terça-feira, 12 de abril de 2022

Alckmin diz a grupo de esquerda que 'governo cruel' de Bolsonaro exigiu união com Lula, FSP

 


ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin afirmou em um jantar em sua homenagem, na segunda (11), que já trocou "caneladas" em disputas eleitorais com o ex-presidente Lula. O governo "cruel" de Jair Bolsonaro, e a ameaça que ele representa à democracia, porém, exigiram de ambos a superação de divergências e a união em torno da defesa das liberdades e das instituições.

Alckmin será candidato a vice-presidente na chapa encabeçada pelo petista.

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"Os tempos mudam, as pessoas mudam e a história mudou. Temos hoje um governo [de Jair Bolsonaro] cruel com o povo, que não pode continuar", disse ele a uma plateia de advogados e juristas que sempre se posicionou majoritariamente no campo da esquerda.

"Eu e Lula já disputamos [eleições]. Teve canelada. Mas o fato é que a democracia hoje exige que estejamos juntos, para somar, somar e somar. Sei da minha pequenez diante da grandeza do país, mas me incorporo a esse esforço cívico, a essa grande frente em benefício da democracia", afirmou ele, sob aplausos.

"Há governos que são autocracias. 'É o que eu [governante] quero', acima da lei, à margem da lei. E há as democracias, que respeitam as instituições. As pessoas passam, mas as instituições ficam", seguiu.

Em seguida, elogiou os advogados: "Tão importante quanto as bandeiras erguidas são as mãos que as empunham. Fico feliz de estar com vocês, junto às suas mãos benfazejas".

Foi a primeira vez que Alckmin se manifestou mais longamente sobre o processo que o levou a firmar uma aliança com Lula. O encontro foi na casa do advogado Pedro Serrano, e organizado também pelo advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, e por Fernando Guimarães, do Direitos Já.

Os dois pré-candidatos ao governo de São Paulo Fernando Haddad (PT-SP) e Márcio França (PSB-SP), que devem apoiar Lula e Alckmin, também participaram da homenagem.

Alckmin chegou por volta das 20h30 ao encontro, e foi embora depois da meia-noite. Elogiado permanentemente pelos convidados, dedicou um tempo de conversa a praticamente todos eles, circulou pelas rodas tirou fotos com funcionários da casa

Em seu discurso, o ex-governador fez um histórico dos momentos em que as trajetórias dele e de Lula se cruzaram.

Começou afirmando que a vida pública "não é fácil".

"Embora eu pareça zen, pois faço acupuntura há muitos anos, sempre atendi ao chamado da responsabilidade e trilhei caminhos que não eram fáceis", afirmou.

Ele lembrou que nos anos 1970, em plena ditadura militar, políticos respeitados de Pindamonhangaba, onde nasceu e começou sua carreira pública, acabaram aderindo à Arena, o partido que sustentava o regime fardado.

Já ele foi candidato a vereador "pelo Manda Brasa [apelido do então MDB, partido que se opunha à ditadura]". Depois, se elegeu prefeito da cidade.

O estado de São Paulo, diz, tinha naquela época "mais de 500 prefeitos, e só 33 eram da oposição".
"E foi quando eu tive o meu primeiro embate com o Lula", relembrou.

Era o ano de 1978, e o MDB tinha lançado dois candidatos ao Senado. "Eu apoiei Franco Montoro. Do outro lado, o Lula apoiou Fernando Henrique Cardoso", lembrou.

"O interessante é que eu ganhei o embate", disse, rindo. Montoro foi eleito, e FHC virou suplente.

Em 1982, Montoro foi eleito governador de São Paulo. E Fernando Henrique assumiu o cargo de senador.

O segundo momento em que ele e Lula se cruzaram na história foi em 1988, quando foram eleitos deputados constituintes e participaram da elaboração da Carta Magna até hoje em vigor.

Em 2002, com Lula recém-eleito presidente e ele, governador de São Paulo, os dois participaram de um encontro em Minas Gerais e o petista fez uma charada: "Em quem você está pensando, eu também estou".

Os dois queriam convidar o engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues para fazer parte de suas respectivas equipes. Lula ganhou a parada, e ele virou ministro.

Durante o exercício dos mandatos, o relacionamento era harmônico, diz Alckmin. Lula chegou a convidá-lo para irem juntos à China.

"Na véspera da partida, eu percebi que iríamos no Sucatão [avião antigo no qual os presidentes brasileiros viajavam]. A Lu [Alckmin, então primeira-dama de SP] achou melhor a gente não ir. Mas embarcamos. O avião batia asas. Saímos de Brasília, paramos na Ilha do Sal, em Kiev, na Ucrânia, e depois em Beijing".

"Fizemos inúmeras parcerias ao longo dos anos", seguiu Alckmin, referindo-se ao PT.

