domingo, 30 de setembro de 2018

O Brasil do fenômeno Bolsonaro, FSP ( Jesus!)

Em sua história na política, ele não vendeu seus princípios

Fernando Fernandes (centro, em 1º plano), junto com outros apoiadores de Bolsonaro, no Rio de Janeiro - Raquel Cunha - 2.ago.18/Folhapress
Para compreender o fenômeno Bolsonaro, precisamos romper com os estereótipos e ir além da disputa rasteira que se tornou o debate público brasileiro. É necessário observar três aspectos: o primeiro é um fator histórico típico da realidade brasileira de nossos ciclos de mudanças; o segundo é o momento que a política internacional vive; e, por último, deve-se observar a profunda mudança de perfil eleitoral que o Brasil está experimentando.

O dado histórico é que o Brasil vive ciclos de mudanças em seu cenário político que ocorrem a cada 30 anos. Há 30 anos, Collor chegou ao poder por um partido pequeno, o PRN, assim como Jânio Quadros, 30 anos antes dele, pelo minúsculo PTN. Em ambos os casos, esses ex-presidentes enfrentaram grandes estruturas partidárias e venceram embalados pela onda de renovação, com campanhas baseadas especialmente no combate aos corruptos. 

O movimento que vemos se fortalecer agora começou com as manifestações de 2013, indicou uma tendência para as eleições de 2014 e 2016, ganhou corpo com as revelações sobre o sistema criminoso institucionalizado na Era PT, exposto pela Operação Lava Jato e pelas manifestações pró-impeachment de Dilma Rousseff. 

Portanto, 2018 tende a ser o ápice de uma longa lista de acontecimentos que refletem uma mudança profunda e estrutural no perfil eleitoral do Brasil.

O eleitorado não suporta mais o "rouba mais faz", deixou de ver no PSDB uma oposição real ao PT, substituiu majoritariamente o jornal e a televisão e passou para as redes sociais.

Além disso, graças ao esforço e senso de oportunidade ímpar do mercado editorial, passou a ter acesso a autores que antes eram absolutamente negligenciados, como Roger Scruton, Theodore Dalrymple, Thomas Sowell, dentre outros. 

No plano internacional, o Brasil está inserido no espírito da nossa época. Depois de um período longo de governos de esquerda na América Latina e de um projeto de hegemonia cultural fundado nas ideias de Antonio Gramsci (1891-1937), estamos vivenciando seu esgotamento.
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Chile, Argentina, EUA, Holanda, Colômbia, Hungria, Paraguai e Peru são exemplos de países que viveram nos últimos anos uma guinada à direita.

O politicamente correto que calava parte considerável de vários povos está perdendo poder. No Brasil, deixou de ser um horror se declarar conservador ou de direita. E despertamos para uma realidade: somos maioria. Mas, afinal, o que fez Jair Bolsonaro chegar aonde está?

Foi ele mesmo. Em sua história na política, Bolsonaro não aceitou cargos, não vendeu seus princípios, não serviu à mentira nem moderou a verdade. Nunca teve medo de perder o mandato e, fazendo oposição solitária no auge do governo Lula, acabou sendo nacionalmente reconhecido por seus posicionamentos. O que, aliás, hoje lhe rende a fidelidade de seu eleitorado. 

Frequentemente gostam de comparar Bolsonaro a Trump. E, de fato, podemos dizer que duas semelhanças eles têm. Em primeiro lugar, o atual presidente americano falava aos desempregados, aos miseráveis, desesperançados e às vítimas do sistema político americano, tornando-se acessível às necessidades da população. Além disso, seus eleitores foram tratados como "deploráveis" por seus adversários, pela mídia e por seus opositores. 

Isso não é diferente do que se tem feito com os eleitores de Bolsonaro. O reacionário de Nelson Rodrigues, aquele que reage a tudo que não presta, deixou de ter vergonha de se posicionar. Resolveu enfrentar o politicamente correto, resolveu ir às ruas e fazer campanha de graça. Eleitor ferido é eleitor aguerrido e motivado.
Fernando M. Fernandes
Bacharel em direito pela UFRJ e mestrando em ética e filosofia política pela UERJ

Falta de desapego impede coalizão, FSP

Seria demais imaginar um Churchill por aqui, mas esperava-se ao menos um Chamberlain

Em maio de 1940, a Europa assistia ao começo da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha, liderada por um vigarista, repetidamente descumprira os acordos de paz e invadira a República Tcheca e a Polônia.
Por diversas vezes o Partido Conservador inglês tentara evitar uma guerra com a Alemanha negociando armistícios com Hitler e os seus prepostos. A boa-fé foi de pouca valia.
Na Inglaterra, um político decadente discordava do seu partido, então na liderança do Parlamento.
Churchill, filho de um nobre com carreira atrapalhada na política britânica, era conhecido pelos seus fracassos memoráveis. Com a arrogância dos jovens que afirmam muito por saberem pouco, liderara a ação militar desastrosa em Dardanelos, na Turquia, durante a Primeira Guerra.
A história lhe daria o benefício de novos fracassos. Foi ministro da Fazenda na antessala da crise de 1929. Na mesma época, elogiou Mussolini, com quem se encontrou durante uma visita à Itália.
Nesse longo período, saiu e voltou ao Partido Conservador, para desprezo dos seus correligionários. Em meados da década de 1930, no entanto, Churchill acertou.  
Passou a denunciar o austríaco de bigode curto que comandava a Alemanha como uma ameaça à paz da Europa. Churchill, que bebia além do razoável, rechaçava qualquer acordo com o abstêmio que iniciaria uma guerra devastadora.
O ex-premiê britânico Winston Churchill
O ex-premiê britânico Winston Churchill - Reprodução
Churchill estava certo e o fracasso das tentativas de acordo com o nazista teve um desdobramento inesperado.
O político decadente foi escolhido primeiro-ministro da Inglaterra, em maio de 1940, em um governo de coalizão que incluía os conservadores e a oposição trabalhista.
Poucos se lembram de Chamberlain, também do Partido Conservador. Ele era primeiro-ministro e havia defendido as negociações com Hitler. Surpreendido pela desonestidade do austríaco, porém, reconheceu o seu fracasso contra a guerra e apoiou a escolha de Churchill como premiê.
O resultado é por demais conhecido. A Inglaterra resistiu aos bombardeios alemães durante meses. O político das frases memoráveis, que tomava champanhe nas horas mais improváveis, tornou-se o líder da resistência ao nazismo.
O novo primeiro-ministro reconheceu publicamente as dificuldades e os inevitáveis sacrifícios para defender a democracia. O velho obeso, com tantos fracassos nas costas, entrou para a história com as honras de um herói tão grandioso quanto inesperado.
Seria demais imaginar um Churchill por aqui. Esperava-se ao menos que existisse alguém como Chamberlain, mas parece que a falta de grandeza impede renúncias em favor de uma candidatura reformista de centro para enfrentar os difíceis desafios de um país que tangencia o precipício.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.