segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Bruno Covas, parte 2 FSP

 Teve início na sexta-feira (1º) o segundo mandato de Bruno Covas como prefeito de São Paulo. Agora consagrado pelas urnas, o tucano dará seguimento à gestão iniciada em 2018, quando assumiu o comando da maior cidade do país no lugar de seu correligionário João Doria, que deixara o cargo para se candidatar ao governo do estado.

Embora tenha conquistado a confiança de larga parcela dos paulistanos para um novo termo à frente da capital, Covas reassume o governo sombreado por promessas não realizadas nos últimos anos.

Levantamento da agência Lupa mostra que o alcaide paulistano cumpriu apenas 29 das 71 metas firmadas para 2019 e 2020. Há ainda 12 itens que, por falta de informações, não puderam ser avaliados.

As áreas de mobilidade urbana e habitação estão entre as de pior desempenho. Quanto à primeira, o prefeito não atingiu 4 dos 6 objetivos traçados —como implantar 9,4 km de corredores de ônibus e construir 173 km de ciclovias.

Com relação à habitação, 3 das 5 metas não foram alcançadas. Covas entregou cerca de metade das 21 mil unidades habitacionais prometidas; sua gestão realizou só 9 das 14 retiradas de ocupações previstas. Tampouco houve a desocupação de 17 edifícios a fim de transformá-los em moradias populares.

As deficiências atingiram ainda a zeladoria, o atendimento à população de rua e a criação de parques, bem como saúde e educação.

Tais problemas passaram ao largo do discurso de posse do prefeito. Na companhia do novo vice, Ricardo Nunes, motivo de controvérsia na campanha, Covas optou por uma fala mais genérica que a de dois anos atrás, quando chegou a detalhar como pretendia estruturar a rede de saúde da família.

Sem embargo, merece ser louvado, em tempos de polarização extremada, o tom conciliatório de sua manifestação. Corretamente, condenou o ódio e a intolerância na política e lembrou o caráter frágil e transitório da democracia.

Mencionou também o câncer que o aflige. A postura transparente e aberta com relação a um drama compartilhado por milhões de brasileiros não por acaso suscitou a simpatia da população.
Faltou a Covas, entretanto, apontar um rumo claro para a sua gestão, capaz de fazer frente aos desafios de uma cidade complexa e ciclópica como São Paulo. É o que se espera dele a partir de agora.

Na comunicação pública sobre a Covid-19, fomos derrotados, Reinaldo José Lopes, FSP

 

É difícil não ficar meio arrasado quando penso no relativo otimismo que tomou conta de mim e de muitos colegas, jornalistas de ciência e divulgadores científicos, quando ficou claro o tamanho do desafio que seria cobrir a pandemia de Covid-19 em março do ano passado. Achávamos que realmente seria possível fazer a diferença para o público trazendo informação de qualidade, embasada em ciência séria. Hoje (aliás, ao longo dos últimos vários meses), a minha sensação é de derrota quase completa. Eu me sinto um fracasso total. Falhamos.

Em março de 2020, o argumento que nos dava um grau considerável de esperança era este: numa situação como a que a gente está vivendo, o negacionismo seria inviável. É fácil minimizar ou negar a existência do aquecimento global quando os efeitos mais catastróficos da mudança climática causada pelo homem ainda estão a décadas de se concretizarem claramente. Já o tsunami do coronavírus engole as pessoas na escala de tempo de poucas semanas ou, no máximo, alguns meses, raciocinávamos então. Chegará uma hora em que a negação vai se tornar impossível — algo como gritar “Nem doeu!” depois de levar uma martelada na cabeça que tirou sangue e pode ter fraturado o crânio.

Tolinhos. Subestimamos o quanto as pessoas são capazes de viver em negação. O Brasil nunca tinha tido um movimento antivacinação de massas — antes, eram poucos bichos-grilos endinheirados os que fugiam de vacinas. No momento mais perigoso possível, um movimento desse tipo acaba de florescer, pelo que indicam as pesquisas de opinião.

