsos.

A remoção do artigo de Dias no dia 8 de novembro aconteceu dois meses após a publicação americana destacar o trabalho do brasileiro. Nesse período, pesou também o fato de que oito dos coautores da pesquisa pediram a remoção do artigo. Eles disseram que levantaram preocupações durante a preparação da pesquisa. “Essas preocupações incluíam representações claramente enganosas e/ou imprecisas”, escreveram.

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O porta-voz de Dias diz que o cientista negou as alegações de má conduta na pesquisa. “O professor Dias pretende reenviar o artigo científico para uma revista com um processo editorial mais independente”, afirma o representante.

Enquanto isso, Pires se prepara para mais uma temporada na Áustria, onde sonha ser contratado pela Universidade Técnica de Graz. Ele também deve ter um novo artigo publicado em breve pela Nature, no qual analisa em mais detalhes o composto proposto por Dias. Sobre o colega americano, ele diz que não quer julgar suas ações, mas acredita que ele tenha perdido a reputação na área. “Caso ele apresente um novo artigo bombástico, eu não alocaria os recursos como fizemos neste ano para tentar desmenti-lo”.

Ruy Castro - Para quando você for viajar, FSP

 Leio no New York Times que um "must" do Halloween nos EUA é casar e passar a primeira noite no Stanley Hotel, perto das Montanhas Rochosas, no Colorado. A cama é um caixão, as mesas são decoradas com corações de porco e há cursos avançados de reencarnação. O Stanley é o hotel em que Stephen King situou a história de seu romance "O Iluminado", filmado em 1980 por Stanley Kubrick. Neste, Jack Nicholson, surtado e possuído, tenta matar sua mulher a machadadas. Romântico, não? Inspirado nisso, pensei em outros programas que poderão interessar aos casais menos ortodoxos.

Levar a garota para o Bates Motel. Almoçar no restaurante do Encouraçado Potemkin. E jantar na casa da família Addams. Passar o fim de semana na Bodega Bay, em San Francisco. Fazer consulta médica com o Dr. Jekyll e terapia com o Dr. Caligari. Mergulhar na Lagoa Negra, na Amazônia. E, para os rapazes, apaixonar-se em Tóquio por Eiko Matsuda; para as moças, deixar-se beijar por Jaws.

Para os que não ligaram alguns nomes à figura, o Bates Motel é aquele de "Psicose", de Hitchcock, em que Janet Leigh é esfaqueada no chuveiro. No restaurante do Potemkin, a carne vinha temperada com larvas. E a especialidade da sra. Morticia Addams era morcegos ao molho pardo. Bodega Bay é onde se passa "Os Pássaros", também de Hitchcock. E o suave, mas imprevisível Dr. Jekyll, o médico, às vezes se transformava em Mr. Hyde, o monstro.

O Dr. Caligari, de "O Gabinete do Dr. Caligari", era um louco que se fazia passar por psiquiatra ou vice-versa e tinha como assistente um zumbi. Nas profundezas da Lagoa Negra, vivia o monstro da dita cuja. Eiko Matsuda é a sensível amante que, para gozo supremo do namorado, a pedido dele, decepa-lhe o pênis de um golpe em "O Império dos Sentidos". E Jaws é o inimigo de James Bond que tenta cortar o cabo do Pão de Açúcar com os dentes.

Reserve passagens no Titanic.

Antonio Prata - Histórias de ninar (adultos) ,FSP

 Houve um tempo —tão perto, e, ó, tão longe— em que a arte era um holofote na unha encravada, não um campeonato de melhores esmaltes.

Raskolnikov matava velhinhas, a família de Gregor Samsa o assassinava a "maçãzadas", "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (Machado de Assis) é o retrato mais perfeito de tudo o que tem de pior na sociedade brasileira, uma sequência tristemente hilária de ações moralmente condenáveis, atitudes pusilânimes, cálculos mesquinhos e maus passos cretinos.

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 12 de Novembro de 2023, mostra o desenho de uma capivara sentada em um berço balanço.
Adams Carvalho

Madame Bovary procura nos amantes algum escape ou sentido para sua vidinha provinciana. Flannery O’Connor termina um de seus contos mais bonitos com um cara roubando a perna mecânica de uma mulher.

"Laranja Mecânica" (Anthony Burgess)? Os atos mais bárbaros de uma gangue de jovens niilistas e drogados são terrivelmente (mal) remendados pelas ações de um estado opressor e autoritário.

Nelson Rodrigues via em obras como essas um remédio. Católico, escreveu uma vez que Madame Bovary traía para que as senhoras na plateia não o fizessem. Há hipóteses menos pedagógicas. Talvez Madame Bovary traia para que a senhora na plateia fique mais tranquila por trair também. Ou para perceber que o marido é um idiota e deveria mais era se separar. Ou para que o marido se sinta melhor por trair. Ou, quem sabe, para que todo mundo se sinta mal por se reconhecer hipócrita ou culpado, preso numa vida muito aquém de seus desejos? Ou, talvez, Madame Bovary traia simplesmente porque os seres humanos traem —sem nenhuma lição ou intuito pedagógico por parte do Flaubert.

Afinal, arte não existe para fazer ninguém se sentir bem. Pra isso existem o Frontal, o Hopi Hari e os discursos motivacionais. Como disse Tchekhov, o papel do artista é fazer perguntas, não encontrar as respostas.

Nosso querido Anton iria ficar de cabelo em pé nesta terceira década do século 21. A literatura, o cinema e o teatro vêm se transformando num exercício de lacração: o mal está sempre no outro, os protagonistas são ironmen /women da virtude.

A pessoa sai da leitura ou da sessão não com a guarda abaixada, as certezas abaladas, mais próxima da verdade (ou, à falta de uma palavra melhor, da sinceridade): sai com suas certezas reforçadas.

Sobre o esmalte, mete-se uma demão de massa corrida. Esse tipo de obra de arte vem quase com uma moral da história. O rico é sempre mau e o pobre é sempre bom. O homem é sempre mau e a mulher é sempre boa. O branco é sempre mau e o negro é sempre bom. O hétero é sempre um idiota careta e opressor e o LGBTQIA+ sempre um (a) progressista libertário (a).

É evidente que o homem-branco-hétero-cis cometeu (e comete) atrocidades mundo afora. É preciso combater essa e outras injustiças. É preciso lutar por um mundo mais justo —e a arte tem um papel nisso, mas não criando contos da carochinha politicamente corretos e sim falando a verdade.

A realidade é confusa. Contraditória. Muitas vezes incompreensível. A arte é onde tentamos (e na maioria das vezes falhamos, mas seguimos tentando) nos mostrar nus, com todos os nossos defeitos. Se não for pra isso, mais vale ficar com Frontal, Hopi Hari ou palestra motivacional. Até porque as obras de lacração acabam por ser, mais do que edificantes, chatas pra caramba.