quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Guia de voto para os indecisos, FSP

Caminhos possíveis para quem não quer nem Bolsonaro nem Haddad

Os candidatos à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)
Os candidatos à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) durante entrevista ao Jornal Nacional - Reprodução
Como deve votar o eleitor que não quer nem Bolsonaro nem Haddad? O dilema pode assaltar mais de 66 milhões de brasileiros que ou votaram em outros candidatos ou não compareceram ou anularam/branquearam seus sufrágios.
A pedidos, esboço um pequeno guia de opções. Pela cartilha democrática, o segundo turno não é o momento de manifestar preferências, mas de tentar exercer o poder de veto. Assim, o mais sensato —e também o mais recomendado para quem acredita no poder das escolhas sociais— é que o eleitor reprima suas reações mais viscerais e vote no candidato que considerar menos ruim.
Para um contingente não desprezível de cidadãos, contudo, ambos os concorrentes são igualmente péssimos. Convenha-se que é fácil encontrar argumentos para não votar seja em Bolsonaro, seja no PT. Para esses eleitores, resta a opção entre abstenção (a multa é irrisória), justificativa (é preciso sair do município de domicílio eleitoral) e o voto branco/nulo.
Uma confusão frequente é afirmar que o branco/nulo beneficia o candidato que está na frente. Isso vale apenas para o turno inicial e só se houver uma chance de o primeiro colocado vencer logo de cara. Como nulos e brancos não são considerados votos válidos, eles reduzem o limiar de sufrágios que o postulante precisa atingir para vencer já no primeiro turno. No segundo turno, um nulo é apenas um nulo. Seu autor até pode ser acusado de omissão, mas não de favorecimento.
Para os espíritos mais hamletianos, que não conseguem mesmo decidir-se, minha sugestão é que esperem até o final. Sempre há a possibilidade de algum candidato dizer ou fazer algo que elimine de vez todas as dúvidas. Convém também ficar de olho nas pesquisas. Se elas apontarem para um quadro irreversível, a escolha pode ficar menos pesada. O que é certo é que o eleitor deve satisfações apenas à própria consciência, o que é o milagre e o perigo da democracia.

A democracia ainda tem uma chance, FSP

Há anos venho lutando por uma política de centro-esquerda, que rejeite o liberalismo econômico com competência e tire o Brasil da armadilha dos juros altos e do câmbio apreciado que vem desindustrializando o país e reduzindo sua taxa de crescimento para um quarto do que era antes de 1980.

Venho explicando esse baixo crescimento pelo domínio de uma coalizão política de centro-direita, financeiro-rentista --que, ao insistir em querer crescer com poupança externa, pratica o populismo cambial--, e por um populismo fiscal de centro-esquerda que, a partir de 2012, levou o país à crise fiscal. E venho defendendo a rejeição dos dois populismos como condição do desenvolvimento brasileiro.

Na minha análise sociopolítica dos embates que definem hoje o capitalismo brasileiro, eu via um "povão" atraído pelo populismo e pela liderança carismática de Lula, os empresários industriais e os intelectuais apostando em um desenvolvimento social de centro-esquerda, e a classe média tradicional, os rentistas e financistas, comprometidos com o liberalismo econômico e a armadilha dos juros altos.

Meu voto em Ciro Gomes nas eleições presidenciais foi a maneira que encontrei de dar expressão a essas ideias, as quais partiam do pressuposto de que a democracia estava consolidada no Brasil. Estas eleições, porém, indicam que eu talvez estivesse enganado em relação a esse último ponto: a democracia saiu gravemente ameaçada.

No dia 7, a democracia, a centro-direita representada pelo PSDB e a centro-esquerda, pelo PT, perderam; venceram o voto contra e o populismo de extrema direita. A centro-direita e o liberalismo foram derrotados, mas seus seguidores podem dizer que, "em compensação, Bolsonaro está mais perto do nós". Estarão cometendo grande equívoco. A centro-esquerda foi igualmente derrotada, mas poderá ainda evitar o mal maior se os brasileiros elegerem Fernando Haddad no segundo turno.

