quinta-feira, 7 de abril de 2022

Internet faz ‘caipirês’ cair em desuso entre jovens no interior de SP; descubra expressões, OESP

 José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo

06 de abril de 2022 | 15h00

SOROCABA - Encher o bucho, ter viuvinha e dor nas cadeiras já não são expressões facilmente entendidas pela população mais jovem do interior de São Paulo como eram no passado. Embora o ‘erre’ arrastado ainda esteja presente na pronúncia, os moradores jovens de cidades como Piracicaba, Capivari e Sorocaba não entendem termos usados pelos mais velhos, como picar a mula (fugir) e mover os quartos (quadril). Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que o dialeto caipira está caindo em desuso entre a população mais jovem, principalmente por causa da influência da internet.

No próximo ano, se completam 50 anos do clássico Um Caipira em Bariloche, de Amácio Mazzaropi. Nessa obra de sua fase rural, e outras como Tristeza do Jeca, de 1961, ele levou o “caipirês” para o cinema. Hoje, porém, ele está mais vivo no linguajar dos idosos, que usam menos as redes sociais e são os verdadeiros guardiões do sotaque característico das cidades próximas ao Rio Tietê. É o que mostra o estudo da pesquisadora Lívia Carolina Baenas Barizon apontou que o Português verbalizado nessa região se aproxima da língua galega, falada na região ocidental da Península Ibérica, compreendendo partes de Portugal e de Galícia, comunidade autônoma da Espanha. Ao menos 82% das palavras usadas por esses paulistas possuem correspondência com termos do galego.

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Mazzaropi ficou famoso por interpretar caipiras no cinema. Foto: Reza Brava Filmes

A pesquisa se ateve às cidades ao longo do Rio Tietê – moradores de Itu, Porto Feliz, Pirapora do Bom Jesus, Tietê e Santana de Parnaíba também contribuíram – porque a região foi importante para a difusão da Língua Portuguesa e do dialeto caipira quando os bandeirantes desciam o rio, interior adentro, até as barrancas do Rio Paraná, para desbravar terras e garimpar ouro. Segundo a pesquisadora, o dialeto caipira teria surgido nos núcleos familiares dessas cidades a partir do século 18.

Lívia dividiu os 48 informantes em grupos de homens e mulheres por faixas etárias – jovens de 18 a 25 anos, adultos de 36 a 55 e idosos acima de 60. Um questionário com 138 perguntas foi apresentado a eles, mas a pesquisadora usou também desenhos do corpo humano. “Para deixar os entrevistados bem à vontade, eu apresentava o desenho ou apontava partes do meu próprio corpo, pedindo que eles identificassem”, contou. No ‘caipirês’, barriga virou ‘bucho’, cabeça é ‘coco’ ou ‘cachola’, pálpebra é “capela do olho’, e pescoço, ‘congote’.

Houve um predomínio do dialeto caipira entre os mais idosos, o que, segundo a pesquisadora, pode estar associado à menor influência das mídias digitais nessa faixa etária. “Uma das grandes influências que pude observar é da escolaridade, pois quanto menor é ela, mais a língua fica estagnada. Assim, os idosos com menos escola mantiveram mais o dialeto”, explicou.

Os jovens, segundo ela, tendem a usar termos mais próximos da realidade deles, por terem maior escolaridade e pela influência das redes sociais. Entre homens e mulheres, elas lideraram a tendência ao desuso do dialeto.

Das 85 unidades lexicais selecionadas para análise, como barba, boca, cabeça, cotovelo, dedo, articulação e umbigo, por exemplo, 82,4% foram convergentes com o galego. Esse idioma e o Português possuem semelhanças por causa de questões históricas e sociais e era falado na região onde hoje fica Portugal até meados do século 12, segundo a pesquisadora.

Na tese ‘O léxico caipira: tesouro da língua às margens do Anhembi’, defendida em seu doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a filóloga desvenda as origens do dialeto caipira, a partir do português e do galego.

Para escolher as palavras da língua galega a serem comparadas com o dialeto caipira paulista, Livia recorreu ao Atlas Linguístico Galego (Alga), criado em 1970. O estudo teve orientação do professor Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH, e co-orientação da professora Maria do Socorro Vieira Coelho, da Universidade Estadual de Montes Claros.

“A pesquisa da Lívia tem grande importância para os estudos do Português falado em São Paulo, na região da cultura caipira, porque permite compreender os processos de variação e mudança da variedade que se expandiu dessa região para outras partes do Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil, pelos caminhos do Rio Tietê, antigo Anhembi”, disse Almeida.

