Na semana passada, Bolsonaro conseguiu selar apoio com dois setores fundamentais da nova cultura brasileira: os sertanejos e os lutadores de MMA, as artes marciais mistas.
Logo depois de receber o apoio de Leonardo, Gusttavo Lima, Zezé Di Camargo e Chitãozinho no Palácio da Alvorada, Bolsonaro se reuniu em São Paulo, no último dia 20, com notórios lutadores de MMA. Rodrigo Minotauro, José Aldo, Maurício Shogun, Murilo Ninja, Wanderlei Silva e Fabrício Werdum presentearam o presidente com um cinturão de campeão.
Um vídeo foi publicado nas redes sociais de Werdum, no qual vários lutadores diziam: "Quem luta de verdade vota 22". Na sequência, apareciam figurões históricos como Royce Gracie, Romero Jacaré e Fábio Gurgel, além do ex-boxeador Popó e da lutadora Cris Cyborg.
Sertanejos e lutadores de MMA, somados aos evangélicos, representam os novos valores do campo cultural nacional, que floresceram no Brasil da redemocratização para cá.
Goste-se ou não, o Brasil do século 21 é cada vez menos o país do futebol. À beira da Copa, conhecemos mais a escalação do STF do que a da seleção. Ocupará o MMA o lugar que já foi do futebol algum dia? Também não somos mais o país do samba, da bossa nova e da MPB, mas da música sertaneja. Hoje os evangélicos são mais determinantes para a cultura nacional do que os católicos e, em breve, mais numerosos.
Todas estas metamorfoses sociológicas têm suas razões específicas. Mas, mais importante do que entender essas transformações particulares, é compreender seu sentido geral.
Essas transformações são talvez o fato mais relevante da cultura brasileira neste milênio. No entanto, são quase sempre desprezadas por nossas elites culturais, que têm muita dificuldade de penetrar na mentalidade desse novo Brasil. Não é incomum ver nossos intelectuais esculhambando a falta de cultura dos sertanejos, a truculência dos lutadores de MMA e a alienação dos evangélicos.
Em post desta semana, a filósofa Marcia Tiburi escreveu: "Um dos grandes desafios do momento é superar a lavagem cerebral promovida contra a população por igrejas e meios de comunicação de massa".
Semana passada a editora Companhia das Letras fez uma campanha nas redes sociais na qual seus escritores apareciam abrindo livros e fazendo um "L". A campanha ganhou as redes e movimentou a bolha progressista da Vila Madalena paulista e da zona sul carioca. Num país iletrado como o nosso, tal campanha soou soberba.
Há vozes sãs, e minoritárias, que percebem o equívoco de tais posturas. "A esquerda consegue enxergar o quilombola não binário da extrema periferia de uma cidade e não consegue enxergar 50 milhões de brasileiros evangélicos", pontuou o jornalista Ricardo Alexandre recentemente.
A colunista Mariliz Pereira Jorge também foi certeira na crítica. "Essa esquerda cirandeira não enxerga o tamanho da encrenca. Não entende que perdeu capacidade de influenciar o eleitor, não muda um único voto e ainda passa uma postura elitista e arrogante."
Para além de criticar a nova cultura brasileira, é preciso aceitá-la como fato social. Todos temos direitos a ter as próprias opiniões, mas não os próprios fatos. A cultura brasileira não é mais o que era. Lidemos com isso. Para ir além do mero achincalhe à nova cultura nacional, é preciso procurar brechas de aproximação. Afinal, sertanejos, lutadores e evangélicos fizeram parte dos 80% de brasileiros que deram apoio a Lula e Dilma, no auge da popularidade do PT.
Zezé Di Camargo compôs e cantou o jingle da campanha de Lula em 2002 e Sérgio Reis se reuniu diversas vezes com Dilma Rousseff, sempre amigavelmente. A presidente esteve na inauguração do enorme Templo de Salomão da Igreja Universal no Brás, em 2014. Ou seja, já houve aproximações possíveis.
Até nas intransigentes pautas identitárias é possível dialogar. O todo-poderoso pastor Edir Macedo já se manifestou diversas vezes a favor do aborto, embora não por motivos feministas, é claro. Macedo escreveu em livro que o aborto é uma forma de combater a miséria. Mesmo partindo de pontos de vista diferentes, há um ponto de contato entre feministas pró-aborto e cristãos-malthusianos.
Em caso de vitória de Lula, qual a proposta do Ministério da Cultura ou do Esporte para esses setores? Como lidaremos com eles? Repudiar pura e simplesmente não tem sido muito eficaz. O diálogo se faz mais necessário do que nunca. Caso contrário, o bolsonarismo continuará bem vivo e nadando de braçada na nova cultura brasileira do século 21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário