sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Foxconn oferece pagar trabalhadores para deixar fábrica de iPhone após protestos, CNN Brasil

 

Trabalhadores são vistos derrubando um veículo da polícia durante protesto que se tornou violento na instalação da Foxconn em Zhengzhou, China, em 23 de novembro
Trabalhadores são vistos derrubando um veículo da polícia durante protesto que se tornou violento na instalação da Foxconn em Zhengzhou, China, em 23 de novembroObtida pela CNN

Nectar GanJuliana Liudo CNN Business

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Foxconn ofereceu pagar 10.000 yuans (US$ 1.400) aos trabalhadores recém-contratados para deixar a maior fábrica de montagem de iPhones do mundo, em uma tentativa de reprimir os protestos que levaram centenas de pessoas a entrar em confronto com as forças de segurança no complexo da China.

O fornecedor da Apple fez a oferta na quarta-feira após cenas dramáticas de protestos violentos em seu campus em Zhengzhou, capital da província de Henan, em uma mensagem de texto enviada de seu departamento de recursos humanos aos trabalhadores.

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Na mensagem, vista pela CNN, a empresa pedia que os trabalhadores “por favor, regressem aos vossos dormitórios” no campus. A companhia também prometeu pagar a eles 8.000 yuans (US$ 1.116) se eles concordassem em sair da Foxconn e outros 2.000 yuans (US$  279) depois que eles embarcassem em um ônibus para deixar o local.

O protesto eclodiu na noite de terça-feira e tinham relação com os termos dos pacotes de pagamento dos novos contratados e as preocupações relacionadas à Covid-19 e a segurança dos funcionários.

As cenas se tornaram cada vez mais violentas na quarta-feira, quando os trabalhadores entraram em confronto com um grande número de forças de segurança, incluindo oficiais da equipe SWAT.

Um grupo de seguranças vestidos com roupas de proteção chuta e espanca um trabalhador caído no chão durante protesto na Foxconn, China, em 23 de novembro
Um grupo de seguranças vestidos com roupas de proteção chuta e espanca um trabalhador caído no chão durante protesto na Foxconn, China, em 23 de novembro / Obtida pela CNN

Vídeos que circulam nas redes sociais mostram grupos de policiais vestidos com roupas de proteção chutando e batendo em manifestantes com cassetetes e barras de metal. Alguns trabalhadores foram vistos derrubando cercas, jogando garrafas e barreiras contra os policiais e quebrando e virando veículos da polícia.

O protesto terminou em grande parte por volta das 22h de quarta-feira, quando os trabalhadores voltaram para seus dormitórios, tendo recebido a oferta de pagamento da Foxconn e temendo uma repressão mais dura por parte das autoridades, disse uma testemunha à CNN.

A fábrica de Zhengzhou foi atingida por um surto de Covid em outubro, que a forçou a fechar e levou a um êxodo em massa de trabalhadores que fugiam do surto. Mais tarde, a Foxconn lançou uma grande campanha de recrutamento, na qual mais de 100.000 pessoas se inscreveram para preencher os cargos anunciados, informou a mídia estatal chinesa.

De acordo com um documento que estabelece o pacote salarial dos novos contratados visto pela CNN, os trabalhadores receberam a promessa de um bônus de 3.000 yuans (US$ 418,8) após 30 dias de trabalho, com outros 3.000 yuans a serem pagos após um total de 60 dias.

Trabalhadores jogam partes das barreiras de metal que derrubaram na polícia durante protesto na Foxconn em Zhengzhou, China, em 23 de novembro
Trabalhadores jogam partes das barreiras de metal que derrubaram na polícia durante protesto na Foxconn em Zhengzhou, China, em 23 de novembro / Obtida pela CNN

No entanto, de acordo com um trabalhador, após chegarem à fábrica, os novos contratados foram informados pela Foxconn que só receberiam o primeiro bônus em 15 de março e a segunda parcela em maio – ou seja, eles deveriam trabalhar durante o feriado do Ano Novo Lunar, que começa em janeiro de 2023, para receber o primeiro pagamento do bônus.

“Os novos recrutas tiveram que trabalhar mais dias para receber o bônus que lhes foi prometido, então se sentiram enganados”, disse o trabalhador à CNN.

Em um comunicado na quinta-feira, a Foxconn disse que entendia totalmente as preocupações dos novos recrutas sobre “possíveis mudanças na política de subsídios”, que atribuiu a “um erro técnico (que) ocorreu durante o processo de integração”.

“Pedimos desculpas por um erro de entrada no sistema de computador e garantimos que o pagamento real é o mesmo acordado”, afirmou.

A Foxconn estava se comunicando com os funcionários e garantindo que os salários e bônus seriam pagos “de acordo com as políticas da empresa”, afirmou.

A Apple, para a qual a Foxconn fabrica uma gama de produtos, disse à CNN Business que seus funcionários estavam nas instalações de Zhengzhou.

Trabalhadores da maior fábrica de iPhone do mundo enfrentam agentes de segurança durante protesto na China
Trabalhadores da maior fábrica de iPhone do mundo enfrentam agentes de segurança durante protesto na China / Obtida pela CNN

“Estamos revisando a situação e trabalhando em estreita colaboração com a Foxconn para garantir que as preocupações de seus funcionários sejam abordadas”, afirmou em comunicado.

Na manhã desta quinta-feira, alguns trabalhadores que concordaram em sair receberam a primeira parte do pagamento, disse um trabalhador em uma transmissão ao vivo, que mostrou trabalhadores fazendo fila do lado de fora para fazer testes de Covid enquanto esperavam os ônibus que partiam. No final do dia, as transmissões ao vivo mostraram longas filas de trabalhadores embarcando nos ônibus.

Mas para alguns, o problema está longe de terminar. Após serem levados para a estação de trem de Zhengzhou, muitos não conseguiram uma passagem para casa, disse outro trabalhador em uma transmissão ao vivo na tarde de quinta-feira. Como ele, milhares de trabalhadores ficaram presos na estação, disse ele, enquanto virava a câmera para mostrar as grandes multidões.

Zhengzhou deve impor um bloqueio de cinco dias em seus distritos urbanos, que incluem a estação de trem, a partir da meia-noite de sexta-feira, anunciaram as autoridades anteriormente.

Protestos violentos

O protesto começou do lado de fora dos dormitórios dos trabalhadores no amplo campus da Foxconn na noite de terça-feira (22), com centenas marchando e cantando slogans como “Abaixo a Foxconn”, de acordo com vídeos de mídia social e um relato de testemunha. Vídeos mostraram trabalhadores entrando em confronto com seguranças e lutando contra o gás lacrimogêneo disparado pela polícia.

O impasse durou até a manhã desta quarta-feira. A situação piorou rapidamente quando um grande número de policiais, a maioria coberta com roupas brancas de proteção e algumas segurando escudos e cassetetes, foram enviadas para o local. Vídeos mostraram colunas de veículos da polícia, alguns marcados com “SWAT”, chegando ao campus, que normalmente abriga cerca de 200.000 trabalhadores.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Estratégia de Musk no Twitter é arriscada, mas faz sentido, Pedro Doria, OESP

 


Elon Musk é um gestor tão caótico que, em meio à confusão generalizada instalada no Twitter, fica por vezes difícil entender se ele tem alguma ideia do que está fazendo. Mas há pistas de que ele tem, sim, um projeto para a rede social. A sua aposta faz sentido, mas não deixa de ser uma aposta. E, do jeito que ele pretende implementá-la, há riscos.

O primeiro sinal está no serviço de assinatura. A oferta, a princípio, não parece muito — oito dólares ao mês, sabe-se lá quanto será no Brasil, para ter em troca o selinho azul. Entra no jogo um quê a mais: os tuítes de assinantes pagos terão prioridade na hora de aparecer para quem frequenta a rede.

Nenhuma das grandes redes sociais se baseia em um modelo de assinaturas. Em geral, o principal sustento vem de publicidade. Além disso, o selo azul foi inventado pelo próprio Twitter conforme vinha sendo povoado por gente com influência no debate público. Servia para garantir a quem lê que aquela conta de fato pertence à pessoa ou empresa que assina. Certeza de autenticidade da origem é importante se estamos em uma conversa que gera notícia.

O segundo sinal vem de tuítes soltos publicados por Musk. Ele afirmou que vê a plataforma voltada para notícias grandes em tempo real. E, insistindo no conceito, ordenou que toda a equipe do Twitter pusesse todo o foco, nestas semanas, na Copa do Mundo. O bilionário defende que, no universo digital, sua plataforma é e será cada vez mais o melhor local para acompanhar o que está acontecendo no planeta.

Elon Musk assumiu o Twitter no final de outubro
Elon Musk assumiu o Twitter no final de outubro Foto: Divulgação/Twitter

O mal de origem da desinformação é um algoritmo que procura fazer com que os usuários não saiam nunca da rede. O tipo de conteúdo que dá maior engajamento é aquele que insufla rivalidades, mexe com emoções fortes, atiça preconceitos. Redes que vivem de publicidade precisam que as pessoas sejam expostas a propaganda toda hora. No momento em que a empresa faz dinheiro com assinaturas mais do que com anúncios, o algoritmo deixa de insuflar o frenesi. Ao contrário, vai querer fazer daquela uma experiência que traga valor real. E, se o objetivo é noticiar, credibilidade passa a ser coisa importante.

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É preciso ver, porém, se pode conviver com a ideologia do empresário por trás da Tesla e da SpaceX. Musk, como libertário, flerta abertamente com a extrema-direita e vem trazendo de volta muita gente que foi expulsa por desinformar usuários na plataforma. Ele próprio é um que dissemina teorias conspiratórias sem piscar.

O modelo para a rede é bom. Resta saber se terá chance perante a gestão caótica e a imaturidade política do CEO.

Reportagens de brasileiro nos anos 1930 sobre o nazismo lembram valor do bom jornalismo, FSP

 

SÃO PAULO

Uma boa pergunta consistiria em saber se a perfídia moral do nazismo já era conhecida quando Adolf Hitler chegou ao poder ou se, ao contrário, foi preciso esperar que historiadores e juízes do Tribunal de Nuremberg reunissem as informações que até hoje nos chocam de modo superlativo.

