domingo, 30 de setembro de 2018

Falta de desapego impede coalizão, FSP

Seria demais imaginar um Churchill por aqui, mas esperava-se ao menos um Chamberlain

Em maio de 1940, a Europa assistia ao começo da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha, liderada por um vigarista, repetidamente descumprira os acordos de paz e invadira a República Tcheca e a Polônia.
Por diversas vezes o Partido Conservador inglês tentara evitar uma guerra com a Alemanha negociando armistícios com Hitler e os seus prepostos. A boa-fé foi de pouca valia.
Na Inglaterra, um político decadente discordava do seu partido, então na liderança do Parlamento.
Churchill, filho de um nobre com carreira atrapalhada na política britânica, era conhecido pelos seus fracassos memoráveis. Com a arrogância dos jovens que afirmam muito por saberem pouco, liderara a ação militar desastrosa em Dardanelos, na Turquia, durante a Primeira Guerra.
A história lhe daria o benefício de novos fracassos. Foi ministro da Fazenda na antessala da crise de 1929. Na mesma época, elogiou Mussolini, com quem se encontrou durante uma visita à Itália.
Nesse longo período, saiu e voltou ao Partido Conservador, para desprezo dos seus correligionários. Em meados da década de 1930, no entanto, Churchill acertou.  
Passou a denunciar o austríaco de bigode curto que comandava a Alemanha como uma ameaça à paz da Europa. Churchill, que bebia além do razoável, rechaçava qualquer acordo com o abstêmio que iniciaria uma guerra devastadora.
O ex-premiê britânico Winston Churchill
O ex-premiê britânico Winston Churchill - Reprodução
Churchill estava certo e o fracasso das tentativas de acordo com o nazista teve um desdobramento inesperado.
O político decadente foi escolhido primeiro-ministro da Inglaterra, em maio de 1940, em um governo de coalizão que incluía os conservadores e a oposição trabalhista.
Poucos se lembram de Chamberlain, também do Partido Conservador. Ele era primeiro-ministro e havia defendido as negociações com Hitler. Surpreendido pela desonestidade do austríaco, porém, reconheceu o seu fracasso contra a guerra e apoiou a escolha de Churchill como premiê.
O resultado é por demais conhecido. A Inglaterra resistiu aos bombardeios alemães durante meses. O político das frases memoráveis, que tomava champanhe nas horas mais improváveis, tornou-se o líder da resistência ao nazismo.
O novo primeiro-ministro reconheceu publicamente as dificuldades e os inevitáveis sacrifícios para defender a democracia. O velho obeso, com tantos fracassos nas costas, entrou para a história com as honras de um herói tão grandioso quanto inesperado.
Seria demais imaginar um Churchill por aqui. Esperava-se ao menos que existisse alguém como Chamberlain, mas parece que a falta de grandeza impede renúncias em favor de uma candidatura reformista de centro para enfrentar os difíceis desafios de um país que tangencia o precipício.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

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