sábado, 21 de janeiro de 2023

Estilhações da Intentona - MEIO

 Por Fabio Victor*

Quando assumiu seu primeiro mandato como presidente, em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva expressou aos seus auxiliares incômodo com os militares que lhe acompanhariam como ajudantes de ordens. Achava que poderiam ser espiões. Solicitou ao chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, que fossem substituídos por civis. Carvalho explicou ao chefe que a atividade estava amparada na legislação e o convenceu de que a suspeição era exagerada. Lula logo ficou chapa dos ajudantes de ordens, num dos muitos sinais da relação amistosa que sobreviria com os representantes das Forças Armadas.

É notório, e reconhecido mesmo por antilulistas fardados, que no segundo governo do petista, com crescimento econômico e bonança orçamentária, saíram do papel projetos estratégicos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, com compra de equipamentos para as três forças. E a atuação de Lula de 2003 a 2010 revela um presidente alinhado com anseios da caserna. Desde o princípio, ele vetou qualquer proposta de revisão da Lei de Anistia ou punição por crimes de Estado na ditadura. Escolheu como primeiro interlocutor com os militares o general Oswaldo Oliva, pai de Aloizio Mercadante, que servira ao regime militar e era um entusiasta dos governos do período. No primeiro mandato do ex-líder sindical, houve um embate entre o ministro da Defesa, o diplomata José Viegas, e o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, ampliado por causa de uma nota da corporação defendendo a ditadura. Viegas quis demitir o general, mas Lula não deixou, e o diplomata então se demitiu. Nelson Jobim, ministro da Defesa no segundo mandato lulista, era (e é) amigo de generais e encampou pautas caras à cúpula militar, como quando formulou a estratégia para barrar a revisão da Lei de Anistia no Supremo Tribunal Federal em 2010 ou ao lançar uma Estratégia Nacional de Defesa e uma Política Nacional de Defesa; sua gestão apaziguadora tanto agradou a Lula que o petista pediu a Dilma para manter Jobim no cargo — pedido que ela atendeu, mas os dois não se bicaram e Jobim logo saiu.

A birra de Lula com os ajudantes de ordens era, portanto, um resíduo da zanga esquerdista com a herança nefasta da ditadura, mas não expressava o perfil conciliatório que está no DNA do líder petista — quase sempre aberto a negociar e mais afeito ao diálogo que ao confronto — e que rapidamente deu o tom de sua convivência com os fardados.

Desastrosa para as relações civis-militares, a politização das Forças Armadas ocorrida nos quatro anos de Jair Bolsonaro foi o ápice de um processo iniciado ainda no governo de Michel Temer e que atingiu escala monumental com seu sucessor, cujo projeto de transformar instituições de Estado em instrumentos político-ideológicos teve êxito parcial. O cenário indicava que o terceiro mandato de Lula seria, nesta área, muito mais espinhoso e conflituoso do que os dois anteriores. Desde a campanha eleitoral, setores do PT, da esquerda e da sociedade organizada alertavam que a bolsonarização dos quartéis exigiria por parte de Lula medidas enérgicas para frear a contaminação política das tropas e circunscrever as Forças Armadas às suas atribuições constitucionais, inclusive com punição para transgressões toleradas e incentivadas por Bolsonaro.

Vacinas

As primeiras medidas do presidente, contudo, demonstraram que a conciliação continuaria a permear a relação. Embora tenha retomado a necessária indicação de um paisano como ministro da Defesa — premissa da subordinação do poder militar ao poder civil interrompida por Temer e Bolsonaro —, o escolhido foi um político de centro-direita, de uma família de usineiros e industriais, elogiado por Bolsonaro e efusivamente acolhido por lideranças militares. José Múcio Monteiro, que começou a carreira na Arena, o partido da ditadura, ex-deputado, ex-ministro lulista e ex-ministro do Tribunal de Contas, foi estrategicamente pinçado para evitar atritos com a caserna. Outra vacina contra crises foi nomear como comandantes das três Forças Armadas os oficiais-generais mais antigos de cada uma delas.

Mas uma intentona se atravessou no caminho, a Intentona Bolsonarista.

O ataque às sedes dos Três Poderes perpetrado por correligionários de Jair Bolsonaro em 8 de Janeiro — cujo apelido toma emprestado o substantivo depreciativo com que os militares batizaram a revolta comunista de 1935 —, embaralhou tudo. É como se uma boiada tresloucada tivesse entrado na loja de cristais que Lula colocara Múcio para proteger.

