terça-feira, 29 de novembro de 2022

Cristina Serra - A violência que nos dilacera, FSP

 O massacre em Aracruz, no Espírito Santo, nos dilacera como sociedade e nos lembra que escolas deixaram de ser o lugar seguro onde crianças, jovens e mestres devem florescer juntos.

O Brasil foi inscrito no mapa dessa tragédia em abril de 2011, numa escola do bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, quando um ex-aluno abriu fogo e matou 12 crianças e adolescentes. De lá para cá, contam-se, pelo menos, mais 11 atentados e carnificinas em escolas e creches. Há diferenças nas motivações e execução, mas os crimes se assemelham na brutalidade e covardia contra vítimas indefesas.

Agentes da Polícia Científica levam o corpo de uma das vítimas dos ataques a escolas em Aracruz, no Espírito Santo - Kadija Fernandes/AFP

No caso de Aracruz, que resultou na morte de quatro pessoas, há um componente de alarmante gravidade. O assassino de 16 anos usava uma suástica nazista na roupa e demonstrou profissionalismo incomum ao arrombar o portão de duas escolas, dirigir o carro e usar as armas do crime. As armas pertencem ao pai, um policial militar que publicou post sobre o livro de Hitler, "Minha Luta", base da ideologia nazista e de todos os seus horrores.

Pesquisadores apontam uma explosão no crescimento de grupos neonazistas brasileiros na deep web, nos últimos quatro anos. Muitos, porém, já saíram da clandestinidade do mundo digital e exibem sua fúria em atos golpistas contra a vitória de Lula.

No mesmo dia do massacre em Aracruz, operações policiais deixaram 14 pessoas mortas, em três comunidades do Rio de Janeiro e de Niterói. É mais um banho de sangue no currículo do governador Cláudio Castro, bolsonarista-raiz. Os mortos eram os "suspeitos" de sempre.

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O Brasil teve quatro anos de distribuição de armas e de promoção da violência como política de Estado. A tal ponto que um empresário de Mato Grosso se sente à vontade para, em público, convocar gente armada para tumultuar a diplomação do presidente eleito. O governo Lula terá que tirar as instituições da inércia para reverter o ambiente de insanidade que ameaça o país e cada um de nós.


A natureza ama ocultar-se José Renato Nalini, OESP

 José Renato Nalini*

29 de novembro de 2022 | 06h00

José Renato Nalini. FOTO: DIVULGAÇÃO

Essa fórmula de Heráclito é objeto de inúmeras tergiversações. São apenas três palavras, mas muito densas. Densas de sentido, seja aquele que Heráclito lhes deu, densas do sentido que os pensadores lhes conferiram e potencialmente densas de um sentido que as futuras interpretações ainda lhes vierem a dar.

Quanto a Heráclito, ninguém conseguirá detectar qual sua intenção. Primeiro, porque ele é eminentemente enigmático. A obscuridade é um dos característicos da sabedoria arcaica, a exprimir-se sob a forma de enigmas. Por isso, ficamos com a hermenêutica posterior. A não ser queiramos penetrar no ignoto mundo heraclitiano.

Platão escreveu a respeito: “Direi que as obras ditas da natureza são a obra de uma arte divina, e as que os homens compõem com elas, obras de uma arte humana”. Também Aristóteles encontra uma analogia entre natureza e arte, mas menciona oposições radicais. Primeiro, a natureza é um princípio de movimento interior a cada indivíduo. Cada pessoa concreta tem em si uma natureza própria à sua espécie e que é o princípio de seus movimentos naturais. A arte humana tem uma finalidade externa. Já a natureza tem uma finalidade interna: o processo da natureza não tem outro fim, que não a natureza ela mesma.

