quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Mercado se ilude com promessa de programa econômico liberal de Bolsonaro, FSP

Há um conflito entre a tosca visão econômica do candidato e o presumido viés liberal dos assessores

Jair Bolsonaro (PSL) e seu principal assessor econômico, Paulo Guedes
Jair Bolsonaro (PSL) e seu principal assessor econômico, Paulo Guedes - Sergio Moraes - 6.ago.18/Reuters
“Suponha que você tenha um galinheiro no fundo da tua casa e viva dele. Você vende todo dia ovos e algumas galinhas. Quando você vende aquilo e privatiza, você não vai ter a garantia no final de semana de comer um ovo cozido. Nós vamos deixar a energia na mão de terceiros? (...) Você vai deixar a nossa energia na mão do chinês?”
Foi com base nesse raciocínio sofisticado que Jair Bolsonaro negou a possibilidade de privatizar a geração de energia elétrica no país. Afinal de contas, “o chinês” pode vir aqui e mandar todas as nossas hidrelétricas para a China, presumivelmente com as respectivas bacias hidrográficas. Ou, sei lá, vender toda a nossa energia elétrica na Ásia, atravessando mares tempestuosos, em vez de atender o consumidor nacional.
O candidato diz que evoluiu de suas posições anteriores, mas a declaração acima ecoa a mesma visão expressa em 1999, quando afirmou que “barbaridade é privatizar a Vale do Rio Doce, é privatizar telecomunicações, é entregar nossas reservas petrolíferas para o capital externo”.
De lá para cá a Vale saltou de patamar, tornando-se uma competidora global. No campo das telecomunicações, o progresso foi igualmente notável. Antes das privatizações, telefones eram para poucos, tão escassos que linhas telefônicas faziam parte das declarações de bens e direitos para fins de Imposto de Renda. Hoje, em contraste, qualquer pessoa tem acesso a serviços impensáveis há meros 20 anos.
Não há motivo para crer que seria diferente no caso da energia, independentemente da nacionalidade do eventual comprador. No frigir dos ovos (perdão), quem investir no setor não terá apenas o objetivo de ganhar o máximo de dinheiro possível, motivação que esteve por trás da melhora de desempenho nos setores privatizados (bem como, com imenso sucesso, naqueles que nasceram privados), mas também terá que se submeter às leis e às normas locais.
Há um conflito óbvio entre a tosca visão econômica do candidato e o presumido viés liberal de sua equipe de assessores na área, cuja solução é bem menos fácil do que muitos parecem acreditar. Se o assessor tem carta branca para formular propostas, mas só pode “bater o martelo” depois de falar com o chefe, a noção de que o domador segurará o urso se torna ainda mais complicada do que soava uns meses atrás.
A verdade é que o mercado financeiro se ilude com a promessa de um programa econômico liberal (ou talvez apenas se faça de bobo enquanto for conveniente) contra evidências crescentes sobre a dificuldade política de avançar nessa frente.
Repisando um tema que me é particularmente caro, a discussão nas eleições passou longe das questões de fundo, mais recentemente se concentrando nos esforços de desconstrução dos adversários.
A verdade é que nenhum dos candidatos deixa claro para a população o que pretende fazer do ponto de vista de reformas, como fica aparente no contorcionismo do provável ministro da Casa Civil num governo Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, sobre a vexatória questão do déficit da Previdência, para não falar do duplo mortal carpado que o PT tenta aplicar para se distanciar do programa proposto no primeiro turno, coordenado, vejam só, pelo próprio Fernando Haddad.
Vai ser difícil dar a real quando a bomba explodir. Parece que ninguém aprendeu com o fiasco formidável de Dilma Rousseff: nem os candidatos e certamente não os eleitores.
Alexandre Schwartsman
Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em 

