A vida anda tão apinhada de golpes que a gente se esqueceu de assuntos elementares da existência. Por exemplo, do andamento da economia e, mais essencial de tudo, do trabalho. Tem golpe em Brasília, golpe nas calçadas e nos tuítes dos quarteis, golpe de bilionário na praça, golpe de intrigas na Fiesp, golpe na formatura de médicos da USP.
O assunto é mais chato, decerto, mas acabam de sair as estatísticas de emprego do IBGE, as de novembro. Há indícios diversos de que a economia está esfriando, de fato. Mas os números do mundo do trabalho sugerem até agora apenas uma desaceleração ligeira —ou nem isso.
Isto é, número de pessoas empregadas, rendimentos do trabalho ("salários") e massa de rendimentos ainda crescem ou até aceleram. O salário médio do trimestre encerrado em novembro era 7,2% maior do que um ano antes (em termos reais: já descontando a inflação nesses 12 meses). Em outubro, crescera 4,7%.
O crescimento do número de pessoas empregadas desacelera desde maio (quando aumentava a insustentáveis 10,6% ao ano), mas ainda cresceu 5% em novembro (ante novembro de 2021).
A soma de todos os rendimentos do trabalho, pois, a "massa salarial", ainda acelera, crescendo a 13% em novembro. Essa é a água do copo meio cheio. Mas é uma água bem potável e tem implicações políticas.
No ar mais nebuloso do copo meio vazio, há perspectivas ruins e uma recuperação ainda incompleta do trabalho, atropelado pela epidemia. O salário médio real de novembro ainda é inferior ao do novembro pré-pandemia de 2019, por exemplo.
Quanto a perspectivas, é difícil imaginar que a taxa de juros nas alturas não vá fazer estrago. A incerteza quanto ao futuro da política econômica, que de resto ajuda a manter os juros altos, vai criar outra dificuldade. Essa nuvem da política macroeconômica de Lula 3, escurecida por declarações disparatadas ou desnecessárias do presidente, fica aí pelo menos até abril.
Ainda assim, a taxa de desemprego de novembro é a menor depois de 2014. Há economista a dizer, porém, que nas atuais condições da economia brasileira, esse é um desemprego baixo bastante para manter a inflação pressionada.
Nos chutes informados de economistas, o número de empregos deve ficar na mesma neste 2023 (em relação a 2022), com uma ligeira alta da taxa de desemprego. O crescimento do número de pessoas ocupadas continuaria até meados deste ano.
Dada a reviravolta de ânimos econômicos, de estimativas de déficit do governo e de taxas de juros (graças ao desgoverno da economia de transição de novembro-dezembro), é bem provável que tenhamos perdido a chance de encurtar o período de quase estagnação que virá. Com juros altos, dívida das famílias alta e crédito crescendo menos, a coisa está complicada.
O crescimento do PIB deve cair mesmo da casa de perto de 3% de 2022 para perto de 1% neste 2023. Mas ainda dá para recuperar parte do tempo perdido, a depender da esperteza do governo, tanto na comunicação política como na elaboração de um plano fiscal.
A desaceleração, ressalte-se, ainda é suave (mas vai piorar). Ainda não houve notícias de apagões em setores econômicos; a confiança econômica cai desde meados do ano, mas não há colapsos; o mundo do trabalho no máximo até agora apenas desacelera.
Em termos políticos, pode ser um pequeno alívio para o governo, talvez um tempo extra, embora na era de redes sociais o prestígio presidencial possa evaporar em semanas. A fim de aproveitar esse período extra de graça, digamos, e desfazer o estrago ruim de novembro-dezembro seria conveniente Lula 3 dar alguma boa notícia econômica, fazer amigos, influenciar pessoas e animar os negócios.
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