domingo, 2 de junho de 2013

Networking do xadrez, do Aliás


Prisões dominadas pelo PCC ajudam detentos a ampliar a rede criminal

01 de junho de 2013 | 16h 27

Bruno Paes Manso
Em abril, São Paulo ultrapassou a casa dos 200 mil presos. Eles se amontoam em apenas 102 mil vagas disponíveis no sistema penitenciário paulista. Quais os resultados dessa política de encarceramento em massa? A socióloga Camila Nunes Dias, que lança na quarta-feira o livro PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência (Editora Saraiva), em que descreve o papel da facção nas prisões de São Paulo, mostra como os efeitos colaterais do remédio (a pena de privação de liberdade) podem, muitas vezes, ser piores que a própria doença a ser curada (o crime). Diante da força do PCC, ela afirma que o sistema penitenciário vive um impasse.
Camila Nunes Dias, socióloga  - Divulgação
Divulgação
Camila Nunes Dias, socióloga
Atualmente, em vez de ser o instrumento de punição para coibir os crimes, o sistema prisional tornou-se etapa importante para ascensão no universo criminal. Nos presídios, graças aos longos tentáculos sociais do PCC, os criminosos ampliam as oportunidades de fazer contatos com quadrilhas organizadas. Para eles, as prisões, assim, deixam de ser vistas como ameaça e se transformam em oportunidade para o sucesso na carreira.
O PCC, ao mesmo tempo, garantindo a ordem no cárcere, acaba se fortalecendo e ampliando sua legitimidade entre os criminosos. Desatar esse nó, segundo ela, é um dos maiores desafios da política de segurança pública nos dias de hoje.
Mais forte
"A maior prova de força atual da facção é a capacidade do PCC de manter a ordem social nas prisões, a despeito das péssimas condições do encarceramento. Celas de 12 lugares têm 50 presos. A situação é muito precária no sistema e o PCC segura os motins e rebeliões. Se o PCC representasse minimamente a população carcerária, a gente teria hoje rebeliões maciças por melhores condições nas prisões. Mas, em vez disso, o PCC se tornou um ator político que mantém certa ‘acomodação’ com o Estado. O que o PCC ganha em manter a calma no sistema? As principais lideranças do PCC estão cumprindo pena em unidades comuns, em vez de serem mandadas para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Enquanto a maioria dos Estados manda seus criminosos para presídios federais, São Paulo não manda.
Ordem nos presídios
"Irmãos do PCC fazem a mediação de diversos tipos de conflitos nos presídios: resolvem problemas com visitas, com comida, etc. Em algumas unidades eles controlam o acesso a bens materiais, como itens de higiene e medicamentos. Muitas vezes, a administração prisional passa os medicamentos para que eles distribuam à população carcerária. Isso vai depender da unidade. As lideranças têm um papel muito importante na regulação dos conflitos que ocorrem na prisão, no acesso a bens materiais básicos e de produtos ilícitos, como maconha, cocaína e bebidas alcoólicas. A administração prisional acaba muitas vezes legitimando os presos como seus interlocutores. Eu testemunhei um problema que houve na cozinha de um presídio. O responsável da administração teve que conversar com o piloto do PCC para autorizar a tirar o detento que estava dando problema.
Alcance nacional
"O PCC passa por três fases. A primeira, quando ele nasce, em 1993, até 2001, quando ocorre a primeira megarrebelião. O PCC começa a se expandir pelas unidades prisionais pelo uso recorrente da violência. Havia decapitações e outras formas de matar. A partir da primeira megarrebelião, o PCC mostra a cara. A reação do Estado foi sobretudo a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, que nunca cumpriu o objetivo de desarticular o PCC. Em 2006, ocorrem novos ataques, em maio, fase que se caracteriza pela consolidação do PCC, não só dentro como fora das prisões. Acho que a facção vai atualmente em direção a uma quarta fase, que eu chamo de nacionalização. Há evidências muito fortes da presença de membros e sintonias do PCC em diversos Estados. Há casos em que não existem dúvidas sobre a presença do PCC, como Mato Grosso do Sul e Paraná. Acho que vai haver configurações diferentes conforme o Estado, de acordo com as articulações com o crime local.
Carreira criminal
O criminoso não quer ser preso, claro. Mas passar pela prisão representa hoje um ganho simbólico. É um status para a carreira do criminoso. A prisão também é uma etapa positiva no sentido de ampliar a possibilidade de se inserir em redes mais complexas de crime. A prisão é mais do que uma faculdade. O ladrão de carro, por exemplo, que age sozinho, vai ter contato com uma série de pessoas. Quando ele sair de lá, vai poder se inserir em uma rede criminal mais complexa, que envolve levar o carro para outro país, trocar por drogas, etc. A prisão possibilita a ampliação dos contatos, o fortalecimento dos laços no mundo do crime e da ideologia que é a base do PCC. O Estado, muitas vezes, ressalta o aspecto da violência do PCC. Óbvio que há violência. Mas apenas esse aspecto não explica o tamanho do PCC. É importante compreender como o discurso contra a opressão ganha legitimidade conforme aumenta a opressão do Estado contra os presos.
Homicídios
"Vejo como clara a relação entre o PCC e a queda dos homicídios. No espaço prisional é nítido. Fora das prisões, o papel da facção também é importante. Na medida em que o PCC se apropria da possibilidade de aplicar punições àqueles que transgridem a lei, você cria uma instância de mediação e regulação de conflito. O PCC é essa instância de mediação. Nos debates promovidos pela facção, os lados em conflitos são chamados para ponderar e encontrar solução. Dentro das prisões é quase impossível morrer um preso. Antes, um preso tinha um problema com o outro, ia lá e matava. O outro grupo se vingava, criando um ciclo. Com a ascensão do PCC, esses ciclos de vingança se rompem, porque nenhum preso hoje pode dar um tapa no outro sem autorização do PCC. Fora, é mais ou menos igual. Os conflitos vinculados a atividades ilícitas em grande parte são regulados pelo PCC. Existe uma hegemonia no mercado de drogas. E quando essa hegemonia existe, os homicídios não interessam.
Nobel da paz
"O coronel José Vicente da Silva (ex-secretário nacional de Segurança) me provocou em um programa de TV ao perguntar se não era o caso de dar o Nobel da Paz ao PCC ou levá-lo para resolver o problema de homicídios na Bahia. Sobre o Nobel da Paz, o PCC não medeia os homicídios porque é bonzinho e valoriza a vida, mas por uma questão de negócios. Nas primeiras fases, matar era preciso. Agora que o poder se consolidou em São Paulo, matar é antieconômico. Em relação aos outros Estados, em muitos a violência está relacionada à disputa no mundo do crime. E o PCC atua nessa disputa e mata para ganhar mercado. Quando é preciso matar, ele mata." 

