sexta-feira, 27 de março de 2020

Isolamento radical contra coronavírus pode salvar 1 milhão de vidas no Brasil, aponta estudo, FSP

Cálculo foi feito pela mesma equipe britânica que fez o primeiro-ministro Boris Johnson abandonar abordagem mais leve

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BRUXELAS
Adotar estratégias radicais de isolamento social para conter novo coronavírus pode salvar mais de 1 milhão de vidas no Brasil, aponta estudo feito por uma equipe de 30 cientistas do Imperial College de Londres.
No trabalho divulgado nesta quinta (26), os especialistas em doenças transmissíveis calcularam o número de infectados, pacientes graves e mortos em cinco cenários de disseminação do vírus no Brasil.
Sem medidas de isolamento social que reduzam a transmissão do, o Brasil pode ter até 1,15 milhão de mortes provocadas pela doença, chamada de Covid-19. No cenário de restrições mais drásticas e precoces, as mortes seriam 44 mil.

NENHUMA INTERVENÇÃO

Cenário em que a vida segue normalmente. Dessa maneira, o coronavírus contagiará 188 milhões de brasileiros, dos quais 6,2 milhões terão que ser hospitalizados e 1,5 milhão precisará ser internado em UTI.
Neste caso, o número de mortes estimado é de 1.152.283.
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DISTANCIAMENTO SOCIAL

No caso de adoção de medidas como proibição de eventos, redução na circulação, restrição a encontros, uma estratégia mais branda e operacionalmente mais viável que as duas seguintes, o número de mortes chega a 627 mil brasileiros, nos cálculos do Imperial College.
São infectados 122 milhões de brasileiros, dos quais 3,5 precisarão de hospitalização e 831 mil terão que ocupar uma UTI.

COM DISTANCIAMENTO SOCIAL E ISOLAMENTO DOS IDOSOS

Protegendo os idosos, parcela da população mais suscetível a complicações e mortes provocadas pelo coronavírus, o número de mortes chega a 530 mil, nos cálculos dos cientistas. Nesse cenário eles só devem sair de casa apenas em situação de absoluta necessidade.
São infectados 121 milhões de brasileiros, 3,2 milhões precisam ser hospitalizados e 702 mil ficam em estado crítico, que requer tratamento em UTI.

COM SUPRESSÃO TARDIA

Além de determinar o distanciamento social de toda a população, são feitos testes massivos, os casos positivos são isolados e os que tiveram contato com eles, monitorados. É o que fez a Coreia do Sul. As medidas são aplicadas quando há 1,6 morte por 100 mil habitantes por semana. Nesta semana, a taxa de mortes por 100 mil por semana brasileira foi 0,04.
Essa abordagem mais rigorosa reduz o número de mortes a 206 mil.
São contaminados 49,6 milhões de brasileiros, dos quais 1,2 milhão precisarão ser internados em hospitais, e 460 mil terão necessidade de cuidados intensivos. No pico da pandemia, a necessidade será de 460 mil leitos de hospital e 97 mil leitos de UTI.

SUPRESSÃO PRECOCE

Estratégia semelhante à do cenário 4, mas com medidas aplicadas quando ocorre 0,2 morte por 100 mil habitantes por semana. Por ser o mais rigoroso, é o que mais reduz a sobrecarga dos hospitais e o número de mortes.
Nessa abordagem mais radical, morreriam 44 mil brasileiros. Seriam infectados pelo coronavírus 11 milhões de pessoas, das quais 250 mil precisariam de hospitalização e 57 mil, de UTI. No pico da pandemia, a necessidade de leitos de hospital seria de 72 mil; de UTIs, 15 mil.

ENTENDA AS PREMISSAS

Os cálculos consideram que, se circular livremente, o coronavírus Sars-Cov-2 pode infectar cerca de 80% da população do país.
Das pessoas infectadas, boa parte não apresentará sintomas ou terá sintomas leves o suficiente para se tratar em casa. Cerca de 20% precisarão de hospitalização, e 5% dos casos se tornarão graves, com complicações que exigirão internação em UTI e uso de aparelhos de respiração.
Metade dos casos críticos leva à morte, de acordo com os pesquisadores, com base na evolução da pandemia nos países em que ela está em estágio mais avançado, como a China e a Itália.
O número de mortes cresce proporcionalmente quando mais gente é contagiada, porém, por dois motivos: os casos graves de coronavírus superam a capacidade de atendimento intensivo, deixando parte dos doentes sem o cuidado necessário, e o caos nos hospitais provoca a morte de outros doentes graves.

Fernando Reinach OESP Fechar é mais fácil que abrir

Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo
27 de março de 2020 | 05h00


Presos em casa estamos todos, vendo o número de casos e mortes pela covid-19 crescer exponencialmente. A subida dessa curva no Brasil é inevitável, e se ela se comportar de maneira semelhante à do inicio do surto na China, Itália e Espanha, vai subir por um ou dois meses, se estabilizar, e depois descer. Serão dois ou três meses duros, nos quais o número de mortes é difícil de prever.
comércio
Baixo movimento de consumidores na Rua Ladeira Porto Geral, área de comércio popular no centro de São Paulo Foto: Felipe Rau/ Estadão - 18/3/2020

Considerando nossa falta de preparo, até que estamos nos saindo bem. O sistema de testes que era inexistente está longe do ideal, mas está se organizando (a Alemanha esta fazendo 500 mil testes por semana). Muitas empresas e governos estão providenciando respiradores, hospitais de emergência estão pipocando pelo País. Mas o mais importante é que adotamos bem cedo políticas rígidas de isolamento, o que já está comprovado cientificamente que reduz o número de vítimas. O erro da Itália foi hesitar por uma semana.
Mas isso não quer dizer que agora basta esperar a avalanche de casos e lidar com eles. Na verdade, precisamos começar a discutir quando, e mais importante, de que maneira vamos relaxar essas regras rígidas de distanciamento social e isolamento. Os cientistas não têm dúvidas no que se refere a quando devemos relaxar o isolamento. Todos concordam que é necessário esperar algumas semanas após o número de novos casos voltar a níveis baixos. Relaxar as medidas antes da queda da curva pode ser trágico, pois é certo que a epidemia volta rapidamente, os casos aumentam, e teremos uma nova onda a ser combatida como a primeira. 
Os primeiros estudos epidemiológicos que modelam a abertura na China, agora publicados, mostram que foi sábio o país esperar e liberar o isolamento gradativamente a partir de abril (lembre que o isolamento começou em meados de janeiro). Esse adiamento, e a liberação gradual e planejada, deve reduzir em 92% o número de casos da segunda onda que deve ocorrer em meados de 2020. Essa segunda onda é consequência inevitável da abertura. E a China está se preparando para lidar com ela sem fechar a economia.
Mais difícil do que decidir quando liberar é escolher como relaxar as medidas e, ao mesmo tempo, garantir que o aumento de casos resultante seja passível de controle e não desmonte novamente o sistema de saúde e cause outra avalanche de mortes. Esse é o problema que tem tirado o sono dos epidemiologistas. 
Uma coisa é certa: se é compreensível que entramos despreparados nessa crise, não existe desculpa para não nos prepararmos para sair dela. Teremos três meses para discutir e planejar as ações necessárias antes que elas sejam implementadas. A verdade é que montar o sistema de isolamento é muito mais fácil do que desmontá-lo sem jogar no lixo as conquistas que custaram tantas mortes. 
A primeira providência é possuir informações confiáveis sobre o que ocorreu durante o pico de casos. É preciso saber quantas e quem são as pessoas que contraíram a covid-19 e se recuperaram. Essas pessoas poderão voltar a circular livremente. É quase certo que estarão imunes ao vírus por algum tempo. E aí entra a importância de testarmos o maior número possível dos casos que não chegaram aos hospitais, os tais 80% de casos leves. Cada uma dessas pessoas que testou positivo e sarou pode receber o carimbo verde de liberado. Além disso, seria importante identificar as pessoas que talvez tenham sido infectadas e não foram testadas – elas fazem parte do grupo de pessoas que tiveram contato com pessoas identificadas e não apresentaram sintomas claros, muitas delas tiveram a doença. 
Na Alemanha os contatos das pessoas infectadas também estão sendo testados e, caso tenham resultado positivo para a doença, também vão entrar na lista das pessoas automaticamente liberadas após a quarentena. Mas para saber quem são elas, teríamos de montar esse programa de teste nos próximos meses. Outro programa que está sendo iniciado na Inglaterra é usar um novo teste que indica, a posteriori, quem são as pessoas que já foram expostas ao vírus e estão curadas. Essa população testa negativo para o vírus, mas já possui anticorpos contra ele. Saber a proporção da população já exposta é essencial para planejar as medidas de relaxamento. Isso também precisa ser feito.
Também vai ser preciso decidir, com base em modelos epidemiológicos, como vai ser a abertura gradual. Problemas como saber se abrimos primeiro as escolas ou os escritórios, se abrimos todos simultaneamente ou de forma escalonada e, entre as escolas, quais devem ser abertas primeiro, e assim por diante. São decisões difíceis que precisam ser baseadas em modelos epidemiológicos.
E finalmente vai ser preciso montar um sistema de teste amplo e robusto para descobrir e acompanhar os focos e pequenos surtos que vão aparecer logo depois da abertura e ter um plano estruturado de como eles serão combatidos para não crescerem e se tornarem novas epidemias que necessitem de uma nova quarentena generalizada. 
Sem esse sistema funcionando antes da abertura, novos focos não serão descobertos a tempo e podem se tornar novas epidemias. E todo esse sistema de vigilância terá de ser mantido até que surja uma vacina, ou quando 60% a 80% da população já tiver sido exposta ao vírus. Sem isso não será possível uma recuperação econômica livre do medo de novos surtos. Como pode ser visto, sair desse estado de isolamento total é tarefa muito mais difícil do que implementar o isolamento. É preciso esquecer soluções fáceis e começar a planejar essas medidas. Três meses não é muito, mãos à obra.

