No país do futebol, mudar as regras do jogo durante a partida deveria ser motivo para cartão vermelho. No campo tributário, governo federal e Congresso jogaram juntos para aprovar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês a toque de caixa, mas o resultado deverá ser uma pilha de novos e caros processos na Justiça.
A lógica da nossa Constituição Federal de 1988 prevê, justamente, que o topo da pirâmide financeira pague mais, para melhorar as condições de quem está na base dela. Questionar a necessidade de "justiça tributária" em si seria dar voz à "classe dominante" que Darcy Ribeiro classificou como "ranzinza, azeda, medíocre e cobiçosa".
O problema é que para conceder as isenções a quem precisa delas, o PL 1.087/2025, que agora aguarda sanção do presidente Lula, deixou armadilhas pelo caminho.
Para compensar a perda na arrecadação por um lado, mirou na taxação de dividendos —forma pela qual as empresas remuneram seus sócios, atualmente isentos.
A regra determina, por exemplo, que a nova tributação comece a valer em 2026, mas com base no lucro de 2025. Na prática, dá para dizer que é um efeito retroativo.
Para se esquivar da acusação, o Congresso trouxe uma saída criativa: liberar as empresas que fecharem o balanço, aprovarem a distribuição dos lucros e registrarem suas contas em órgãos competentes até 31 de dezembro de 2025. Ganha um prêmio quem conhecer alguma companhia que fecha as contas antes de o ano terminar.
Ao não cumprir o prazo, empresários verão seus dividendos isentos transformados em lucro tributável, ainda que a obrigação tenha sido inventada de última hora.
O resultado prático disso, nós conhecemos bem: pilhas de novos processos nos tribunais, que, quando derem razão para os empresários, virarão novos precatórios, a serem pagos pelo Brasil do futuro.
Somando os impostos hoje recolhidos por empresas, IRPJ (Imposto de Renda), CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e o novo imposto sobre dividendos, a mordida do leão pode chegar a 44% do lucro das empresas —sem contar o futuro IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que ainda vem por aí.
O projeto aprovado pelo Congresso criou um redutor, para evitar "exageros" como esse. Mas ouvi do tributarista Eduardo Diamantino, que estuda cada vírgula do projeto desde o início da sua tramitação, que a conta é mais uma ilusão de ótica. O cálculo, quando aplicado a casos reais, vai deixar o contribuinte a ver navios.
Sem contar o problema das offshores, empresas fora do país, que já pagam cerca de 15% de imposto sobre o lucro, e terão agora mais 10% retidos quando mandarem dividendos de volta ao país. É a famosa (e proibida) bitributação, com outra roupa.
Podem parecer detalhes, mas são eles que fazem uma nova lei dar certo ou errado. E é para esse tipo de correção que projetos de lei tramitam no Congresso.
No caso em questão, o relator do PL 1.087 no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), declarou abertamente que lutaria para que nada fosse modificado durante a passagem do PL por aquela Casa, para evitar que voltasse para a Câmara, o que atrasaria (ou até impediria) sua aprovação ainda este ano.
Fazer política na base do atropelo pode dar boa propaganda e votos, mas cobra seu preço quando a eleição dobra a esquina.

Nenhum comentário:
Postar um comentário