sábado, 29 de outubro de 2022

Estas são as eleições mais importantes desde a redemocratização? SIM, Christian Lynch, FSP

 Christian Lynch

Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj) e editor da revista Insight Inteligência

Nas eleições deste domingo (30) estará em jogo o destino de um regime político: a "Nova República". Foi construído entre 1984 e 1988 por Tancredo Neves e Ulysses Guimarães contra a ditadura militar, seu autoritarismo, seu arbítrio, seu desrespeito aos direitos humanos. Institucionalizado pela Constituição de 1988, este regime se pretendeu democrático e republicano, progressista e respeitador das liberdades públicas.

A Nova República já enfrentou vários desafios. A inflação, o conservadorismo de Sarney, a decepção com Collor. Construiu com Fernando Henrique Cardoso um modelo de governabilidade baseado no presidencialismo de coalizão e na estabilidade monetária. Adaptou-se ao seu liberalismo democrático e, depois, à social-democracia de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, período de inéditos avanços na agenda de redução de desigualdades sociais.

Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) disputam neste domingo (30) o segundo turno das eleições presidenciais - Marlene Bergamo/Folhapress e Gabriela Bilo/Folhapress

Os escândalos de corrupção de um presidencialismo de coalizão já degradado, somados à longa hegemonia progressista, provocaram uma grave crise de legitimidade no regime desde 2013. Surgiu para os conservadores enfim assumidos a chance de galgarem o poder. Depois da liberdade e da igualdade, chegara a vez de valorizar a autoridade. Comportaria a Constituição conservadores no poder? Tudo indicava que sim, como acenavam os precedentes de Sarney Michel Temer.

Infelizmente, aqueles que com Jair Bolsonaro tomaram o poder em 2018 sempre repudiaram os princípios republicanos e democráticos da Constituição. Saudosistas da ditadura, sempre desejaram derrubar a Carta para restaurar o autoritarismo. Nunca foram conservadores, mas reacionários inconformados. Sua utopia regressiva passa pela restauração de uma cultura hierárquica dominada pelo homem cristão, branco, heterossexual e proprietário. Daí que, sentindo-se ameaçado, se volte contra a emancipação de pobres, gays, mulheres, agnósticos, negros, índios.

populismo reacionário defende assim três supostas "autoridades naturais" da sociedade: o sacerdote, o patriarca e o miliciano. O sacerdote partidarizado deve retomar o lugar de poder ocupado pelo cientista e pelo professor da escola pública. O patriarca empoderado precisa voltar a se afirmar contra as mulheres, os filhos e empregados. Já o miliciano armado de fuzil e granada pretende tomar o lugar do soldado e do policial profissionais, disciplinados servidores do Estado.

O método adotado para solapar a República foi o tripé da mentira, da intimidação e do suborno. Mentira para sustentar que a ditadura teria sido uma democracia conservadora, e a República de 1988, uma ditadura comunista. Intimidação para calar os críticos, pelo terror e aparelhamento administrativo —da Polícia Federal, do GSI, do MPF, da AGU. Suborno para obter a adesão de congressistas e empresários, mas também para comprar votos da população mais vulnerável. De pé, permaneceu apenas o Poder fortalecido pela Constituição para protegê-la: o Judiciário. As demais instituições de controle cederam em maior ou menor grau aos golpes nossos de cada dia.

Estas eleições serão um plebiscito entre a República democrática criada por Tancredo e Ulysses e a proposta de Bolsonaro de um outro regime, que seja uma versão recauchutada da ditadura de 1964. A disputa já se ressente do abuso inescrupuloso da mentira e do poder econômico por parte do candidato presidente e, ultimamente, da tentativa de ganhar no tapetão. Mas a Justiça Eleitoral e o STF ainda escapam ao seu controle. Bolsonaro promete capturá-los no segundo mandato para assegurar sua continuidade indefinida no poder. Eis por que as eleições de amanhã serão as mais importantes da Nova República: porque podem ser as últimas.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Alvaro Costa e Silva -Eleitores à beira de um ataque de nervo, FSP

 


Chegam o Mundial do Qatar, o Natal, o Ano Novo, as modas do verão, o Carnaval, o Brasil do futuro de Stefan Zweig. Mas não chega o dia da eleição.

A importância do pleito de 2022 — que se transformou num plebiscito sobre a Constituição e a democracia — mexeu com a já combalida saúde mental dos brasileiros, que vão às urnas neste domingo (30) como uma personagem de Almodóvar: à beira de um ataque de nervos. Medo, raiva, desespero, ansiedade e angústia na escala máxima, tornando a convivência entre os adversários uma impossibilidade.

Muitas relações familiares já tinham ido para a cucuia desde 2018. As amorosas, idem. Mais importante que a atração física, hoje, é uma pergunta-chave: você é Lula ou Bolsonaro? Dependendo da resposta, não dá match. Freguês há mais de 20 anos da cerveja gelada, do caldinho de feijão e do papo no bar que fica na rua onde ele mora, um amigo meu cancelou o lazer dos sábados porque uma camisa da seleção, com o 22 às costas, surgiu tremulando na porta do boteco.

Nas redes bolsonaristas, a confusão é geral. Sofrendo porque as pesquisas não apontam uma virada, há gente que já está de malas prontas para o aeroporto. A maioria não sabe se deve apoiar as granadas terroristas de Roberto Jefferson ou o golpe de adiar a votação. Acabam brigando entre si. O mesmo acontece no campo lulista. Um singelo vídeo com escritores abrindo livros e fazendo o L despertou uma patrulha anti-intelectual que não se via desde a época do desbunde e da esquerda festiva nos anos 1960.

Vanessa Tuleski, astróloga da Folha, adverte: confrontos verbais não vão faltar (tomara que fiquem só no verbo, sem passar à ação). Segundo Tuleski, a eleição ocorrerá entre dois eclipses, fenômeno que aumenta as tensões, precipita crises e reduz a clareza dos pensamentos, como se houvesse um apagão. Cuidado, portanto, para não se confundir na hora de apertar o 13.