Quem ganhou foi a extrema direita. Ela se beneficiou da corrupção denunciada pela Operação Lava Jato, que atingiu todos os partidos, mas principalmente o PT, e da desmoralização dos políticos em geral.

Venceu o primeiro turno porque aproveitou-se do clima apaixonado de ódio que tomou conta da política brasileira a partir de 2013, quando ficou claro que o governo Dilma fracassara. Venceu não porque tivesse propostas, a não ser a bala, mas porque apelou ao voto contra.

O problema, agora, é saber se esse quadro extremamente preocupante pode ser revertido com a vitória de Fernando Haddad. Ele tem todas as condições pessoais para isto. Durante a campanha, enquanto Bolsonaro só fazia críticas, ele fez propostas claras e bem fundamentadas. Porque sabe que o voto racional é o voto a favor de um programa viável; é a escolha de um candidato que o eleitor prevê será capaz de bem governar.

Mas terá condições políticas? Em relação aos eleitores que entendem que "nada é pior do que votar no PT", não há nada a fazer (não estão sendo racionais); mas em relação à grande maioria dos eleitores, inclusive as classes médias tradicionais, há certamente um caminho.

Celso Rocha de Barros escreveu sobre esse tema um artigo notável nesta Folha (8/10). Para ele, "é hora de esquecer o programa do primeiro turno e abraçar o programa da frente democrática que deve se formar no segundo". "Esse programa deve reconhecer a necessidade de ajuste fiscal, corrigindo os defeitos do ajuste de Temer, e deixar de lado toda palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia, e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment."

O compromisso com a responsabilidade fiscal já está no programa de Haddad, mas vale a pena torná-lo mais claro. Quanto às "babaquices", Celso tem razão, como também a tem quando afirma: "Agora é a hora de o partido voltar a ser a alternativa da esquerda democrática como foi nos anos Lula."

A democracia ainda tem chance. Haddad não precisará rejeitar seu programa desenvolvimentista e social, que é o programa de uma vida, mas precisa deixar claro para todos os verdadeiros democratas, inclusive os liberais de centro-direita, que ele governará o Brasil muito melhor do que seu adversário.


Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

Paul Krugman Paul Krugman Donald e a negação mortal, FSP

A mudança no clima é uma farsa.
A mudança no clima está acontecendo, mas não é causada pelo homem.
A mudança no clima é causada pelo homem, mas fazer qualquer coisa quanto a isso destruiria empregos e acabaria com o crescimento econômico.
Esses são os estágios da negação quanto à mudança no clima. Ou talvez seja errado chamá-los de estágios, porque os negadores jamais abandonam qualquer de seus argumentos, mesmo que eles tenham sido completamente desmentidos pelas provas. Essas ideias são como baratas –afirmações falsas das quais você pode imaginar que se livrou mas que continuam a voltar.
De qualquer forma, o governo Trump e seus aliados –colocados na defensiva por mais um furacão mortal agravado pela mudança no clima e por um relatório ominoso das Nações Unidas– vêm repetindo todos esses velhos e falsos argumentos, nos últimos dias. Eu diria que é um espetáculo chocante, mas hoje em dia é difícil ficar chocado. De qualquer forma, o que vem acontecendo é um lembrete de que agora somos governados por pessoas que estão dispostas a colocar a civilização em rico por conveniências políticas, para não mencionar a engorda dos lucros das empresas de seus amigos no ramo do combustível fóssil.
Quanto às baratas: desconsiderados os detalhes, a multiplicidade mesma dos argumentos de negação quanto à mudança do clima –as histórias dos negadores mudam o tempo todo, mas a ideia central de que não devemos fazer coisa alguma é sempre a mesma– representa um sinal de má fé da parte dos oponentes da ação quanto ao clima. Eles não estão tentando tratar seriamente da realidade da mudança no clima, ou do aspecto econômico de uma redução nas emissões de poluentes; o objetivo deles é manter os poluidores livres para poluir pelo maior tempo possível, e apelarão a qualquer coisa que sirva a esse objetivo.
Mas ainda assim vale a pena destacar até que ponto os argumentos a que eles recorrem desabaram, nos últimos anos.
Hoje em dia, as pessoas que negam a mudança no clima parecem ter abandonado temporariamente a afirmação de que coisa alguma está acontecendo. A velha manobra de comparar as temperaturas atuais às de 1998, um ano incomumente quente, para negar que o planeta está se aquecendo –o que equivale a comparar a temperatura do início do verão à de um dia quente de primavera, e assim negar que o verão existe– foi inviabilizada pelo surgimento de diversos registros novos sobre a evolução das temperaturas. E as imensas tempestades tropicais alimentadas pelo oceano cada vez mais quente tornam as consequências da mudança no clima cada vez mais visíveis para o público.
Assim, a nova estratégia é tentar minimizar a gravidade do que vem acontecendo. Os modelos sobre a mudança do clima "não foram muito bem sucedidos", declarou Larry Kudlow, o principal assessor econômico da Casa Branca. Mas na verdade foram: o aquecimento global atual está bem em linha com projeções passadas. "Algo está mudando, e depois mudará de volta", afirmou Donald Trump no programa "60 Minutes", baseado em... bem, rigorosamente nada.
Tendo relutantemente concedido que o planeta está, sim, ficando um pouco mais quente, os negadores da mudança no clima afirmam não estar convencidos de que os gases causadores do efeito estufa são responsáveis por isso. "Não tenho certeza de que isso seja causado pelo homem", disse Trump. E embora ele tenha mais ou menos recuado de suas afirmações anteriores de que a mudança no clima é uma trapaça engendrada pelos chineses, continua a ver vastas conspirações da parte dos cientistas do clima, que segundo ele "têm uma agenda política muito grande".
Pense nisso. Décadas atrás especialistas previram, com base em fundamentos científicos, que as emissões de poluentes elevariam a temperatura mundial. Pessoas como Trump zombaram disso. Agora as previsões dos especialistas se confirmaram. E os negadores insistem em que as emissões não são culpadas, que algo mais deve estar causando a mudança, e que tudo isso é uma conspiração. Veja só.
Nossa, é como se Trump estivesse dizendo que os sauditas nada têm a ver com o desaparecimento de Jamal Khashoggi, que desapareceu depois de entrar em uma embaixada saudita - como se ele estivesse dizendo que ele foi morto por algum desconhecido misterioso. Opa, falando nisso...
Por fim, sobre o custo das medidas políticas de combate à mudança do clima. Já apontei no passado o quanto é estranho que os conservadores tenham completa fé no poder e flexibilidade das economias de mercado mas ao mesmo tempo afirmem que elas serão completamente destruídas caso os governos criem incentivos para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa.
Previsões apocalípticas sobre o custo da redução de emissões são especialmente estranhas se consideramos o imenso progresso tecnológico na energia renovável. O custo da energia solar e eólica despencou. Enquanto isso, as usinas de energia acionadas a carvão se tornaram tão pouco competitivas que o governo Trump deseja subsidiá-las, em detrimento de energia mais barata.
Em resumo, embora os argumentos daqueles que negam a mudança no clima sempre tenham sido fracos, eles enfraqueceram ainda mais. Ainda que uma pessoa há cinco ou dez anos estivesse convencida de que esses argumentos procediam, os desdobramentos subsequentes bastariam para levá-la a mudar de ideia.
Na verdade, é claro, a negação da mudança no clima jamais teve muito a ver com lógica ou provas; como eu disse, seus praticantes estão claramente argumentando de má fé. Não acreditam realmente no que estão dizendo. Só estão em busca de desculpas que permitam que pessoas como os irmãos Koch continuem a ganhar dinheiro. Além disso, os progressistas desejam limitar as emissões de poluentes, e o que mais importa para o conservadorismo moderno é derrotá-los.
Uma maneira de pensar sobre o que está acontecendo aqui é que se trata do mais extremo exemplo de corrupção ao modo Trump. Temos bons motivos para acreditar que Trump e seus colegas estão vendendo o país por ganho pessoal. Mas quando o assunto é a mudança do clima, eles não estão só vendendo só os Estados Unidos; estão vendendo o mundo inteiro.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman
Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.