sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Como Lula lidará com evangélicos, sertanejos e lutadores de MMA?, Gustavo Alonso, FSP

 


Na semana passada, Bolsonaro conseguiu selar apoio com dois setores fundamentais da nova cultura brasileira: os sertanejos e os lutadores de MMA, as artes marciais mistas.

Logo depois de receber o apoio de Leonardo, Gusttavo Lima, Zezé Di Camargo e Chitãozinho no Palácio da Alvorada, Bolsonaro se reuniu em São Paulo, no último dia 20, com notórios lutadores de MMA. Rodrigo Minotauro, José Aldo, Maurício Shogun, Murilo Ninja, Wanderlei Silva e Fabrício Werdum presentearam o presidente com um cinturão de campeão.

Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva para anunciar o apoio de cantores sertanejos à reeleição do presidente - Pedro Ladeira - 17.out.22/Folhapress

Um vídeo foi publicado nas redes sociais de Werdum, no qual vários lutadores diziam: "Quem luta de verdade vota 22". Na sequência, apareciam figurões históricos como Royce Gracie, Romero Jacaré e Fábio Gurgel, além do ex-boxeador Popó e da lutadora Cris Cyborg.

Sertanejos e lutadores de MMA, somados aos evangélicos, representam os novos valores do campo cultural nacional, que floresceram no Brasil da redemocratização para cá.

Goste-se ou não, o Brasil do século 21 é cada vez menos o país do futebol. À beira da Copa, conhecemos mais a escalação do STF do que a da seleção. Ocupará o MMA o lugar que já foi do futebol algum dia? Também não somos mais o país do samba, da bossa nova e da MPB, mas da música sertaneja. Hoje os evangélicos são mais determinantes para a cultura nacional do que os católicos e, em breve, mais numerosos.

Todas estas metamorfoses sociológicas têm suas razões específicas. Mas, mais importante do que entender essas transformações particulares, é compreender seu sentido geral.

Essas transformações são talvez o fato mais relevante da cultura brasileira neste milênio. No entanto, são quase sempre desprezadas por nossas elites culturais, que têm muita dificuldade de penetrar na mentalidade desse novo Brasil. Não é incomum ver nossos intelectuais esculhambando a falta de cultura dos sertanejos, a truculência dos lutadores de MMA e a alienação dos evangélicos.

Em post desta semana, a filósofa Marcia Tiburi escreveu: "Um dos grandes desafios do momento é superar a lavagem cerebral promovida contra a população por igrejas e meios de comunicação de massa".

Semana passada a editora Companhia das Letras fez uma campanha nas redes sociais na qual seus escritores apareciam abrindo livros e fazendo um "L". A campanha ganhou as redes e movimentou a bolha progressista da Vila Madalena paulista e da zona sul carioca. Num país iletrado como o nosso, tal campanha soou soberba.

Há vozes sãs, e minoritárias, que percebem o equívoco de tais posturas. "A esquerda consegue enxergar o quilombola não binário da extrema periferia de uma cidade e não consegue enxergar 50 milhões de brasileiros evangélicos", pontuou o jornalista Ricardo Alexandre recentemente.

A colunista Mariliz Pereira Jorge também foi certeira na crítica. "Essa esquerda cirandeira não enxerga o tamanho da encrenca. Não entende que perdeu capacidade de influenciar o eleitor, não muda um único voto e ainda passa uma postura elitista e arrogante."

Para além de criticar a nova cultura brasileira, é preciso aceitá-la como fato social. Todos temos direitos a ter as próprias opiniões, mas não os próprios fatos. A cultura brasileira não é mais o que era. Lidemos com isso. Para ir além do mero achincalhe à nova cultura nacional, é preciso procurar brechas de aproximação. Afinal, sertanejos, lutadores e evangélicos fizeram parte dos 80% de brasileiros que deram apoio a Lula e Dilma, no auge da popularidade do PT.

Zezé Di Camargo compôs e cantou o jingle da campanha de Lula em 2002 e Sérgio Reis se reuniu diversas vezes com Dilma Rousseff, sempre amigavelmente. A presidente esteve na inauguração do enorme Templo de Salomão da Igreja Universal no Brás, em 2014. Ou seja, já houve aproximações possíveis.