O câmbio, a renda e a indústria - SAMUEL PESSÔA

 

FOLHA DE SP - 02/06

Políticas que desvalorizam o câmbio em 20% são associadas às que reduzam a renda das famílias em 5%


Na quarta-feira que passou, o IBGE divulgou o resultado das contas nacionais referentes ao primeiro trimestre de 2013. Novamente o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) decepcionou.

Crescemos míseros 0,6% ante o quarto trimestre de 2012. Se mantivermos essa toada nos três trimestres restantes de 2013, teremos crescido 2,3% no ano ante 2012.

Pela ótica da oferta, o setor que mais decepcionou foi a indústria.

A indústria de transformação cresceu 0,3% ante o quarto trimestre de 2012. Tomando como base o terceiro trimestre de 2008, a indústria de transformação encontra-se em um nível 5,5% abaixo.

Serão cinco anos, de 2009 até 2013, com a indústria de transformação rodando abaixo do pico pré-crise.

Há diversos economistas que consideram a indústria de transformação como o setor que lidera o crescimento econômico. Esses mesmos analistas avaliam que o problema de desempenho está associado a um câmbio muito valorizado.

Na coluna de hoje não debaterei essas duas proposições. Mostrarei as dificuldades de alterar o câmbio.

Peço ao leitor paciência para se debruçar um instante sobre o gráfico desta página.

Cada ponto do gráfico contém duas informações. No eixo horizontal está representada a renda média da população brasileira medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada anualmente pelo IBGE. O IBGE vai a campo no mês de setembro de todos os anos e entrevista amostra representativa da população brasileira de 300 mil domicílios.

Como os diversos dados de renda correspondem ao mês de setembro em diferentes anos, coloquei todos os dados em R$ de setembro de 2009 para controlar o efeito da inflação. Empreguei como indexador o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE.