Pesquisadora contou com ajuda dos pais e do marido

A pesquisadora contou com a ajuda dos pais e do marido para o trabalho de campo da pesquisa. Ela também teve ajuda de facilitadores, que ajudaram a inserir a jovem nas comunidades. Em Porto Feliz, a facilitadora foi a dona de uma pensão. Em outras cidades, houve apoio de funcionários das prefeituras. “Foi mais difícil do que eu imaginava, pois as pessoas têm certa resistência a falar, ainda mais diante de um gravador. Felizmente sou comunicativa e deixava os informantes bem à vontade.”

As primeiras entrevistas foram feitas em Piracicaba, com dois jovens. Quando era preciso abordar as partes íntimas, ela pedia ajuda ao pai e à mãe. Mesmo assim, algumas pessoas se sentiam pouco à vontade, como um rapaz de Santana de Parnaíba que, instado a dar outros nomes para o órgão sexual masculino, deu apenas dois nomes. “Foi uma exceção, pois foram as partes do corpo que mais tiveram variações e diversidade de vocábulos”, comentou.

Em Itu, última cidade pesquisada, Lívia foi com a mãe a um clube de idosos onde havia um bar. “Uns cinco senhores começaram a falar e, quando chegamos às partes íntimas, eles se divertiram muito”, lembrou. Para o ânus, por exemplo, foram apresentados 21 nomes diferentes, entre eles fiofó e fiantã. A pesquisadora, que também é professora, perguntou a uma aluna do 3º ano do ensino médio se ela sabia o significado de fiantã. A jovem disse que nunca tinha visto ou ouvido essa palavra.

Em Piracicaba, o dialeto caipira, conhecido como ‘caipiracicabano’, foi conhecido como patrimônio imaterial, em 2016, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural da cidade (Codepac). O relatório final dos conselheiros reconheceu o conjunto de expressões e palavras usadas nas características do dialeto como importante para a identidade cultural da população. O ‘caipiracicabano’, caracterizado pela pronúncia carregada dos “erres” e a troca de letras, como o “L” pelo “R” e o “LH” pelo “I”, acabou ganhando até um dicionário, o “Arco, Tarco e Verva”, escrito pelo jornalista Cecílio Elias Neto.

Veja algumas palavras e expressões:

Cascá o bico: rir muito

Pagá a língua: ser punido pelo que disse

Queimá paia: conversa sem relevância

Ponhá reparo: observar tudo

Pegá o trecho: ir embora

Picá a mula: ir embora com pressa

Carcá duro: colocar força

Um tirinho: lugar perto

Mió do boi: coisa boa

Juntá traia: carregar mudança

Corpo humano, segundo o ‘caipirês’:

Zóio: olho

Cadeira: quadril

Fura-bolo: dedo indicador

Munheca: punho

Juízo: dente do siso

Gogó: pomo-de-adão

Cacunda: costas

Napa: nariz

Cachola: cérebro


Expansão da matriz com fósseis vai sair mais cara, mostra PDE 2031. EPBR

 

A contratação obrigatória de 8 GW de geração termelétrica incluída na lei de privatização da Eletrobras vai prejudicar a expansão de fontes renováveis, como eólica e solar, no Brasil – e pior: vai sair mais caro.

É o que mostra o Plano Decenal de Energia 2031 aprovado hoje (6/4) pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Veja na íntegra (.pdf)

No cenário de referência elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as políticas atuais levarão à “substituição de parte da expansão indicativa de eólicas e solares centralizadas por termelétricas com geração compulsória movidas a gás natural, carvão mineral e nuclear”.

“Essa mudança de composição da matriz resulta em um maior custo de operação para o sistema”, diz a EPE.

A estimativa é que quase 60% do total de expansão da capacidade instalada em 2031 seja de usinas a gás natural, carvão mineral e nuclear.

carvão, por exemplo, ganhou programa de estímulo do MME e extensão de subsídios em lei.

Já a nuclear entrou no planejamento com a previsão de contratação de 1GW em uma nova usina; e entrada em operação de Angra 3 em 2027 (PDE 2031) — governo e Eletronuclear vinham falando em 2026.

Até 2027, o PDE não prevê expansão da geração solar e eólica. Em compensação, a geração térmica a gás natural flexível e inflexível projetada soma 14,3 GW de expansão no mesmo período.

Além de tomar o lugar das renováveis – o governo indica que a participação de renováveis na matriz elétrica deve cair de 85% para 83% até 2031 –, essas fontes de energia são mais caras.

Segundo dados do plano decenal, a nuclear é a fonte com o capex mais alto na relação R$/KW, variando de R$ 22 mil a 29,4 mil/KW.  