Desde aquela famigerada tarde uma pergunta não quer calar: qual o papel das Forças Armadas na Intentona Bolsonarista? Ela pode começar a ser respondida com outra questão: os ataques aos Três Poderes teriam ocorrido daquela forma massiva e organizada se não houvesse como base para a turba o acampamento montado em frente ao Forte Apache, o Quartel-General do Exército em Brasília, onde os vândalos se mobilizaram, de onde saíram e para onde voltaram?

Como a resposta é negativa, resta evidente no mínimo a omissão do Exército ao não desmantelar as instalações. Sabia-se que familiares de oficiais frequentavam — viralizou um vídeo em que Cida Villas Bôas, a mulher do ex-comandante do Exército que em 2018 ameaçou o Supremo com um tuíte, visita o local e saúda os acampados. Ainda em dezembro, os comandantes das Forças Armadas divulgaram uma nota em que defendem as vigílias golpistas –cuja pauta principal era o pedido por um golpe militar como resposta à eleição de Lula — em nome da liberdade de expressão. Mais do que isso, em privado os comandantes concordam com boa parte da zanga dos acampados: como eles, acham que Bolsonaro foi vítima de um Judiciário e uma imprensa militantes. É aterrador, mas pode ser pior, pois a cada dia surgem evidências de que no acampamento operou o Estado-Maior do motim e que integrantes das Forças Armadas atuaram diretamente na Intentona.

Sabe-se agora, segundo depoimentos dos malfeitores presos, que as atrasadas tropas do Exército no campo de batalha protegeram quem deveriam combater. Sabe-se que, para além da “família militar”, oficiais da ativa frequentavam o acampamento do Forte Apache. Sabe-se que um dos terroristas presos por tentar explodir um caminhão dias antes da Intentona recebeu a bomba no acampamento. Sabe-se que oficiais da reserva incentivaram o golpe via redes sociais. Sabe-se que mentores da Intentona frequentavam o Palácio da Alvorada — e nunca é demais lembrar que entre os auxiliares mais próximos de Bolsonaro estavam vários oficiais-generais. O general Braga Netto, aliás, abordado em 18 de novembro por militantes que clamavam por uma virada de mesa no resultado da eleição, os tranquilizou com uma charada: “Vocês não percam a fé; é só o que eu posso falar pra vocês; tem que dar um tempo”.

Premonições

Em 3 de janeiro, duas apoiadoras que foram recebidas por Bolsonaro em seu retiro na Flórida contaram como o capitão lhes animou na conversa: “Ele falou que o melhor está por vir”. A lembrança dos avisos do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e das correligionárias de Orlando evoca outra declaração premonitória. Peço licença pela extensão da transcrição, mas, numa quadra histórica em que absurdos se esvaem como poeira ao vento — porque são diariamente suplantados por absurdos maiores —, é preciso relembrar cada um deles, e este, à luz da Intentona Bolsonarista, ganha contornos assombrosos. Em 20 de novembro, veio à tona um áudio enviado por Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União, a um amigo representante do agronegócio.

“É o pior momento que a nação vai viver, mas talvez seja importante pra poder recuperar. (...) O que vai acontecer agora? Está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo uma semana, duas, ou talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace bastante forte na nação. Imprevisíveis”, alertou Nardes. “Vamos perder? Sim, vamos perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas.”

O ex-parlamentar gaúcho, que no monólogo rememora sua atuação ao longo dos anos para fortalecer o que chama de “sociedade conservadora”, se gaba do papel privilegiado no entorno do poder no pós-eleição. “Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana (...), [o presidente] tem esperança de recuperar e melhorar a sua situação física, e certamente terá condições de enfrentar o que vai acontecer no país. (...) Eu não posso falar muito até porque..., sim tenho muitas informações.” E encerra Nardes: “Os próximos dias serão nebulosos e o que vai acontecer de desdobramento não se sabe, mas certamente teremos desdobramentos muito fortes nos próximos dias.” Com a repercussão do áudio, o ministro pediu licença médica do TCU.

