domingo, 29 de março de 2020

Bolsonaro está disposto a produzir massacre com sua ignorância, FSP

Presidente não tem evidências ou estudos para justificar reação delirante à crise

  • 21
Duas universidades britânicas estimam que o Brasil terá centenas de milhares de mortos se não adotar medidas de distanciamento para enfrentar o coronavírus. Confrontado com essas previsões, Jair Bolsonaro deu risada. "Isso aí, no meu entender, é chute. Deve ter algum interesse econômico colocado em jogo aí", disse o presidente.
Bolsonaro é incapaz de apresentar evidências ou levantamentos sérios para justificar sua reação delirante à mais grave crise de saúde pública desta geração. O presidente se move por palpites, mentiras e interesses políticos. Está disposto a produzir um massacre com sua ignorância.
Pesquisadores brasileiros que trabalham diretamente no combate à pandemia alertam que há mais mortes por Covid-19 do que as anunciadas até agora. Esses especialistas dizem que algumas vítimas do vírus não recebem o diagnóstico correto.
Do sofá do Palácio da Alvorada, o presidente desconfia. Em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro disse que outras doenças causaram as mortes registradas até aqui. Ainda contestou, sem provas, as estatísticas do estado de São Paulo. "Não estou acreditando nesse número", afirmou, sem oferecer nenhum dado.
Não adianta que o prefeito de Milão tenha dito que foi um erro incentivar as pessoas a continuarem trabalhando quando o vírus começou a se espalhar. A 8.901 quilômetros de distância, o brasileiro acha que o problema da Itália é a idade da população. Por isso, ele quer que todos voltem às ruas imediatamente.
Os dois únicos planos concretos de Bolsonaro são baseados em puro achismo. Ele faz campanha pelo uso de cloroquina para tratar pacientes com Covid-19, mas não apresenta qualquer confirmação da eficácia do medicamento. Além disso, defende o isolamento de apenas parte da população, embora não tenha um mísero estudo sobre seu impacto.
O presidente despreza os fatos, mas sabe que o país terá milhares de mortes se a população seguir suas vontades. Ele não liga. "Alguns vão morrer. Lamento, é a vida", disse.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

O dilema é real, FSP

Tentar preservar a atividade econômica não é preocupação sem sentido

  • 18
Jair Bolsonaro é um alienado, mas a preocupação em tentar preservar a atividade econômica não é sem sentido, sobretudo porque não há clareza sobre quanto tempo a crise da Covid-19 pode durar. A normalização de fato só virá se conseguirmos desenvolver uma vacina ou depois que gente o bastante tiver sido infectada e se recuperado, produzindo a tal da imunidade de rebanho.
Precisamos parar quase tudo por um tempo, para tentar reduzir o impacto da primeira onda da epidemia sobre os sistemas de saúde, mas um lockdown não pode durar para sempre. Basta um experimento mental para constatá-lo: ignoramos a real letalidade do Sars-Cov-2, que pode ficar em qualquer cifra entre 0,05% e 3%, mas não precisamos de estudos epidemiológicos para saber que a inanição é letal em 100% dos casos.
E o tempo de paralisação importa. Bem antes de chegarmos ao ponto da fome generalizada pelo colapso da produção agrícola --se ninguém fabricar mais peças de trator, uma hora o campo para--, começaríamos a colecionar mortos por outras causas, como o agravamento de cânceres devido ao adiamento de cirurgias eletivas, doenças associadas à desnutrição nas famílias mais vulneráveis etc.
Nem é preciso introduzir elementos financeiros na conta. Há, por definição, um instante em que os óbitos atribuíveis à deterioração econômica superam os da Covid-19.
Ainda que os parâmetros que permitiriam fazer esse cálculo não sejam hoje conhecidos, o dilema entre proteger o sistema de saúde e proteger a economia é real. Precisamos desde já bolar estratégias para tentar retomar a atividade passada a primeira onda. Bons estudos epidemiológicos ajudariam muito.
O que torna a posição defendida por Bolsonaro insustentável são as incertezas em relação à epidemia.
Um lockdown exagerado sempre pode ser relaxado, mas um desleixo inicial, magnificado pelo poder avassalador da curva exponencial, não tem volta.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".