"No governo Lula, o [então ministro da Justiça] Marcio Thomaz Bastos me procurou. Eles não tinham presídios de segurança máxima na esfera federal. Não tinham onde colocar o [traficante] Fernandinho Beira-Mar. Acertamos de ele vir para um dos presídios de São Paulo. No governo Dilma Rousseff, fizemos uma cooperação para construir cem mil casas populares. Acabamos entregando 120 mil. Com [o então prefeito] Fernando Haddad, criamos o passe do idoso, que tem que voltar. Governar é escolher".

Alckmin também fez um paralelo de sua decisão de sair do PSDB, se filiar ao PSB e formar uma chapa com Lula com o momento em que, em 1988, deixou o MDB justamente para fundar a legenda tucana.

"Diziam que eu não sairia do partido, pois tinha bases muito arrumadinhas, 28 prefeitos do MDB me apoiavam. Pois eu fui [para o PSDB]. E quantos deles foram comigo? Nenhum", seguiu ele. O telefone de um dos aliados que o apoiavam ficou mudo, diz. "Quando telefonavam, ou era a mulher dele ou era engano."

Alckmin afirmou ainda que os desafios da campanha eleitoral serão enormes, mas que é preciso "abrir os olhos das pessoas, escutar, convencer. Levar esperança. E o presidente Lula representa tudo isso. Ele tem experiência e liderança, ele fala com o povo".

Alckmin citou ainda uma frase que diz ter ouvido várias vezes do ex-governador Franco Montoro, morto em 1999. Ele afirmava que, diante dos desafios, as pessoas não podem ter "nem os braços cerrados da violência nem os braços fechados da indiferença. Mas, sim, os braços abertos da solidariedade".
Mário França e Haddad também fizeram pequenas falas.

O ex-governador do PSB afirmou que Alckmin não é apenas o político mais idôneo que ele já conheceu, "mas a pessoa mais idônea que já vi. Ele é quase fora do nosso mundo, pela espiritualidade que tem". França disse ainda que a reeleição de Jair Bolsonaro pode aprofundar o autoritarismo no país.

"Pessoas autoritárias, quando reeleitas, ficam mais autoritárias pois acham que as pessoas concordam com elas. Foi assim do Hitler na Alemanha, com o Putin na Rússia. E será assim com muita gente".
Ele elogiou ainda a aliança de Lula e Alckmin.

"A genialidade do ato [de união com Alckmin] está no presidente Lula, que percebeu que era possível juntar mais gente [em torno da candidatura e da aliança para um eventual futuro governo]". Dirigindo-se então a Alckmin, ele disse: "Estou aqui hoje elogiando a sua humildade e a persistência do Lula, que mais uma vez encontra forças para fazer o que só ele poderia fazer nesse instante [derrotar o bolsonarismo]".

Haddad disse que o gesto de Alckmin deveria ser "seguido por todos os democratas do país, para preservar a democracia, a República, a Constituição de 1988, que são frutos do que cada um de nós fez para que o país vivesse em liberdade. Diante do absurdo que ocorre no Brasil hoje, o governador Alckmin teve o gesto de desprendimento de se unir àquele que sempre foi seu adversário, mas nunca seu inimigo".

Lembrando que Lula se refere a ele como "o mais tucano dos petistas", Haddad disse também que sempre afirmava ao ex-presidente que, se o PT acabasse, os tucanos sentiriam saudade –e vice-versa.

"A centro-direita democrática e a centro-esquerda democrática viraram juntas a página triste dos 21 anos de ditadura militar no Brasil, e hoje se unem para que ela não se repita".

Segundo Haddad, o bolsonarismo hoje oferece "não de novo a ditadura, mas o seu porão para governar o país."

Com BIANKA VIEIRAKARINA MATIASMANOELLA SMITH e ANA LUIZA ALBUQUERQUE

Teoria dos jogos ajuda a entender delação premiada e Lava Jato, DO Blog Darwin e Deus

 

É com imenso prazer que o blog recebe mais um post de um dos nossos visitantes recorrentes, o professor Walter Carnielli, do Centro de Lógica da Unicamp. Também assina o texto o advogado e filósofo Pedro Carrasqueira, doutorando sob supervisão do professor Walter.

Didaticamente, tomando como base as delações premiadas da Lava Jato, os dois explicam como funciona o chamado dilema do prisioneiro, um dos fundamentos da teoria dos jogos, com aplicações nas mais diferentes áreas, da economia à psicologia, passando pela biologia evolucionista. Boa leitura!

Deltan sentado numa mesa de escritório
O procurador e ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol - MPF/PR

O uso de delações premiadas na operação Lava Jato segundo a teoria dos jogos

Walter Carnielli e Pedro Carrasqueira

A delação e a colaboração premiadas, ressalvadas pequenas diferenças técnicas entre essas noções, consistem na possibilidade de o investigado em delitos envolvendo quadrilha ou organização criminosa ajudar de algum modo na produção de provas, em troca de benefícios como a atenuação da pena ou mesmo o perdão judicial pelos crimes por ele cometidos.