Voltemos a janeiro. Tantas evidências de envolvimento de membros das Forças Armadas com a Intentona Bolsonarista fizeram com que agora um enorme espectro paire sobre a relação entre Lula e os militares — o espectro da suspeição. Num café da manhã com jornalistas cinco dias após o ataque, o presidente afirmou que perdeu a confiança em parte dos fardados. Depois revelou ter descartado decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (na qual um general assumiria o comando) porque não queria ter virado uma “rainha da Inglaterra” em meio ao motim — uma forma diplomática de dizer que duvida da lealdade dos atuais chefes militares. Suspeita que os invasores tiveram a entrada no Palácio do Planalto facilitada por traidores de farda. E cobrou o seu ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Gonçalves Dias, por um apagão no setor militar que deveria ter evitado a tragédia. “Minha inteligência não existiu”, queixou-se o petista. As unidades do Exército responsáveis pela proteção do palácio tampouco agiram.

As forças de segurança do Distrito Federal falharam miseravelmente em proteger o coração da República, mas o governador Ibaneis Rocha, seu então secretário de segurança — o bolsonarista Anderson Torres — e o agora ex-comandante da PM, Fábio Augusto Vieira (afastado e preso, como Torres), não são os únicos responsáveis pelo fiasco. Admitir que houve falhas graves também por parte das forças federais, incluindo as Forças Armadas — e é evidente que houve —, não significa dizer, como fez irresponsavelmente o governador mineiro, Romeu Zema, que o governo Lula permitiu o ataque para se vitimizar. Por mais que o 8 de Janeiro tenha sido um fracasso coletivo, um dos maiores fracassos coletivos da história republicana, há um protagonista claro, Jair Bolsonaro (e seus asseclas), e vítimas igualmente distinguíveis: os Três Poderes da República, a democracia, o Estado de Direito.

Desconfiança mútua

Por seu lado, os militares mandam recados de sua insatisfação com seu novo comandante supremo e destacam que as Forças Armadas não aderiram à Intentona –o que é fato, mas um golpe de estado à antiga seria mesmo impraticável. Fazem circular queixas à declaração de Lula de que perdeu a confiança nos auxiliares de farda ou até à exclusão da salva de tiros de canhão — um ritual castrense centenário — da cerimônia de posse, para atender a um pedido de associações de pessoas com deficiência e entidades de defesa de animais. O ex-ministro do GSI Sergio Etchegoyen, um dos artífices das crises recentes entre política e caserna, classificou a declaração de Lula sobre a desconfiança nos militares como um ato de “profunda covardia” –uma vez que nenhum comandante poderia rebatê-la. Interlocutores frequentes de lideranças militares, como os ex-ministros da Defesa Aldo Rebelo e Nelson Jobim, reforçaram a necessidade de tolerância e diálogo em vez de confronto e retaliação.

Uma reunião entre desconfiados foi realizada ontem para aparar as arestas. Lá estavam Lula, José Múcio, os comandantes militares e Josué Gomes da Silva, o presidente da Fiesp alvo de outra intentona. A ideia de convidá-lo foi criar uma agenda positiva em meio à crise — planos para a indústria nacional de Defesa. Múcio, o ministro cuja cabeça muitos petistas já estão cobrando e os bombeiros tentam preservar (a princípio Lula deve resistir a entregar), disse após a reunião que os responsáveis pelo ataque a Brasília serão punidos, mas fez questão de isentar institucionalmente as Forças Armadas.

De todo modo, o mote da esquerda foi lançado. “Sem anistia” já virou coro em shows musicais. À primeira vista, se refere ao capitão ex-presidente e aos cúmplices da Intentona de 8 de Janeiro. Mas tudo indica que poderá se alastrar para demandas históricas em relação aos militares, questões sensíveis tangenciadas por todos os governos desde a redemocratização: a alteração do artigo 142 da Constituição (o que dá aos militares a atribuição de garantir a lei e a ordem e ganhou de bolsonaristas a leitura deturpada de que as Foças Armadas são um poder moderador), a revisão da Lei de Anistia, a mudança nos currículos de escolas militares e no sistema de promoções de generais ou até mesmo na lei de 2019 que reestruturou a carreira militar e alterou as regras de seguridade social do pessoal do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Até poucos dias, Lula sinalizava que não daria vazão a pressões do tipo. Já é impossível ter essa certeza. Um dos reflexos da desconfiança do presidente foi querer abrir mão de ajudantes de ordens militares, como em 2003. Desta vez não houve quem o convencesse, e sua segurança passou a ser feita por policiais federais. Não parece disposto a voltar atrás.

*Fabio Victor, repórter e editor, é autor de “Poder camuflado - Os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro” (Companhia das Letras, 2022). Trabalhou na Folha de S.Paulo (1997-2017) e na revista piauí (2017-2020) e hoje dedica-se a projetos autorais

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

A hora e a vez de Augusto Aras, Frederico Vasconcelos -FSP

 A tentativa de golpe bolsonarista gerou uma inversão institucional. Como o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi omisso, a Advocacia-Geral da União ocupou o lugar do Ministério Público Federal. Requisitou ao STF a abertura de inquéritos e bloqueios.

Ao proteger Jair Bolsonaro, Aras assumiu o papel de advogado-geral da União. O AGU tem a atribuição, entre outras, de "assessorar direta, imediata e pessoalmente o presidente da República".

Procurador-geral da República e Advogado-geral da União invertem os papéis
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na posse do advogado-geral da União, Jorge Messias. O procurador-geral da República, Augusto Aras, abraça o então presidente Jair Bolsonaro - Marcelo Camargo/Agência Brasil e Adriano Machado/Reuters

A troca de papéis levou o advogado-geral, Jorge Messias, a emitir uma nota de esclarecimentos. Nela, afirma que a AGU "cumpriu integralmente o seu papel de defensora da União e se soma ao grande esforço das instituições nacionais que, nesse momento difícil, buscam livrar o país de ameaças golpistas e do horror do fascismo".

Só os mais crédulos viram uma conversão de Aras ao criar uma força-tarefa de última hora. O PGR só agiu no dia seguinte.

Aras poderia pedir ao STF um inquérito específico para investigação rápida sobre o vídeo que Bolsonaro teria apagado, incitando os golpistas. Tentou misturá-lo com outros.

Diria depois ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que "tomará todas as medidas cabíveis junto às autoridades judiciais para apurar e punir os responsáveis pelos atos e sobretudo para impedir que fatos como os registrados no dia 8 de janeiro jamais voltem a ocorrer no país".

Se a reconstrução da democracia for consolidada, chegará o momento de o PGR prestar contas de sua omissão.

Aras e Bolsonaro foram insensíveis aos protestos e representações contra os abusos.

Oito ex-procuradores gerais repeliram as insinuações sobre fraudes nas urnas. Assinaram a manifestação os ex-PGRs Raquel Dodge, Rodrigo Janot, Roberto Gurgel, Antonio Fernando, Inocêncio Mártires, Sepúlveda Pertence, Aristides Junqueira e Claudio Fonteles.

Em carta aberta, 27 subprocuradores-gerais criticaram a passividade de Aras diante dos ataques ao STF e ao TSE.

O PGR foi tolerante com o discurso do ódio e o descaso com os mortos da pandemia.

Mandou arquivar memorando em que cinco subprocuradores pediam que recomendasse a Bolsonaro evitar manifestações contra a política do Ministério da Saúde no combate ao coronavírus. Poupou Bolsonaro e criticou os signatários do memorando.

Foi ausente quando os caminhoneiros bloquearam rodovias. 186 procuradores condenaram sua inércia frente aos crimes atribuídos ao ex-presidente.

No ano passado, o procurador da República Celso Tres, aliado de Aras, criticou o "silêncio condescendente" de Bolsonaro diante da tentativa de golpe pela Polícia Rodoviária Federal.

Agora, Tres amplia o volume: "O episódio da PRF embaraçando eleitores de Lula no Nordeste era o ponto de virada de Aras. Além dos discursos, foi um ato concreto, real de uso do braço armado do Estado em prol do candidato governista. Na quebradeira de Brasília, Aras ficou abaixo da crítica; passivo, foi atropelado pelo AGU", afirma o procurador.

Em julho de 2021, o advogado e procurador Regional da República aposentado Rogério Tadeu Romano escreveu que "as condutas do atual PGR devem ser objeto da devida apuração".

"O procurador-geral da República não pode recursar-se a ajuizar ação penal pública quando o texto da lei o obrigue", disse Romano.

Aras ameaçou subprocuradores, estimulou a atuação de aduladores. Perseguiu membros do MPF.

Sinalizou, 14 meses antes, que não renovaria o mandato de uma conselheira do CNJ. Reservou a vaga para um aliado. Ofendeu publicamente uma subprocuradora-geral da República.

Dedo em riste, avançou contra um subprocurador-geral durante sessão.