E a boa resposta seria a seguinte: a monstruosidade do nazismo já era plenamente exercida quando, no início de 1933, Hitler foi nomeado para a chefia do governo alemão. Tanto que o bom jornalismo relatava em detalhes os horrores que aconteciam.

Um dos repórteres competentes daquela época foi José Jobim, que em 1934 reuniu reportagens no livro "Hitler e seus Comediantes na Tragicomédia: O Despertar da Alemanha", há pouco reeditado pela Topbooks.

Soldados nazistas em treinamento em foto sem data - Divulgação Holocaust Memorial Museum

O autor, paulista de Ibitinga, prestou em seguida concurso para o Itamaraty. Durante sua carreira de diplomata foi embaixador na Colômbia, na Argélia, no Vaticano e no Equador. Foi assassinado em 1979, por estar reunindo material para um livro sobre a corrupção na construção da usina de Itaipu —a causa verdadeira de sua morte foi relatada apenas anos depois, pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos do regime militar.

Mas voltemos à Alemanha, onde crimes semelhantes eram recorrentes. Jobim teve acesso fácil, em 1933, a informações sobre a administração nazista. E por que não foi também esse, então, o comportamento de toda a mídia a brasileira?

O correspondente nos conta que Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do Terceiro Reich, distribuía propina a jornais, agências de notícia e jornalistas, para que falassem bem de Hitler e escondessem as safadezas que ele cometia.

Por exemplo, o incêndio do Reichstag, o Parlamento em Berlim, em 28 de fevereiro de 1933. O fogo foi atribuído mentirosamente a um ex-comunista holandês, Marinus van der Lubbe. Mas quem o acendeu foi um comando que entrou de madrugada no prédio, por meio de uma passagem subterrânea que saía dos aposentos de Hermann Goering —viciado em cocaína, diz Jobim—, um dos homens de confiança de Hitler.

Vejamos o contexto. Naquele mês de fevereiro a Alemanha ainda era formalmente uma democracia e se preparava para eleições em que os comunistas poderiam ultrapassar em número de deputados a bancada dos nazistas. O incêndio foi o pretexto para prender deputados comunistas, proibir seus jornais, vetar ao partido o acesso às emissoras de rádio e criminalizar sua existência.

Para tanto, e mais uma vez, a operacionalidade suja foi entregue às Sturmabteilung, as SA, milícia armada do Partido Nacional-Socialista que seria depois responsável pelo extermínio de judeus e opositores nos campos de concentração.

As SA também exerciam o poder ilimitado de polícia. Jobim cita o "Livro Pardo", espécie de compêndio de violações alemãs dos direitos humanos, que aponta 60 mil casos de tortura nos meses iniciais da consolidação do nazismo.

O jornalismo põe em evidência curiosidades que nos anos seguintes historiadores considerariam menos relevantes. Jobim, que trabalhava para vários jornais, informa, por exemplo, que brochuras com textos da oposição circulavam com capas em que apareciam uma catedral gótica alemã ou o rosto de atrizes de cinema. Entre os dados mundanos, o primeiro congresso do Partido Nazista já no poder transportou delegados em 340 trens especiais e nele foram consumidos 500 mil quilos de salsichas.

Mas o nazismo foi um suicídio da inteligência alemã. O físico Albert Einstein precisou se exilar por ser judeu, e viu seus livros queimados na Universidade de Berlim. O "Völkischer Beobachter", jornal que o próprio Hitler dirigia, informou em maio de 1933 que 600 mil toneladas de livros e revistas haviam sido confiscadas e parte delas, queimadas —entre as vítimas, romances de Thomas Mann, Nobel de Literatura.

Grandes professores foram demitidos e tinham seus passaportes confiscados, para não poder lecionar ou pesquisar em países estrangeiros.

O diplomata José Jobim, fotografado no Rio de Janeiro - 2.jul.57/Agência O Globo

Em meio a 10 mil bibliotecas particulares, foram queimados manuscritos antigos do Instituto de Pesquisas Sexuais Magnus Hirschfeld, na época singular em toda a Europa, acusado pelo governo de "colecionar material pornográfico".

Jobim ainda menciona o lado tosco da idealização da mulher como mãe ariana, desestimulada a voltar ao mercado de trabalho, para onde a geração anterior se encaminhou em razão do deslocamento dos homens para as trincheiras da Primeira Guerra. A mulher sob o nazismo pertence essencialmente ao lar, onde cuida moralmente dos filhos, que o Estado também escolariza por meio do ensino ideológico do totalitarismo.

Há o exemplo esquisito de um garoto de 10 anos, filho de imigrantes uruguaios e que se chamava José. Na escola, o garoto contou ao jornalista que colegas que se comportavam mal eram cercados e ameaçados: "Você não passa de um judeu".

HITLER E SEUS COMEDIANTES NA TRAGICOMÉDIA: O DESPERTAR DA ALEMANHA

  • Autor José Jobim
  • Editora Topbooks
  • R$ 69,90 158 págs.