O pior de tudo na sensação de desamparo, ao menos do meu ponto de vista, é não saber como fazer uma correção de rota na comunicação pública sobre o coronavírus, ou mesmo se uma correção desse tipo é possível. Precisamos tentar outro caminho, mas não faço ideia de qual ele seria. E, como estamos falando de uma doença infecciosa que depende primordialmente dos contatos sociais para continuar se espalhando, não adianta cruzar os braços e dizer que “Darwin cuida” de quem não quiser se proteger. Ou a imensa maioria de nós põe a mão na consciência, ou 200 mil mortos serão só o começo.

Pandemia foi reviravolta no roteiro do meu primeiro ano como correspondente na Europa, Ana Estela de Sousa Pinto, FSP

 “Vou guardar um lugar para ti junto aos portugueses. Se chegares mais cedo que eu, procura o teu nome nos papéis colados nas mesas.” Começou assim meu primeiro ano como correspondente da Folha na Europa: com muita aglomeração, zero distanciamento social e sem sombra de máscaras.

Rita Siza, correspondente em Bruxelas do jornal português Público, me explicava como navegar entre os mil correspondentes estrangeiros que praticamente acampavam no edifício em que os presidentes e premiês dos 27 países da União Europeia discutem o bloco, de manhã até a madrugada, às vezes por vários dias, no Conselho Europeu.

Minha primeira vez começara como o imaginado, com colegas de todo o mundo reportando de perto disputas por recursos e manobras políticas. No meu roteiro seguiam-se muitas viagens, conflitos, encontros e arte.

Coronavírus? Ainda era uma doença misteriosa que se agravava na China, e o temor de que viesse para a Europa cancelou um megaevento de tecnologia em Barcelona, em fevereiro. Na verdade, o microvilão já estava no continente havia quase um mês, mas visível só no norte da Itália. Tão subestimado era naquele começo de ano que virara blague entre os colegas lusitanos: “A Portugal, nem casos de coronavírus chegam”, brincavam, focados na divisão do orçamento plurianual europeu.

Manifestantes contra eleições que deram vitória ao autocrata Lukachenko
Manifestantes contra eleições que deram vitória ao autocrata Lukachenko - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

Lisboa era justamente minha próxima parada, e lá fomos eu e meu colega Danilo Verpa percorrer ruas cheias e descampados para o capítulo europeu da série Estado Alterado (sobre drogas e políticas públicas). Bastou uma semana, porém, para a piada dos meus amigos cair por terra. De segunda para terça, apareceu no elevador do hotel um comunicado do governo: o bicho chegou, sim, a Portugal, e medidas de prevenção serão adotadas.

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O patógeno ganhou nome, Sars-Cov-2, a atípica pneumonia virou Covid-19, a Lombardia confinou 16 milhões de pessoas e em 11 de março meu título era “Europa é o centro da pandemia de coronavírus, diz OMS”. Mensagens internas da Redação falavam da pandemia como "o único assunto que importa".

A cobertura do Conselho Europeu já era século passado, e o avanço da videochamada sobre o face-a-face foi um vento gelado. Mas o corpo-a-corpo jornalístico sobreviveu sob a Covid-19, nos protestos contra o racismo (10 mil pessoas de máscaras no auge da primeira onda), nas disputadas eleições na Polônia (quando uma simples viagem de avião tinha ares de ato de bravura) e nos desafiadores protestos contra a ditadura na Belarus.

Até a Bélgica, em geral ausente do noticiário, ganhou manchetes ao assumir o topo do ranking de países com mais mortes por habitante no mundo. A palavra coronavírus foi central em 446 textos enviados da Europa neste ano, boa parte escrita no país que sustenta até hoje essa liderança letal —pouco evidente nas ruas da capital, mas retrato de uma tragédia nos asilos de idosos do país.

Certamente as 11 letras terão presença garantida neste meu segundo ano como correspondente, mas agora o coronavírus já aparece em companhia mais animadora. No dia em que aterrissei em Bruxelas de volta das férias, 27 de dezembro, a União Europeia botou em marcha sua campanha de imunização, e vacina já apareceu em 13 textos nesses 8 dias.

Que puxe a fila de outras boas notícias. Além de viagens, eleições, conflitos e manifestações, está faltando cumprir a parte da arte e dos encontros no meu roteiro, de preferência com meus colegas por perto.