"O PGR dá uma de corajoso onde não deve. Onde deveria demonstrar coragem, não demonstra", comentou na ocasião Airton Florentino de Barros, procurador de Justiça aposentado, fundador e ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

"Para Bolsonaro, Aras foi arras", diz Barros, fazendo trocadilho. Arras é sinal, garantia de cumprimento do combinado.

Bolsonaro não faria o que fez, fosse outro PGR.


No país dos golpes, emprego e salário ainda resistem, VTF _FSP

 A vida anda tão apinhada de golpes que a gente se esqueceu de assuntos elementares da existência. Por exemplo, do andamento da economia e, mais essencial de tudo, do trabalho. Tem golpe em Brasília, golpe nas calçadas e nos tuítes dos quarteis, golpe de bilionário na praça, golpe de intrigas na Fiesp, golpe na formatura de médicos da USP.

O assunto é mais chato, decerto, mas acabam de sair as estatísticas de emprego do IBGE, as de novembro. Há indícios diversos de que a economia está esfriando, de fato. Mas os números do mundo do trabalho sugerem até agora apenas uma desaceleração ligeira —ou nem isso.

Isto é, número de pessoas empregadas, rendimentos do trabalho ("salários") e massa de rendimentos ainda crescem ou até aceleram. O salário médio do trimestre encerrado em novembro era 7,2% maior do que um ano antes (em termos reais: já descontando a inflação nesses 12 meses). Em outubro, crescera 4,7%.

Trabalhador serve bebida em hotel no Rio; fim das restrições da pandemia de Covid-19 estimulou abertura de vagas - Eduardo Anizelli - 8.dez.22/Folhapress

O crescimento do número de pessoas empregadas desacelera desde maio (quando aumentava a insustentáveis 10,6% ao ano), mas ainda cresceu 5% em novembro (ante novembro de 2021).

A soma de todos os rendimentos do trabalho, pois, a "massa salarial", ainda acelera, crescendo a 13% em novembro. Essa é a água do copo meio cheio. Mas é uma água bem potável e tem implicações políticas.

No ar mais nebuloso do copo meio vazio, há perspectivas ruins e uma recuperação ainda incompleta do trabalho, atropelado pela epidemia. O salário médio real de novembro ainda é inferior ao do novembro pré-pandemia de 2019, por exemplo.

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Quanto a perspectivas, é difícil imaginar que a taxa de juros nas alturas não vá fazer estrago. A incerteza quanto ao futuro da política econômica, que de resto ajuda a manter os juros altos, vai criar outra dificuldade. Essa nuvem da política macroeconômica de Lula 3, escurecida por declarações disparatadas ou desnecessárias do presidente, fica aí pelo menos até abril.

Ainda assim, a taxa de desemprego de novembro é a menor depois de 2014. Há economista a dizer, porém, que nas atuais condições da economia brasileira, esse é um desemprego baixo bastante para manter a inflação pressionada.

Nos chutes informados de economistas, o número de empregos deve ficar na mesma neste 2023 (em relação a 2022), com uma ligeira alta da taxa de desemprego. O crescimento do número de pessoas ocupadas continuaria até meados deste ano.

Dada a reviravolta de ânimos econômicos, de estimativas de déficit do governo e de taxas de juros (graças ao desgoverno da economia de transição de novembro-dezembro), é bem provável que tenhamos perdido a chance de encurtar o período de quase estagnação que virá. Com juros altos, dívida das famílias alta e crédito crescendo menos, a coisa está complicada.

O crescimento do PIB deve cair mesmo da casa de perto de 3% de 2022 para perto de 1% neste 2023. Mas ainda dá para recuperar parte do tempo perdido, a depender da esperteza do governo, tanto na comunicação política como na elaboração de um plano fiscal.

A desaceleração, ressalte-se, ainda é suave (mas vai piorar). Ainda não houve notícias de apagões em setores econômicos; a confiança econômica cai desde meados do ano, mas não há colapsos; o mundo do trabalho no máximo até agora apenas desacelera.

Em termos políticos, pode ser um pequeno alívio para o governo, talvez um tempo extra, embora na era de redes sociais o prestígio presidencial possa evaporar em semanas. A fim de aproveitar esse período extra de graça, digamos, e desfazer o estrago ruim de novembro-dezembro seria conveniente Lula 3 dar alguma boa notícia econômica, fazer amigos, influenciar pessoas e animar os negócios.