Doria dobra aposta no elo com Bolsonaro, OESP

Pedro Venceslau, Adriana Ferraz e Fabio Leite , O Estado de S.Paulo
17 Outubro 2018 | 05h00
O ex-prefeito João Doria, candidato do PSDB ao governo de São Paulo, dobrou a aposta no presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e vai explorar ainda mais a imagem do candidato para tentar vencer a disputa no segundo turno. A estratégia dividiu o partido do capitão reformado. 
O entorno do tucano ficou apreensivo após Doria viajar ao Rio na semana passada e tentar sem sucesso um encontro com Bolsonaro, que alegou mal-estar. A campanha do governador Márcio França (PSB), que disputa a reeleição, explorou o episódio nas redes sociais. 
Doria e França
Doria e França disputam o 2º turno em São Paulo
Segundo um dos estrategistas do ex-prefeito, o planejamento no segundo turno é “surfar o tsunami do capitão” e ao mesmo tempo jogar “baldes de tinta vermelha” em França, que é apresentado como esquerdista e aliado do PT. 
Essa tática foi colocada em xeque após o senador eleito Major Olímpio, presidente do PSL em São Paulo, declarar voto em França no mesmo dia que o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, candidato derrotado do MDB ao governo, anunciou apoio ao atual governador.
Aliada de Doria, a jornalista Joice Hasselmann, deputada eleita pelo PSL, convenceu Bolsonaro a gravar um vídeo com uma breve declaração na qual ele deseja “sorte” ao tucano e crítica França. “No tocante ao Doria, quero agradecer o apoio dele. Eu sei que ele é oposição ao PT. Somos oposição ao PT. Eu sei que o outro, o França, tem o apoio do PT”, disse o presidenciável. 
O material rapidamente foi transformado em um comercial da campanha tucana, que também usou “depoimentos” de eleitores defendendo a chapa “Bolsodoria”. A ideia, segundo um interlocutor do ex-prefeito, é usar esse material exaustivamente até o fim da campanha. A avaliação no entorno de Doria é que a declaração “salvou” a campanha. 
A estratégia, porém, abriu um racha no PSL paulista. “Achei imoral e antiético o Doria usar esse vídeo, que só foi feito porque o Bolsonaro foi educado e elegante. O ex-prefeito fez disso uma tábua de salvação”, afirmou Major Olímpio. Segundo o dirigente do PSL, Bolsonaro está neutro em São Paulo, mas a maioria dos dez deputados federais e 15 estaduais eleitos pela sigla apoiam França. 
“O João (Doria) é um pouco mais à direita, enquanto o França representa que há de pior na esquerda e tem o PT atrás dele”, disse Joice. Segundo a deputada eleita, o responsável pelo desgaste de Bolsonaro com o PSDB foi Geraldo Alckmin, que o atacou no primeiro turno. 
Colaboração. Para rebater a ofensiva de Doria, França divulgou nas redes sociais postagens nas quais lembra que o tucano já elogiou e doou para políticos que hoje chama de “esquerdistas”, como o ex-ministro José Eduardo Martins Cardozo (PT) e a atual candidata a vice na chapa de Fernando HaddadManuela d’Ávila (PCdoB).
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelados pelo Estado em 2016 confirmam a “colaboração” de Doria. Cardoso e Manuela receberam R$ 10 mil de Doria em 2006 e 2010, respectivamente. Neste ano, com o embate direto com França, tanto o PSB como o próprio Skaf, que declarou apoio à reeleição do atual governador, viraram “esquerdistas”, segundo o tucano. 
O candidato João Doria confirmou as doações e disse que, como empresário, doou também para partidos como DEM, PSDB, PP e PSD. “Como se observa, nenhuma tendência ideológica ou viés partidário. As doações são compatíveis com o comportamento de um líder empresarial, como era o caso a época”, ressaltou em nota.
Ex-aliado. Gravações que registram Doria elogiando a liderança de Márcio França e declarando apoio irrestrito a ele também passaram a ser veiculadas nos programas eleitorais do PSB – em 2016, o partido de França chegou a doar R$ 25 mil à campanha do tucano. Dois anos depois, ele agora é classificado como “lobo em pele de cordeiro”. 
Na pré-campanha de Doria à Prefeitura em 2016, França foi escalado pelo então governador Geraldo Alckmin para comandar a articulação da formação da coligação do tucano, que conquistou o maior tempo de TV e rádio. 

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Só 4 das 50 imagens mais replicadas na eleição no WhatsApp são verdadeiras . FSP


SÃO PAULO
Um estudo em conjunto da USP, UFMG e da Agência Lupa analisou o grau de veracidade de 50 imagens que mais circularam emgrupos de WhatsApp entre os dias 16 de agosto e 7 de outubro de 2018, período de campanha do primeiro turno das eleições. Segundo o levantamento, apenas quatro imagens eram verdadeiras.
O estudo usou como base um levantamento feito com 347 grupos públicos de discussão política no WhatsApp, monitorados pelo projeto Eleições sem Fake, mantido pela UFMG. Nesses grupos públicos, 18.088 usuários postaram 846.905 mensagens. Dentre elas, 107.256 eram imagens; 71.931 eram vídeos; 13.890, áudios; 562.866, mensagens de texto e 90.962, links externos”.
Imagem com Dilma Rousseff ao lado de Fidel Castro na Revolução Cubana é uma montagem replicada em grupos de WhatsApp - Reprodução
Foram destacadas as 50 imagens mais compartilhadas, que passaram por checagem da Agência Lupa. Dessas, apenas quatro eram comprovadamente verdadeiras, segundo o estudo. 
O trio que coordenou o levantamento —Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa, Fabrício Benevenuto, cientista da computação e professor da UFMG, e Pablo Ortellado, professor e colunista da Folha— assinou um artigo no New York Times sobre o impacto das fake news compartilhadas pelo WhatsApp nas eleições presidenciais. 
Com base no estudo, eles cobram uma ação do WhatsApp para uma ação contra a proliferação de fake news —notícias falsas, manipuladas e divulgadas na rede. 
“Infelizmente, no primeiro turno o aplicativo foi usado para espalhar quantidade alarmante de desinformação, rumores e notícias falsas”, diz o texto. O artigo cita a pesquisa Datafolha que aponta que 44% dos eleitores dizem se informar pelo aplicativo de troca de mensagens.
Imagem de FHC e Lula juntos é verdadeira, mas o texto que a acompanha, que diz que eles se encontravam para assaltar bancos, é mentira.
Imagem de FHC e Lula juntos é verdadeira, mas foi compartilhada com texto em que diz que eles encontravam para assaltar bancos, o que é mentira - Reprodução
O grupo que coordenou o estudo sugere três ações específicas que poderiam ser tomadas pela empresa: restringir o número de vezes que uma única mensagem pode ser replicada, restringir o número de destinatários para quem uma mensagem pode ser enviada e aumentar o limite do número de usuários em cada grupo— hoje são 256.
Procurado pela Folha, o WhatsApp não se pronunciou até a publicação dessa reportagem. 

Em artigo publicado na Folha, o vice-presidente do WhatsApp,Chris Daniels, afirmou que a empresa está tomando providências contra o uso do aplicativo para disseminação de fake news.
O texto não cita nem tem relação com o estudo crítico ao WhatsApp divulgado nesta quarta. Entre as ações que a empresa diz estar tomando, cita a remoção “de milhares de contas por spam” e que incentivou a “iniciativas de checagem de fatos no Brasil”.