sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

A hora e a vez de Augusto Aras, Frederico Vasconcelos -FSP

 A tentativa de golpe bolsonarista gerou uma inversão institucional. Como o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi omisso, a Advocacia-Geral da União ocupou o lugar do Ministério Público Federal. Requisitou ao STF a abertura de inquéritos e bloqueios.

Ao proteger Jair Bolsonaro, Aras assumiu o papel de advogado-geral da União. O AGU tem a atribuição, entre outras, de "assessorar direta, imediata e pessoalmente o presidente da República".

Procurador-geral da República e Advogado-geral da União invertem os papéis
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na posse do advogado-geral da União, Jorge Messias. O procurador-geral da República, Augusto Aras, abraça o então presidente Jair Bolsonaro - Marcelo Camargo/Agência Brasil e Adriano Machado/Reuters

A troca de papéis levou o advogado-geral, Jorge Messias, a emitir uma nota de esclarecimentos. Nela, afirma que a AGU "cumpriu integralmente o seu papel de defensora da União e se soma ao grande esforço das instituições nacionais que, nesse momento difícil, buscam livrar o país de ameaças golpistas e do horror do fascismo".

Só os mais crédulos viram uma conversão de Aras ao criar uma força-tarefa de última hora. O PGR só agiu no dia seguinte.

Aras poderia pedir ao STF um inquérito específico para investigação rápida sobre o vídeo que Bolsonaro teria apagado, incitando os golpistas. Tentou misturá-lo com outros.

Diria depois ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que "tomará todas as medidas cabíveis junto às autoridades judiciais para apurar e punir os responsáveis pelos atos e sobretudo para impedir que fatos como os registrados no dia 8 de janeiro jamais voltem a ocorrer no país".

Se a reconstrução da democracia for consolidada, chegará o momento de o PGR prestar contas de sua omissão.

Aras e Bolsonaro foram insensíveis aos protestos e representações contra os abusos.

Oito ex-procuradores gerais repeliram as insinuações sobre fraudes nas urnas. Assinaram a manifestação os ex-PGRs Raquel Dodge, Rodrigo Janot, Roberto Gurgel, Antonio Fernando, Inocêncio Mártires, Sepúlveda Pertence, Aristides Junqueira e Claudio Fonteles.

Em carta aberta, 27 subprocuradores-gerais criticaram a passividade de Aras diante dos ataques ao STF e ao TSE.

O PGR foi tolerante com o discurso do ódio e o descaso com os mortos da pandemia.

Mandou arquivar memorando em que cinco subprocuradores pediam que recomendasse a Bolsonaro evitar manifestações contra a política do Ministério da Saúde no combate ao coronavírus. Poupou Bolsonaro e criticou os signatários do memorando.

Foi ausente quando os caminhoneiros bloquearam rodovias. 186 procuradores condenaram sua inércia frente aos crimes atribuídos ao ex-presidente.

No ano passado, o procurador da República Celso Tres, aliado de Aras, criticou o "silêncio condescendente" de Bolsonaro diante da tentativa de golpe pela Polícia Rodoviária Federal.

Agora, Tres amplia o volume: "O episódio da PRF embaraçando eleitores de Lula no Nordeste era o ponto de virada de Aras. Além dos discursos, foi um ato concreto, real de uso do braço armado do Estado em prol do candidato governista. Na quebradeira de Brasília, Aras ficou abaixo da crítica; passivo, foi atropelado pelo AGU", afirma o procurador.

Em julho de 2021, o advogado e procurador Regional da República aposentado Rogério Tadeu Romano escreveu que "as condutas do atual PGR devem ser objeto da devida apuração".

"O procurador-geral da República não pode recursar-se a ajuizar ação penal pública quando o texto da lei o obrigue", disse Romano.

Aras ameaçou subprocuradores, estimulou a atuação de aduladores. Perseguiu membros do MPF.

Sinalizou, 14 meses antes, que não renovaria o mandato de uma conselheira do CNJ. Reservou a vaga para um aliado. Ofendeu publicamente uma subprocuradora-geral da República.

Dedo em riste, avançou contra um subprocurador-geral durante sessão.

"O PGR dá uma de corajoso onde não deve. Onde deveria demonstrar coragem, não demonstra", comentou na ocasião Airton Florentino de Barros, procurador de Justiça aposentado, fundador e ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

"Para Bolsonaro, Aras foi arras", diz Barros, fazendo trocadilho. Arras é sinal, garantia de cumprimento do combinado.

Bolsonaro não faria o que fez, fosse outro PGR.


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