sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

As razões políticas da retórica de Lula sobre ricos, empresários e o mercado, Bruno Boghossian _FSP

 O mercado não tem coração, os ricos devem pagar mais impostos, e os empresários só ganham dinheiro porque seus empregados trabalharam. As três declarações foram dadas por Lula em eventos e entrevistas nos últimos sete dias. Nenhuma é inédita ou foge à cartilha tradicional do PT, mas a escolha das palavras oferece um termômetro das motivações políticas do presidente.

Lula fez campanha em 2022 com uma plataforma voltada para a população mais pobre. Vitorioso, ele reforçou o compromisso com essa agenda e acentuou em seu discurso uma dose de antagonismo em relação ao empresariado e o mercado financeiro. Agora, ele agrega essa retórica à sua rotina como presidente.

O atrito com grupos economicamente influentes é parte de um rol de convicções antigas dos petistas. A insistência de Lula nessa ideia, porém, não se dá apenas como parte de um resgate ideológico, mas como ferramenta de governo, com funções de curto, médio e longo prazo.

O petista testou os efeitos imediatos desse embate ainda na transição. Quando investidores reagiram mal a declarações do presidente eleito sobre regras fiscais, Lula respondeu com ironia, dizendo que o mercado ficava "nervoso à toa". A ideia é manter essa rixa como uma vacina capaz de atenuar os impactos políticos das variações negativas da Bolsa.

Numa perspectiva de médio prazo, as alfinetadas no andar de cima também devem ser lidas como um aceno ao andar de baixo. Enquanto o governo busca dinheiro para cumprir sua agenda, Lula tenta sinalizar para sua base que tem disposição de enfrentar grupos poderosos, em especial aqueles que podem frear gastos prometidos na campanha.

Esse mesmo embate seria útil para corrigir, no futuro, o que os petistas classificam como um erro histórico do partido: a perda de conexão com certos segmentos de baixa renda, principalmente nas classes trabalhadoras das cidades. Lula atua para retomar o vínculo com esses grupos ao martelar uma oposição aos privilégios de algumas elites.

Tempero sádico, Hélio Schwartsman - FSP

 "Não achem esses terroristas [...] que a prisão seja uma colônia de férias", disse o ministro do STF Alexandre de Moraes a respeito de bolsonaristas detidos após o 8 de janeiro que reclamavam das condições do encarceramento. Objetivamente, Moraes tem razão. Prisão é uma coisa, colônia de férias, outra. Nas entrelinhas, porém, penso que o ministro esteja sugerindo que a cadeia deve mesmo ser um lugar pouco agradável ou até terrível. É um convite a uma reflexão sobre a natureza da pena.

De uma perspectiva puramente racional, a prisão, seja ela cautelar ou como pena, tem a finalidade principal de impedir a continuação e a repetição do delito, o que faz por duas vias. Ela retira, ainda que momentaneamente, o criminoso de circulação e, pelo efeito exemplo, dissuade terceiros de imitá-lo. Não há aí a menor necessidade de que o apenado sofra, muito pelo contrário. Se ele puder ficar retido em sua própria casa (com a certeza de que não conseguirá delinquir dali), poupando recursos do contribuinte, melhor.

Bolsonaristas presos no ginásio da Academia Nacional da Polícia Federal após atos golpistas em Brasília - Nayá Tawane

Os mais cínicos poderiam, é claro, argumentar que o efeito exemplo será tão mais poderoso quanto mais o delinquente sofrer. Mas essa é uma tese complicada. Se a levarmos muito ao pé da letra, deveríamos torturar e executar até autores de contravenções leves, como pisar na grama. Aí é quase certo que ninguém ousaria imitá-los. É mais seguro ficar com a ideia de que há direitos humanos invioláveis.

O problema é que nossa espécie não chegou ao sistema de Justiça dos quais nos valemos hoje por meio do cálculo racional de inspiração iluminista. Muito antes de Beccaria, já tínhamos de lidar com aproveitadores, personalidades antissociais etc. A evolução darwiniana resolveu esse dilema instilando na maioria de nós um senso de justiça retributivista, que nos faz desejar punir, até com um tempero sádico, quem viole as regras da sociabilidade. No combate àquilo que vemos como injustiça, nós pensamos com o fígado, não com a cabeça.

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Falhou a única vacina em testes avançados contra o HIV. E agora?, NYT - FSP

 Apoorva Mandavilli

THE NEW YORK TIMES

A única vacina contra o HIV que ainda estava em testes clínicos em estágio avançado provou ser ineficaz, anunciou seu fabricante na quarta-feira (18), causando mais uma decepção num campo há muito marcado pelo fracasso.

Dezenas de vacinas candidatas a prevenir o HIV foram testadas e descartadas nas últimas décadas. A derrota mais recente atrasa em três a cinco anos o progresso na direção de um imunizante, disseram especialistas. Ainda assim, outras opções em testes em estágio inicial podem oferecer um poderoso baluarte contra o HIV.

Mulher usa símbolo de campanha de luta contra a Aids - Navesh Chitrakar - 30.nov.2016/Reuters

A notícia é "decepcionante, mas não é o fim do esforço para desenvolver uma vacina", disse em entrevista Anthony Fauci, que até dezembro liderou o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA. "Existem outras abordagens estratégicas."

Um estudo em curso na África Oriental e Austral, chamado PrEPVacc, está avaliando uma combinação de vacinas experimentais contra o HIV e medicamentos preventivos. Os cientistas avançaram no desenvolvimento de anticorpos poderosos que podem neutralizar o vírus. E estão testando novas tecnologias de vacinas, incluindo de mRNA, contra o HIV.

Ainda assim, a perda da mais recente candidata ressalta os desafios de se desenvolver uma vacina para um adversário tão astuto quanto o HIV. Quatro décadas após sua descoberta, o vírus ainda infecta aproximadamente 1,5 milhão de pessoas por ano e mata cerca de 650 mil.

Para as pessoas em países mais ricos, o HIV não é a sentença de morte que já foi. Drogas poderosas podem suprimir o vírus em indivíduos infectados. Existem várias opções disponíveis para evitar a infecção: pílulas orais e injeções administradas a cada dois meses já estão aprovadas nos Estados Unidos, por exemplo, e uma injeção que só precisaria ser administrada a cada seis meses está em fase final de testes.

Mas esses medicamentos devem ser tomados pelo resto da vida do paciente e muitas vezes são inacessíveis para aqueles que mais precisam deles. Uma vacina seria a maneira ideal de deter o vírus.

"A modalidade de prevenção definitiva para qualquer infecção, especialmente infecção viral, é uma vacina segura e eficaz", disse Fauci. "Essa é a razão pela qual o campo continuará realizando pesquisas muito ativas nessa área."

O teste que agora termina, chamado Mosaico, começou em 2019 e foi liderado pela Janssen Pharmaceuticals, parte da Johnson & Johnson. Ele testou a vacina em 3.900 homens cisgênero (aqueles que sempre se identificaram como homens) e transgêneros que fazem sexo com homens cisgênero e transgênero, em mais de 50 locais em nove países da América do Norte, América do Sul e Europa.

A vacina continha um mosaico de componentes destinados a atingir vários subtipos diferentes de HIV presentes em todo o mundo. Mas a resposta imune que provocou contra o vírus não incluiu quantidades significativas dos chamados anticorpos neutralizantes, considerados as armas mais poderosas contra a infecção.

Embora o fracasso do teste não signifique o fim da abordagem em mosaico, ele sinaliza que uma vacina bem-sucedida deve estimular o corpo a produzir anticorpos amplamente neutralizantes, disse Fauci.

Depois de revisar os dados iniciais do estudo, um conselho independente de monitoramento de dados e segurança concluiu que, embora a vacina fosse segura, não evitava mais infecções por HIV do que um placebo. O conselho recomendou que a empresa interrompesse o teste e informasse os participantes.

O resultado não surpreendeu totalmente os especialistas, porque um estudo da mesma vacina, chamado Imbokodo, foi interrompido em 2021. Este testou a vacina em mulheres cisgênero em cinco países da África subsaariana.

O fracasso dos estudos é particularmente decepcionante, em parte porque foram financiados pela Johnson & Johnson, disse Mitchell Warren, diretor-executivo da organização de prevenção do HIV AVAC."Não são muitas as empresas que se envolvem com vacinas para doenças infecciosas, então ver esta não chegar ao mercado é uma decepção e um retrocesso", disse Warren.

A notícia deve levar os formuladores de políticas e ativistas a pensarem maneiras de tornar mais amplamente acessíveis as ferramentas existentes para prevenir o HIV, acrescentou ele. "Não é que toda a esperança esteja perdida, é que precisamos redirecionar nossos recursos para que tenham maior impacto."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves