Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo
27 de março de 2020 | 05h00
Presos em casa estamos todos, vendo o número de casos e mortes pela covid-19 crescer exponencialmente. A subida dessa curva no Brasil é inevitável, e se ela se comportar de maneira semelhante à do inicio do surto na China, Itália e Espanha, vai subir por um ou dois meses, se estabilizar, e depois descer. Serão dois ou três meses duros, nos quais o número de mortes é difícil de prever.
Considerando nossa falta de preparo, até que estamos nos saindo bem. O sistema de testes que era inexistente está longe do ideal, mas está se organizando (a Alemanha esta fazendo 500 mil testes por semana). Muitas empresas e governos estão providenciando respiradores, hospitais de emergência estão pipocando pelo País. Mas o mais importante é que adotamos bem cedo políticas rígidas de isolamento, o que já está comprovado cientificamente que reduz o número de vítimas. O erro da Itália foi hesitar por uma semana.
Mas isso não quer dizer que agora basta esperar a avalanche de casos e lidar com eles. Na verdade, precisamos começar a discutir quando, e mais importante, de que maneira vamos relaxar essas regras rígidas de distanciamento social e isolamento. Os cientistas não têm dúvidas no que se refere a quando devemos relaxar o isolamento. Todos concordam que é necessário esperar algumas semanas após o número de novos casos voltar a níveis baixos. Relaxar as medidas antes da queda da curva pode ser trágico, pois é certo que a epidemia volta rapidamente, os casos aumentam, e teremos uma nova onda a ser combatida como a primeira.
Os primeiros estudos epidemiológicos que modelam a abertura na China, agora publicados, mostram que foi sábio o país esperar e liberar o isolamento gradativamente a partir de abril (lembre que o isolamento começou em meados de janeiro). Esse adiamento, e a liberação gradual e planejada, deve reduzir em 92% o número de casos da segunda onda que deve ocorrer em meados de 2020. Essa segunda onda é consequência inevitável da abertura. E a China está se preparando para lidar com ela sem fechar a economia.
Mais difícil do que decidir quando liberar é escolher como relaxar as medidas e, ao mesmo tempo, garantir que o aumento de casos resultante seja passível de controle e não desmonte novamente o sistema de saúde e cause outra avalanche de mortes. Esse é o problema que tem tirado o sono dos epidemiologistas.
Uma coisa é certa: se é compreensível que entramos despreparados nessa crise, não existe desculpa para não nos prepararmos para sair dela. Teremos três meses para discutir e planejar as ações necessárias antes que elas sejam implementadas. A verdade é que montar o sistema de isolamento é muito mais fácil do que desmontá-lo sem jogar no lixo as conquistas que custaram tantas mortes.
A primeira providência é possuir informações confiáveis sobre o que ocorreu durante o pico de casos. É preciso saber quantas e quem são as pessoas que contraíram a covid-19 e se recuperaram. Essas pessoas poderão voltar a circular livremente. É quase certo que estarão imunes ao vírus por algum tempo. E aí entra a importância de testarmos o maior número possível dos casos que não chegaram aos hospitais, os tais 80% de casos leves. Cada uma dessas pessoas que testou positivo e sarou pode receber o carimbo verde de liberado. Além disso, seria importante identificar as pessoas que talvez tenham sido infectadas e não foram testadas – elas fazem parte do grupo de pessoas que tiveram contato com pessoas identificadas e não apresentaram sintomas claros, muitas delas tiveram a doença.
Na Alemanha os contatos das pessoas infectadas também estão sendo testados e, caso tenham resultado positivo para a doença, também vão entrar na lista das pessoas automaticamente liberadas após a quarentena. Mas para saber quem são elas, teríamos de montar esse programa de teste nos próximos meses. Outro programa que está sendo iniciado na Inglaterra é usar um novo teste que indica, a posteriori, quem são as pessoas que já foram expostas ao vírus e estão curadas. Essa população testa negativo para o vírus, mas já possui anticorpos contra ele. Saber a proporção da população já exposta é essencial para planejar as medidas de relaxamento. Isso também precisa ser feito.
Também vai ser preciso decidir, com base em modelos epidemiológicos, como vai ser a abertura gradual. Problemas como saber se abrimos primeiro as escolas ou os escritórios, se abrimos todos simultaneamente ou de forma escalonada e, entre as escolas, quais devem ser abertas primeiro, e assim por diante. São decisões difíceis que precisam ser baseadas em modelos epidemiológicos.
E finalmente vai ser preciso montar um sistema de teste amplo e robusto para descobrir e acompanhar os focos e pequenos surtos que vão aparecer logo depois da abertura e ter um plano estruturado de como eles serão combatidos para não crescerem e se tornarem novas epidemias que necessitem de uma nova quarentena generalizada.
Sem esse sistema funcionando antes da abertura, novos focos não serão descobertos a tempo e podem se tornar novas epidemias. E todo esse sistema de vigilância terá de ser mantido até que surja uma vacina, ou quando 60% a 80% da população já tiver sido exposta ao vírus. Sem isso não será possível uma recuperação econômica livre do medo de novos surtos. Como pode ser visto, sair desse estado de isolamento total é tarefa muito mais difícil do que implementar o isolamento. É preciso esquecer soluções fáceis e começar a planejar essas medidas. Três meses não é muito, mãos à obra.
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