Confinamento e solidão, Gilles Lapouge, O Estado de S.Paulo


27 de março de 2020 | 05h00

Todo mundo confinado! Portas fechadas, ninguém entra, ninguém sai. Ou então, será preciso pedir a um policial permissão para ir comprar pasta de dentes ou pão. Sem exceções. Você pode até ser um marajá ou um bilionário, será tratado como um camareiro ou uma camareira qualquer. Bakunin gostaria muito. A sociedade sem classes acaba de chegar. O novo coronavírus conseguiu, em poucos meses, estabelecer esta igualdade perfeita entre os seres humanos, sempre prometida e sempre dissipada como uma miragem.
No século 17, o poeta Malherbe, por ocasião da morte da filha de um de seus amigos, usa esse argumento para consolá-lo. “O pobre em sua cabana que a palha cobre, submete-se às suas leis, e o guarda que vigia nas barreiras do Louvre, não defende nossos reis.” Malherbe tinha razão, porque falava da morte como do “grande equalizador” (embora isso seja discutível). 
Por outro lado, no que diz respeito ao confinamento ao qual estão sujeitos, tanto os poderosos quanto os miseráveis, nessa igualdade pela desgraça, o desconforto como a própria morte é uma piada. Longe de realizar a sociedade sem classe, muito ao contrário, o coronavírus aprofunda as desigualdades, as torna mais agudas.
São Paulo coronavírus
Em São Paulo, muitas pessoas já estavam em isolamento social no dia 19/03, quando essa foto foi tirada Foto: Victor Moriyama/The New York Times
O sociólogo americano Eric Klinenberg estuda há dez anos a solidão e seus efeitos nas sociedades atuais. Podemos aplicar suas análises à provação violenta do confinamento ao qual três quartos da Europa e, em termos do planeta, de 2 a 3 bilhões de homens, mulheres, idosos, bebês, portadores de deficiências, pedintes e bilionários estão condenados. 
Se ele aceita as decisões dos médicos e dos governos de isolar as pessoas, de trancá-las em seus palácios ou em suas casas, sem contato com outras pessoas igualmente aprisionadas, por outro lado, ele lamenta que não se conceda às populações frágeis, aos pobres, fatigados, muito pobres ou muito solitários (solitários mesmo em um período normal), uma atenção particular. As pessoas desabrigadas não têm escolha. Como poderiam evitar os contatos físicos do dia a dia? E os idosos? E os doentes? Nestes momentos, eles precisam de atenção redobrada e não ver a sociedade dando-lhes as costas.
Ele evoca, em seguida, o drama que o “distanciamento social” pode provocar em certas pessoas. “A solidão, que acarreta estresse e ansiedade”, ele diz, “enfraquece o sistema imunológico” e, portanto, pode torná-lo mais vulnerável aos vírus. Os seres humanos são uma espécie social. Alguns precisam de um contato regular, outros podem se arranjar com uma interação ocasional. Entretanto, “homem nenhum é uma ilha”, como diz o poeta John Donne. “Somos maciçamente interdependentes.”
Buscando dispositivos de luta contra esta ruptura das relações sociais, sobretudo entre os mais humildes, ele lembra que, nas grandes epidemias antigas – peste e cólera –, não havia nenhum recurso. Hoje, estamos ligados aos outros pelo rádio, TV, telefone, redes sociais, computadores.
O discurso de Eric Klinenberg merece ser citado, porque esse americano faz o elogio do seguro social, inexistente nos EUA. “O sistema público de saúde vai além da solidariedade entre as pessoas. Ele nos incentiva a não acumular medicamentos para nosso uso exclusivo, a não ir para o trabalho quando estamos doentes, a evitar mandar para a escola uma criança doente. Sociedades divididas e desiguais, como os EUA, carecem de confiança e de coesão: será mais difícil para elas superarem esta nova pandemia”, escreve. Como não concordar plenamente com estas palavras? Ou, em outros termos: “Os seres humanos podem morrer de solidão”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA