sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Autoridades analógicas fracassam no faroeste da campanha digital, FSP

Financiamento ilegal no WhatsApp mostra despreparo de juízes e procuradores

Candidatos que apostaram todas as fichas na propaganda de TV ficaram pelo caminho este ano. Celulares e redes sociais atropelaram quem confiou só nas estratégias tradicionais para conquistar votos. As autoridades eleitorais também precisarão reconhecer seu fracasso.
Enquanto promotores e juízes se ocupavam em julgar direitos de resposta no rádio e verificar se santinhos tinham o CNPJ certo, a disputa digital corria no estilo faroeste.
Nesta quinta (18), a repórter Patrícia Campos Mello revelou que empresas alinhadas a Jair Bolsonaro pagaram para enviar milhões de mensagens pelo WhatsApp contra o PT. A prática é proibida e pode configurar financiamento ilegal de campanha.
candidato do PSL só disse que não tem controle sobre aqueles que o apoiam. Uma advogada do partido afirmou que são “atos isolados”, sem autorização da sigla. O caso foi levado à Justiça Eleitoral por PT e PDT.
O despreparo dos órgãos de controle e a dificuldade de rastreamento reforçaram a ilusão de que a internet é terra sem lei. Não houve esforço para conter notícias falsas, grupos clandestinos de propaganda e seu financiamento fraudulento.
Ao assumir o TSE, em fevereiro, Luiz Fux disse em tom grave que a difusão de informações mentirosas era abusiva. Meses depois, declarou que uma eleição pode ser anulada se tiver a influência de fake news.
Era só marketing? Quem segurou um celular nos últimos meses teve acesso a uma enxurrada de mentiras. Não se viu ação concreta para investigar a origem, os pagamentos e os efeitos da desinformação.
No dia do primeiro turno, a atual chefe do TSE, Rosa Weber, afirmou que o tribunal estava “aprendendo a lidar” com o problema e tentando “compreender” o que são fake news. Parecia óbvio —e já era tarde.
O segundo turno está aí, mas juízes e procuradores ainda não sabem lidar com o WhatsApp e outros aplicativos. Campanhas digitais ajudaram muitos candidatos e podem eleger um presidente, mas as autoridades ainda estão presas na era analógica.

Fake news, Ruy Castro FSP

Da esq. para a dir., Carlos Heitor Cony, Otto Lara Resende e Millôr Fernandes
Da esq. para a dir., Carlos Heitor Cony, Otto Lara Resende e Millôr Fernandes - Fotos Folhapress e Alécio de Andrade/Divulgação
Em novembro de 1955, depois do “golpe preventivo” do então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, para garantir a posse deJuscelino Kubitschek na Presidência, Otto Lara Resende foi entrevistar Lott para a revista Manchete. Mas o general era ruim de verbo e não estava sabendo contar a história. Daí, Otto, com as informações que apurara, escreveu-a ele próprio como se fosse Lott falando. Lott não se queixou. Ao contrário, adorou. E até passou à história como autor de uma expressão que Otto pusera na sua boca: a do “retorno aos quadros constitucionais vigentes” —querendo dizer que a Constituição era intocável. 
Vinte anos depois, em 1975, Carlos Heitor Cony, repórter da mesma Manchete, foi entrevistar o famoso falsário Walmir Vieira Azevedo, autor de grandes golpes em São Paulo. Mas, ao lhe ser apresentado na delegacia, Walmir não quis falar. Cony não se apertou. Inventou tudo e ocupou quatro páginas da revista com a genial “Entrevista de mentira com um falsário de verdade” —sem deixar o leitor saber se o texto era a sério ou não. 
Nos anos 60, Millôr Fernandes escreveu uma peça de teatro sobre o bairro boêmio da Lapa. Numa passagem, o valentão Madame Satã enfrenta a polícia de Getulio Vargas. Bate em 20 soldados e só é levado preso porque o subjugam e amarram a um burro-sem-rabo, do qual sai de cena em triunfo. Essa história nunca aconteceu e a peça não foi encenada. Mas Satã ficou sabendo da passagem e gostou. Anos depois, o Pasquim entrevistou Satã e ele a contou como se fosse verdade. Um dos entrevistadores era o próprio Millôr —que não o desmentiu, para não desapontá-lo. Afinal, Satã acreditava mesmo que tinha batido na polícia.   
Essa é a diferença. As fake news inventadas por Otto, Cony e Millôr mereciam ser verdade.
As de hoje fedem à distância e só acredita nelas quem, além do olfato, perdeu a visão.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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Cannadabis, Hélio Schwartsman., FSP

Canadá acaba de legalizar a maconha para uso recreativo. Não tenho dúvida de que o caminho é esse mesmo.
Do ponto de vista filosófico, não penso que caiba ao Estado controlar o que o cidadão faz com o próprio corpo. Sob uma perspectiva mais prática, é preciso reconhecer que a guerra às drogas fracassou. A proibição não é uma forma eficaz de reduzir a prevalência do uso de psicotrópicos e acrescenta consequências penais à lista de problemas com os quais o dependente precisa lidar.
Poderíamos mencionar ainda como argumentos pró-legalização o alto custo da repressão e o estímulo à violência que decorre de empurrar o mercado para a ilegalidade, isto é, para as mãos do crime organizado.
Estabelecidas essas premissas, devo dizer que me preocupa o glamour com que a maconha vem sendo retratada pelos meios de comunicação. É verdade que a Cannabis tem impacto sanitário menos deletério do que o álcool, por exemplo, mas ela está longe de ser uma erva inocente que pode ser consumida ad libitum. A maconha é uma droga e, como tal, oferece riscos à saúde de quem a usa. Para uma pequena minoria da população, as consequências são devastadoras.
São inquietantes, por exemplo, as metanálises que ligam o consumo de maconha ao desenvolvimento de psicose crônica e esquizofrenia. Ao que parece, a relação é causal e não de mero gatilho.
Pior, praticamente todos os estudos que sugerem que a Cannabis é relativamente segura foram realizados com uma variedade da droga que já não é a que está em circulação. O produto vendido hoje tem uma concentração muito maior de THC (e menor de CBD). Mal comparando, seria como tentar lidar com o alcoolismo valendo-se de estudos feitos com cerveja, quando a bebida de fato consumida é o uísque. As diferenças não são desprezíveis.
Legalizar sim, mas sem glamourizar nem deixar de apontar que a maconha é uma droga.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".