Até nas intransigentes pautas identitárias é possível dialogar. O todo-poderoso pastor Edir Macedo já se manifestou diversas vezes a favor do aborto, embora não por motivos feministas, é claro. Macedo escreveu em livro que o aborto é uma forma de combater a miséria. Mesmo partindo de pontos de vista diferentes, há um ponto de contato entre feministas pró-aborto e cristãos-malthusianos.

Em caso de vitória de Lula, qual a proposta do Ministério da Cultura ou do Esporte para esses setores? Como lidaremos com eles? Repudiar pura e simplesmente não tem sido muito eficaz. O diálogo se faz mais necessário do que nunca. Caso contrário, o bolsonarismo continuará bem vivo e nadando de braçada na nova cultura brasileira do século 21.

Compra de votos e fake news eram bola cantada e são leite derramado, VTF FSP

 


Está uma corrida maluca para se fazer a conta de quanto o governo Jair Bolsonaro (PL) gastou a fim de adquirir votos. Está um "barata voa" no TSE, afogado pela torrente de "fake news" e outras imundícies. É leite derramado, eram bolas cantadas.

Além disso, essas contas de gasto eleitoreiro são meio ingênuas e deixam transparecer uma ideia equivocada dos efeitos de políticas de governo. O TSE, por sua vez, quis conter a onda de sujeira com um balde e tomou um caldo, "hecatombado pela vaga da ressaca", para citar Mario Faustino (poeta, 1930-1962).

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes - Alejandro Zambrana/Secom/TSE

As contas dos gastos eleitoreiros parecem a contabilidade de um negócio no balcão. Gastaram-se tantos dinheiros a mais para convencer tais clientelas a votar em Bolsonaro. Um tanto de Auxílio Brasil de última hora, outro de subsídio de gasolina, um teco de consignado para miseráveis (o que já é um erro, pois gasto é uma coisa, crédito é outra). É tudo muito pior e maior.

Um exemplo. Certos gastos vão se estender além da eleição. A despesa eleitoreira aumentou a dívida do governo, com o que se pagam mais juros. Neste buraco em que estamos, o próprio aumento da dívida provoca aumento de juros.

A fim de poder gastar mais, o governo avacalha o teto de gastos desde 2021, sem colocar nada de razoável no lugar, o que desmoraliza inclusive as tentativas futuras de evitar o crescimento sem limite da dívida, o que é um dano duradouro, inclusive na taxa de juros.

Em muitas providências de governos, prestantes ou idiotas, "as consequências vêm depois", como diz a piada velha. Raramente governos são máquinas de produzir bons resultados imediatos relevantes (embora possam fazer estrago instantâneo, vide a conservadora e libertária Liz Truss no Reino Unido).

Prometer maná imediato, "eleitoreiro" ou não, pode resultar em sete anos bíblicos gordos, seguidos de sete anos de fome. Já reprisamos esse filme muitas vezes? Quem mede a qualidade de governos por essas contabilidades rudimentares não entendeu o problema.

O país padece de imprevidência também no caso do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo —sob Bolsonaro, o país não tem mais Procuradoria-Geral.

Quantos foram processados e julgados por crimes eleitorais, calúnias, injúrias e difamações políticas etc. desde 2018, quanto esta Folha noticiou o jorro de mensagens da campanha de Bolsonaro?

Difícil dizer o efeito positivo de gente indo para a cadeia ou pagando multas incapacitantes por promover patranhas ou financiar a organização criminosa. Mas se trata de atividade elementar da Justiça: desincentivar o crime.

O problema vai além, como argumentam entendidos no assunto.

Não é possível apenas reagir à avalanche de mentiras, de resto como se estivéssemos vivendo em tempos de comunicação analógica, de dar "direitos de resposta" na imprensa, ou, como agora, de tirar tal ou qual "conteúdo" do ar.

Ainda que tais decisões de remover o lixo fizessem algum efeito, a estrutura física dos tribunais e sua agilidade teriam de ser muito maiores. Não são. O excesso de crimes de informação torna o sistema de vigilância e punição ineficiente, quando não mete os pés pelas mãos.

Além de processos, punições e infraestrutura, parece faltar inteligência tecnológica. O que fazer dos algoritmos que disseminam mentiras em cascata e de modo direcionado ("viralizam")? Como responsabilizar as "big techs" das redes ou chama-las às falas com antecedência?

Em resumo, a conta do dano econômico da compra de votos vai além da contabilidade do "toma lá, dá cá"; depende ainda do estrago nas estruturas institucionais, depredado também pelo novo sistema de informação pública.