Os dados referem-se aos anos de 1995 até 2011, excluindo 2000 e 2010, anos de censo demográfico, quando não há Pnad.

No eixo vertical se lê a segunda informação de cada ponto do gráfico: a taxa de câmbio real referente ao mês de setembro de cada ano.

A taxa de câmbio real é dada pela taxa de câmbio nominal corrigida pela diferença da inflação doméstica com a inflação de nossos parceiros comerciais.

Por exemplo, se houver inflação de 10% por aqui e nos países com os quais comercializamos a inflação for nula, o câmbio real terá valorizado em 10% se o câmbio nominal tiver ficado parado.

O gráfico expõe de forma cristalina as dificuldades da indústria. Há clara e elevada correlação negativa entre câmbio e renda. Se o câmbio desvaloriza-se, a renda cai e vice-versa.

Ou seja, para atendermos aos interesses legítimos da indústria de um câmbio mais desvalorizado temos que avançar sobre o interesse legítimo das famílias brasileiras de maior renda.

A correlação entre ambas as variáveis sugere que políticas que desvalorizam o câmbio em 20%, o que levaria o real a ser cotado em 2,5 por dólares americanos, são associadas a políticas que reduzam a renda das famílias em 5%. Essa queda é próxima da queda de 7% na renda média da Pnad observada em 2003 ante 2002.

Falta à indústria encontrar algum político que defenda a sua bandeira em 2014.

O Banco Central e o PIB - CELSO MING


O ESTADÃO - 02/06

Certos analistas estranharam a decisão do Banco Central, tomada quarta-feira, de redobrar a dose dos juros básicos (Selic), mesmo após saber que o avanço do PIB do Brasil no primeiro trimestre fora uma enorme decepção.

Pareciam entender que, no caso de uma atividade econômica fraca, os juros devessem cair – não subir e, menos ainda, o dobro do que subiram no mês anterior –, como se o Banco Central estivesse obrigado a executar o que muitos no governo entendem erradamente como política anticíclica.

Os analistas aparentemente não enxergam que, neste momento, a inflação se tornou problema mais grave do que o PIB magricela. A inflação alta é uma das causas do baixo desempenho da atividade econômica.

Essa foi, aliás, a advertência feita, também na quarta-feira, horas antes da tomada de decisão do Copom, pela gerente de Coordenação de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis. Ela chamou a atenção para a corrosão do poder aquisitivo e, portanto, do consumo das famílias, importante componente do PIB, causada pela inflação.

É uma eloquente refutação prática do ponto de vista de que “um pouco de inflação sempre ajuda no crescimento”. Às vezes, até funciona como dopping, mas sempre tende a atacar a saúde do organismo econômico. Segue-se que, ao combater a inflação com sua política monetária (política de juros), o Banco Central concorre para criar condições para o crescimento econômico sustentável, e não o contrário. Mas isso não é tudo.

Há os que argumentam que um banco central não pode limitar-se estrabicamente a combater a alta de preços; deve trabalhar, também, para proporcionar crescimento econômico. Este ponto de vista também é um desvio do que deve ser o regime de duplo mandato, caso do Fed, banco central dos Estados Unidos.

Antes de tudo, o segundo mandato dos bancos centrais (o primeiro é combater a inflação), quando há, não é garantir o crescimento, mas assegurar o emprego, o que não é a mesma coisa. No Brasil, por exemplo, temos um combalido crescimento com pleno emprego. Mais ainda, o excessivo aquecimento do mercado de trabalho vem sendo uma das principais causas da inflação, não só porque aumenta os custos de produção, mas, também, porque cria renda acima do aumento da produtividade da economia. Quem há meses está denunciando essa situação é o Banco Central.

Vistas as coisas por outro ângulo, o mercado de trabalho excessivamente pressionado, como hoje no Brasil, é um forte limitador da atividade econômica; derruba o chamado crescimento potencial. Quem não entende isso, que tente responder à seguinte pergunta: se mesmo com um crescimento merreca, como o de agora, há escassez de mão de obra no Brasil, especialmente a qualificada, o que não estaria acontecendo no mercado de trabalho se o PIB estivesse avançando os 4,0% ou 4,5% ao ano, como quer o governo?

Finalmente, se a política de juros fosse manobrada no sentido de aumentar ainda mais o emprego, estaria concorrendo para aumentar a inflação e, mais à frente, para prejudicar ainda mais o desempenho da atividade econômica.