Gás natural varia de R$ 2,9 mil a 5,9 mil e carvão entre R$ 8 mil a 13,5 mil.

Já o capex da solar fica entre R$ 2,5 mil a R$ 5 mil, eólica onshore entre R$ 3,2 mil e R$ 5,5 mil, e biomassa varia de R$ 2 mil a R$ 5,5 mil.

Os investimentos previstos no Brasil, de acordo com o PDE 2031:

São R$ 3,25 trilhões projetados. 

R$ 2,7 trilhões relacionados a petróleo, gás natural e biocombustíveis – R$ 2,496 trilhões para exploração e produção de petróleo; R$ 138 bilhões para gás natural, R$ 31 bilhões em derivados do petróleo e R$ 60 bilhões em biocombustíveis. 

Nos setores de geração centralizada, distribuída e sistemas de transmissão no Brasil, a estimativa é de R$ 528 bilhões – a geração centralizada receberá R$ 292 bilhões, geração distribuída R$ 135 bilhões e transmissão R$ 101 bilhões. 

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Bolsonaro quis carregar o FNDE, Elio Gaspari, FSP

 

Jair Bolsonaro tem toda razão:

"Agora estão me acusando de ter armado, na Educação, compras superfaturadas de ônibus. Porra, nem a licitação foi feita. Quem descobriu fomos nós. Nós temos compliance, temos gente trabalhando em cada ministério com lupa em contratos."

Faltou dizer que se não fosse o serviço dos repórteres André Shalders, Breno Pires e Julia Affonso, a Viúva poderia acabar comprando por R$ 480 mil ônibus escolares que valem R$ 270 mil. A operação poderia comprar 3.850 ônibus e custaria até R$ 2 bilhões.

Eles mostraram que o jabuti havia sobrevivido às advertências da área técnica do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, e da Controladoria-Geral da União.

O presidente Jair Bolsonaro com o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro - Pedro Ladeira - 10.fev.22/Folhapress

Bolsonaro orgulhou-se indevidamente quando disse que "quem descobriu fomos nós". Olhando-se direito para sua relação com a CGU na gestão do ervanário do FNDE, andou para trás. Em 2019, no seu primeiro ano de governo, o benevolente FNDE soltou um edital de R$ 3 bilhões para a compra de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Uma gracinha.

A Viúva mandaria um número de laptops superior ao de alunos para 355 colégios. Os 255 estudantes da escola Laura de Queiroz, de Itabirito, receberiam 30 mil laptops. A CGU mostrou o jabuti, a explicação do Fundo foi risível e a licitação foi suspensa. Posteriormente, foi cancelada. No caso dos ônibus ela foi em frente.

Infelizmente, o memorável trabalho da CGU em 2019 impediu a mamata, mas nenhum órgão do governo de Bolsonaro identificou os responsáveis pelo maldito edital. A CGU examinou o edital com lupa, viu discrepâncias e direcionamento e o governo suspendeu a operação, mas olhou para outros lados.

Passaram-se quase três anos e o terceiro ministro da Educação de Bolsonaro caiu por conta de suas ligações perigosas com pastores que corretavam recursos do FNDE. Em troca, armavam eventos para o ministro e publicavam seu retrato em Bíblias.

Nesse meio tempo, o centrão havia capturado o fundo. Atualmente ele é presidido pelo ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira, atual chefe da Casa Civil da Presidência.

O FNDE tem um orçamento de R$ 55 bilhões e administra programas tão vastos quanto as dificuldades da educação nacional. Pode comprar laptops ou ônibus, construir escolas ou creches. Em 2020 o FNDE licitou a compra de 3 milhões de kits escolares e ela foi abatida pelo Tribunal de Contas da União.

Estavam de olho na aquisição de lápis, borrachas, cadernos e tesouras. Duas licitações do FNDE, a dos equipamentos eletrônicos e a dos ônibus, aliviariam o cofre da Viúva no equivalente algo como 15 toneladas de ouro.

Um veterano conhecedor da máquina federal ensina: Um bom fundo vale mais que muito ministério e não chama tanta atenção.

O FNDE é uma árvore roída por cupins. Atacam ônibus escolares, lápis, borrachas, reformas de creches e laptops que serviriam para educar a garotada.

As canetas dos gestores do FNDE têm mais tinta disponível que as da cúpula do MEC. Em 2019 Bolsonaro teve a oportunidade de levar para o fundo seu suposto combate à corrupção. Desprezou-a, agravando-a.

Nesta terça-feira (5) o Tribunal de Contas puxou o freio de mão e a compra foi suspensa.