Christian Lynch
Nas eleições deste domingo (30) estará em jogo o destino de um regime político: a "Nova República". Foi construído entre 1984 e 1988 por Tancredo Neves e Ulysses Guimarães contra a ditadura militar, seu autoritarismo, seu arbítrio, seu desrespeito aos direitos humanos. Institucionalizado pela Constituição de 1988, este regime se pretendeu democrático e republicano, progressista e respeitador das liberdades públicas.
A Nova República já enfrentou vários desafios. A inflação, o conservadorismo de Sarney, a decepção com Collor. Construiu com Fernando Henrique Cardoso um modelo de governabilidade baseado no presidencialismo de coalizão e na estabilidade monetária. Adaptou-se ao seu liberalismo democrático e, depois, à social-democracia de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, período de inéditos avanços na agenda de redução de desigualdades sociais.
Os escândalos de corrupção de um presidencialismo de coalizão já degradado, somados à longa hegemonia progressista, provocaram uma grave crise de legitimidade no regime desde 2013. Surgiu para os conservadores enfim assumidos a chance de galgarem o poder. Depois da liberdade e da igualdade, chegara a vez de valorizar a autoridade. Comportaria a Constituição conservadores no poder? Tudo indicava que sim, como acenavam os precedentes de Sarney e Michel Temer.
Infelizmente, aqueles que com Jair Bolsonaro tomaram o poder em 2018 sempre repudiaram os princípios republicanos e democráticos da Constituição. Saudosistas da ditadura, sempre desejaram derrubar a Carta para restaurar o autoritarismo. Nunca foram conservadores, mas reacionários inconformados. Sua utopia regressiva passa pela restauração de uma cultura hierárquica dominada pelo homem cristão, branco, heterossexual e proprietário. Daí que, sentindo-se ameaçado, se volte contra a emancipação de pobres, gays, mulheres, agnósticos, negros, índios.
O populismo reacionário defende assim três supostas "autoridades naturais" da sociedade: o sacerdote, o patriarca e o miliciano. O sacerdote partidarizado deve retomar o lugar de poder ocupado pelo cientista e pelo professor da escola pública. O patriarca empoderado precisa voltar a se afirmar contra as mulheres, os filhos e empregados. Já o miliciano armado de fuzil e granada pretende tomar o lugar do soldado e do policial profissionais, disciplinados servidores do Estado.
O método adotado para solapar a República foi o tripé da mentira, da intimidação e do suborno. Mentira para sustentar que a ditadura teria sido uma democracia conservadora, e a República de 1988, uma ditadura comunista. Intimidação para calar os críticos, pelo terror e aparelhamento administrativo —da Polícia Federal, do GSI, do MPF, da AGU. Suborno para obter a adesão de congressistas e empresários, mas também para comprar votos da população mais vulnerável. De pé, permaneceu apenas o Poder fortalecido pela Constituição para protegê-la: o Judiciário. As demais instituições de controle cederam em maior ou menor grau aos golpes nossos de cada dia.
Estas eleições serão um plebiscito entre a República democrática criada por Tancredo e Ulysses e a proposta de Bolsonaro de um outro regime, que seja uma versão recauchutada da ditadura de 1964. A disputa já se ressente do abuso inescrupuloso da mentira e do poder econômico por parte do candidato presidente e, ultimamente, da tentativa de ganhar no tapetão. Mas a Justiça Eleitoral e o STF ainda escapam ao seu controle. Bolsonaro promete capturá-los no segundo mandato para assegurar sua continuidade indefinida no poder. Eis por que as eleições de amanhã serão as mais importantes da Nova República: porque podem ser as últimas.
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