Regulamentado mais amplamente pela lei 12.850/2013 — a lei do crime organizado —, o instituto da colaboração premiada foi muito criticado no Brasil por seu uso irrestrito na operação Lava Jato, sobretudo pelos setores políticos da sociedade. São também críticos dele, no entanto, alguns juristas que entendem a colaboração como uma forma imoral de persecução criminal ("traição premiada", na expressão de Tourinho Filho), e sua presença no ordenamento jurídico como confissão da incompetência do Estado na luta contra o crime.

Da perspectiva da teoria dos jogos — a teoria matemática da tomada de decisão em situações de conflito de interesses —, contudo, a delação e a colaboração premiadas justificam-se por serem os instrumentos legais para implementar o famoso jogo do dilema do prisioneiro.

​O dilema do prisioneiro é um paradoxo da tomada de decisão que exemplifica um conflito no qual indivíduos, se fizerem escolhas perfeitamente racionais, frustrarão seus próprios interesses e chegarão a uma resolução que não é ótima (ou seja, está longe de ser ideal) para qualquer um dos envolvidos. Esse paradoxo foi inicialmente proposto pelos matemáticos M. Flood e M. Dresher em 1950, e sua interpretação moderna elaborada pelo matemático canadense A. W. Tucker.

É de se ressalvar, porém, que já Platão, em sua obra "República" vale-se do que hoje podemos reconhecer como sendo essencialmente a versão desse jogo com um número de jogadores finito qualquer maior ou igual a dois para o argumento de que, em sociedade, é melhor ser injusto que justo.

Na sua forma com apenas dois jogadores, o dilema do prisioneiro consiste na seguinte situação. Dois investigados são suspeitos de ter cometido em conluio um crime grave. As autoridades policiais, todavia, só têm provas suficientes para incriminá-los por um delito menor. É então oferecida a cada um deles, separadamente, a oportunidade de delatar o outro em troca do perdão pelo crime de menor pena.

Se um deles decidir trair o comparsa, mas o outro não, aquele que trair sairá livre, e o outro será processado (e quase certamente condenado) por ambos os crimes. Se decidirem se delatar um ao outro, ambos enfrentarão as acusações pelo delito mais grave. Se, porém, escolherem não colaborar com as autoridades, passarão relativamente pouco tempo na prisão.

O verdadeiro dilema

Apesar do nome pelo qual é conhecido, para os próprios prisioneiros o dilema não é dilema algum, pois, assumindo que cada um deles prefere passar o mínimo de tempo possível na prisão, não há dúvida sobre o que é o melhor fazer: delatar o comparsa é sempre o que lhe garantirá a menor pena possível, tanto no caso de o outro também o delatar, quanto no de não delatar.

O dilema de fato reside em que, se ambos agirem assim racionalmente, então serão com certeza condenados pelo crime mais grave e sofrerão punição mais severa, enquanto, se nenhum deles delatasse, o mais provável é que ficassem pouco tempo encarcerados. Porque o investigado prefere passar o menor tempo possível na prisão, não importa que ação o comparsa escolha, é melhor delatar. Em teoria dos jogos, diz-se que delatar é uma estratégia dominante.

Um importante e muitas vezes mal compreendido aspecto do dilema do prisioneiro é que é irrelevante para a escolha dos acusados que haja entre eles um acordo de não se delatarem uns aos outros. Isto porque eles fazem a escolha de delatar ou não sem saber se os demais de fato cumprirão o prometido, e porque todo acusado encontra na possibilidade de não ser preso, ou de ao menos ter sua pena atenuada, um incentivo para não o cumprir.

Por isso é que, quando bem aplicados, os institutos da delação e da colaboração premiada são eficientes instrumentos de persecução criminal: porque, ao criar situações tais quais a do dilema do prisioneiro, acusados são por esses meios levados a colaborar para o interesse público sem, no entanto, necessariamente ter qualquer intenção disso, mas antes agindo em interesse próprio de forma calculada, por receio de serem eles mesmos traídos por seus comparsas.

Para que a situação do investigado por crime envolvendo organização criminosa seja de fato como a de um dos prisioneiros no dilema, todavia, duas coisas são fundamentais. A primeira é que seja crível a ameaça de condenação por ao menos um crime; a segunda, que a duração do encarceramento esperado, resultante das possíveis condenações, seja longa o suficiente para fazer parecer insignificantes quaisquer benefícios que o investigado creia porventura obter ao não delatar.

Da perspectiva da teoria dos jogos, portanto, a insuficiência das investigações independentes e prévias a quaisquer delações, bem como a morosidade do Judiciário brasileiro e as breves penas que, no pior dos casos, aguardam os condenados por crimes de colarinho branco no Brasil, explicam muito da pouca eficácia observada por alguns no uso desses institutos jurídicos na operação Lava Jato.