Os estoicos personificam a natureza. Ela é identificada com Deus. Tanto que se pode invocá-la como uma deusa, assim conforme fez Plínio: “Salve, Natureza, Mãe de todas as coisas!”. Mais tarde, já no século II, chega-se a compor hinos à Natureza. Assim é que Mesomedes, liberto do Imperador Adriano, escreve: “Princípio e origem de todas as coisas. Mãe antiga do mundo. Noite, luz e silêncio”. O grande Marco Aurélio também contribuiu com a elaboração da ideia: “Para mim, tudo é fruto do que produzem tuas estações, ó Natureza. De ti, em ti, por ti, são todas as coisas”.

Havia, portanto, entre os clássicos, um respeito incontido à natureza. Como foi que a humanidade chegou a esta lamentável era, em que ela é vilipendiada, maltratada, deteriorada e exterminada?

Talvez a primeira explicação venha a ser a ignorância. Não conhecemos a natureza; não procuramos conhecê-la; por isso a desprezamos. Será que esse desconhecimento provém exatamente porque a natureza tem segredos e procura escondê-los? Cícero aborda o tema: “coisas que foram escondidas e envelopadas pela própria natureza”. Lucrécio afirmou: “a Natureza ciumenta nos roubou o espetáculo dos átomos”. Apesar disso, Epicuro “retirou à Natureza todos os véus que a escondiam” pois chegara a arrombar “as portas estreitamente fechadas da Natureza”. A ciência continua a fazer exatamente isso: forçar a blindagem da natureza para tentar descobrir seus mistérios: a cura do câncer, do mal de Alzheimer, do mal de Parkinson e da crueldade humana em geral.

Ovídio conta sobre Pitágoras, que ele “descobriu com os olhos do coração, aquilo que a natureza recusava aos olhares humanos”.

Todavia, quais são esses segredos? Alguns, certamente, decorrem das partes invisíveis da natureza. Invisíveis, porque situadas numa longínqua dimensão de tempo. Outros, inacessíveis por sua extrema pequenez. Pensamos que o átomo seria a menor célula. Só que a ciência vai provando que há partículas infinitamente menores. Tudo foi segredo durante milênios. E a parte invisível da natureza provoca efeitos visíveis.

Espíritos superiores e sensíveis se aperceberam disso e nos legaram ensinamentos que ainda hoje suscitam discussões e inspiram reflexão. Sêneca, por exemplo, afirmou: “Muitos outros seres mantêm-se desconhecidos para nós, ou, talvez, maravilha ainda maior, ao mesmo tempo preenchem nossos olhos e lhes escapam. São assim tão sutis que o olho humano não consegue percebê-los? Ou sua majestade se oculta num refúgio sagado demais para o homem, de onde regem seu domínio, isto é, eles próprios, inacessíveis a tudo, exceto ao espírito. Quantos animais viemos a conhecer apenas em nossos tempos! Quantos objetos dos quais mesmo o nosso século não tem sequer ideia!”.

O drama brasileiro é que a natureza está sendo exterminada, antes mesmo de ser suficientemente conhecida. A exuberante biodiversidade da floresta amazônica, da Mata Atlântica e dos demais biomas pátrios asseguraria a redenção econômica do Brasil, contasse ele com Estado e sociedade menos ignorante. A busca desenfreada do vil metal, acima de todas as outras coisas, é a causa primeira da devastação. A natureza morre. Mas leva com ela as outras espécies de vida. Esse o seu segredo mais oculto.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022

Qatar fornecerá gás à Alemanha enquanto UE tenta diminuir dependência da Rússia, FT FSP

 O Qatar fornecerá gás natural liquefeito (GNL) à Alemanha sob um acordo de longo prazo que marca um grande passo nos esforços da maior economia da Europa para se livrar da dependência do gás russo.

Sob dois acordos de compra e venda assinados na terça-feira (29) pela estatal QatarEnergy e pelo grupo americano ConocoPhillips, cerca de 2 milhões de toneladas de GNL serão enviados à Alemanha anualmente durante pelo menos 15 anos, com entregas previstas para começar a partir de 2026.

Os acordos são os primeiros pactos de longo prazo para fornecimento de GNL a um país da UE desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro. Apesar de buscarem substitutos para o gás russo, os países europeus temem fechar tais negócios, já que tentam se afastar dos combustíveis fósseis.

Ryan Lance, CEO da multinacional americana ConocoPhillips, cumprimenta o ministro da Energia do Qatar e CEO da QatarEnergy, Saad Sherida al-Kaabi, em Doha
Ryan Lance, CEO da multinacional americana ConocoPhillips, cumprimenta o ministro da Energia do Qatar e CEO da QatarEnergy, Saad Sherida al-Kaabi, em Doha - Karim Jaafar - 29.nov.22/AFP

Robert Habeck, ministro da Economia da Alemanha, saudou os acordos. "Quinze anos está ótimo", disse ele. "Eu não teria nada contra contratos de 20 anos ou até mais longos."

Habeck disse que as concessionárias alemãs Uniper e RWE foram solicitadas pelo governo a conseguir gás no mercado internacional –inclusive do Qatar– para um terminal de GNL que está sendo construído na costa alemã do mar do Norte.

Ele ainda explicou que os contratos assinados são entre grupos de energia e empresas de serviços públicos da Alemanha. "Os contratos em si são negócios das empresas. [Elas] precisam perceber que a Alemanha [no futuro] comprará menos [gás] se quisermos cumprir nossas metas climáticas". Nesse caso, as empresas "terão que entregar os volumes que compraram para outros países".

Os acordos contribuiriam para a segurança energética da Alemanha "com um período de fornecimento que se estende por pelo menos 15 anos", disse Saad Sherida Al-Kaabi, ministro de Energia do Qatar e diretor executivo da QatarEnergy.

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Al-Kaabi acrescentou que o Qatar separou "a política dos negócios", referindo-se a um aparente protesto da seleção alemã na Copa do Mundo contra a decisão da Fifa de proibir os jogadores de usar braçadeiras "One Love", em apoio à comunidade LGBTQIA+. O time da Alemanha cobriu as bocas para uma foto antes do jogo contra o Japão na semana passada.

Zongqiang Luo, analista sênior da Rystad Energy, disse que os últimos negócios são "um sinal de que a Europa está começando a se cansar do fornecimento intermitente da Rússia e busca cada vez mais alternativas de longo prazo".

O GNL virá dos projetos North Field East e North Field South do Qatar, que visam aumentar a produção doméstica de GNL do país do Golfo das atuais 77 milhões de toneladas para 126 milhões de toneladas até 2027.

gás russo representou cerca de 45% das importações de gás da UE no ano passado. A necessidade do bloco de encontrar substitutos intensificou a competição com a Ásia por carregamentos, elevando os preços.

O preço do GNL entregue ao noroeste da Europa subiu para quase US$ 80 (R$ 424) por milhão de unidades térmicas britânicas em agosto, mais de quatro vezes o preço do ano anterior, de acordo com o provedor de dados Argus Media. No entanto, desde então, os preços caíram de volta ao nível do ano passado, pois a Europa conseguiu encher seus estoques de gás.

Embora 2 milhões de toneladas de GNL representem cerca de 3% da demanda anual de gás da Alemanha, elas ajudarão a preencher a lacuna em um país que foi um dos mais atingidos quando o presidente russo, Vladimir Putin, usou o fornecimento de energia como arma.

O gás russo representava mais da metade do abastecimento total da Alemanha antes da invasão da Ucrânia, e desde então Berlim se esforça para construir uma nova infraestrutura de importação de GNL.

O país terminou recentemente a construção de seu primeiro terminal de importação de GNL em Wilhelmshaven, no mar do Norte, e também afretou cinco unidades flutuantes de armazenamento e regaseificação, usadas para armazenar GNL e deixá-lo no estado gasoso.