domingo, 9 de dezembro de 2012

'O mundo inteiro vai ter juro muito baixo por uma década'


LEANDRO MODÉ - O Estado de S.Paulo

O juro baixo no Brasil veio para ficar e traz como efeito colateral o fortalecimento do dólar, que caminha para R$ 2,20. A crise internacional vai demorar a se resolver e exigirá taxas de juros inferiores à inflação no mundo todo durante uma década. E o crescimento econômico brasileiro só vai acelerar com reformas profundas.
Esse é, em resumo, o diagnóstico de Luís Stuhlberger, gestor de recursos de terceiros mais respeitado do País, para as economias global e nacional. Para profissionais como ele, é um cenário "muito chato". Para investidores comuns, é a comprovação de que não há milagre para multiplicar o dinheiro no curto prazo. "Para conseguir algum rendimento, será preciso alongar um pouquinho (os prazos das aplicações)", diz Stuhlberger. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.
PIBINHO
"Em agosto de 2010, escrevi um relatório de gestão que dizia que o modelo de desenvolvimento do Brasil desde 1989, após a nova Constituinte, era baseado na premissa CCC: crédito, consumo e commodities. Foi um modelo, aliás, que deu certo por um tempo. Mas não adianta agora, quando entra em colapso, querer achar culpados de curto prazo. Sempre achei que esse modelo ia dar errado. Houve alguns erros de origem e os problemas demoram para aparecer. Economia não é algo que você planta agora e o resultado vem logo a seguir. A União Soviética, por exemplo, levou 70 anos para entrar em colapso. Durante 40 ou 50 anos, muitos achavam que era bom."
VEM DE LONGE
"Como éramos um país com alto nível de sonegação e informalidade do emprego, o governo começou a taxar consumo e produção. Ir em cima dos 5 mil maiores contribuintes é fácil. Mas um país como o Brasil não pode pagar 35% do PIB de imposto. Aqui, tributos sobre produção e consumo, incluindo o Imposto sobre Importações, equivalem a 15% do PIB. A média mundial está em torno de 10%. Nos EUA, são 4%. Ou seja, esse modelo que tributa produção e consumo é altamente ineficiente. Causa distorção na cadeia produtiva. Isso se chama falta de competitividade. É uma herança maldita que a presidente Dilma recebeu e está começando a mexer com desonerações. Afinal, o que é desoneração? Tirar imposto de produção e consumo."
ESCOLHA DE SOFIA
"Esse conjunto de juro negativo, câmbio desvalorizado e protecionismo é resultado de uma escolha do governo entre o ruim e o péssimo. O ideal seria poder escolher entre o bom e o ótimo. Mas não temos essa possibilidade hoje. Nas condições atuais, é melhor protecionismo do que deixar a indústria quebrar."
CASTELO E AREIA MOVEDIÇA
"Construímos um país que tem, hoje, características de consumo, serviços financeiros e um segmento imobiliário de uma nação com PIB per capita de US$ 15 mil/ano. Mas temos ensino, infraestrutura e saúde de um país com renda per capita de US$ 5 mil/ano. Isso significa que há muitas coisas disparatadas. Em outras palavras, a história do Brasil hoje é um castelo construído sobre areia movediça. É muito difícil saber, daqui a três ou quatro anos, o que vai dar certo. Não sei se vamos pavimentar a areia movediça ou se o castelo vai ruir em cima da areia movediça. Hoje temos pelo menos uma vantagem: há um diagnóstico. A presidente Dilma entende esse diagnóstico. Diria que o governo está no caminho certo. O problema é a forma. A mudança em energia, por exemplo, foi feita abruptamente."
MEIO CHEIO, MEIO VAZIO
"Precisamos lembrar que, bem ou mal, a dívida líquida está em 35% do PIB. O déficit em conta corrente é de 2% do PIB. Ainda temos reservas cambiais grandes. E alguns focos de crescimento se mantêm, mesmo sem mudar o modelo. Se você vai ao Nordeste, percebe que ainda há um boom em curso. Essa sensação de parada é uma coisa de São Paulo. Tem o outro lado também: a segurança urbana piorando, o colapso da infraestrutura... Há um ponto para o qual vale especial atenção. O nosso PIB está muito dependente da venda de automóveis. Mas o ritmo de venda dos últimos anos é insustentável. Já temos mais carro do que precisamos. É muita falta de planejamento."
SENSAÇÃO OU REALIDADE
"Se o IBGE fizesse um ano de greve, não teríamos dados oficiais do PIB. Então, você iria às ruas e perguntaria às pessoas qual a sensação delas sobre o PIB. Elas estariam felizes. A sensação do PIB pelo lado do consumo e da felicidade é muito mais alta do que os números mostram. O consumo anda muito bem. A questão é: até quando isso vai se manter? Quando o consumo patinar e a popularidade do governo cair, os ratos vão sair do porão."
DILMA E A COCA-COLA GELADA
"A relação da presidente Dilma com o capital é parecida com a da minha avó com a Coca-Cola gelada. Quando eu tinha 10 anos, jantava na casa dela toda sexta-feira. E pedia Coca-Cola gelada. Ela passou anos e anos dizendo que não, que fazia mal para a saúde. Um dia, enfim, ela disse que teríamos Coca gelada. Quando cheguei para o jantar, a Coca estava lá. Mas quente. Perguntei para ela por quê. Ela disse que tinha tirado da geladeira algumas horas antes porque achava que já tinha gelado demais.... A Dilma, com o capitalismo, tem sido assim. Flerta, flerta e, no final.... Mas o Brasil tem uma vantagem: nós nos autocorrigimos. Somos diferentes do resto da América Latina, que erra e continua errando. Vide Cristina Kirchner, Hugo Chávez, etc. O Brasil vai e volta. É o país da negociação."
INVESTIDOR x CIDADÃO
"Nós todos trabalhamos no mercado financeiro e queremos investir nas companhias. Mas, ao mesmo tempo, quando eu ligo para um call center e vejo que o serviço é uma porcaria e eles não cumprem o que prometem, desligo o telefone e penso: 'Eu quero que a Dilma dê uma porrada nesses caras!' Às vezes, parece que o que é ruim para o investidor é bom para o Brasil. O maior inimigo do capitalismo não é a crise. É a competição. A melhor maneira de o governo resolver esses problemas é competição."
O MAIOR RISCO
"A coisa mais perigosa que o governo faz hoje é a gestão das estatais. Esse é o maior erro. É mais perigoso do que as pessoas imaginam. Se der errado, vai dar muito errado. É um problema que já apareceu na Petrobrás e na Eletrobrás, mas ainda não no BNDES, no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. A Eletrobrás é um caso extremo porque ficou sem dinheiro e a renovação foi feita em péssimas condições. Mas, de novo, acredito em autocorreção. A presidente Dilma é uma pessoa que aprende muito rápido."
FINALMENTE, O MUNDO VIU
"Gestor de recursos olha as coisas e não pensa se há algo necessariamente bom ou ruim. Depende do preço. Achava o Brasil errado com o câmbio a R$ 1,70. A R$ 2,15, não é tanto. Muitas ações desabaram no Ibovespa. Eu olho e penso: nesse preço, está mais de acordo com a realidade. Talvez minha inquietação nos anos anteriores era pensar: 'Caramba, o Brasil é cheio de problemas e o mundo não vê.' Agora estou tranquilo porque o mundo vê."
SEM OPORTUNIDADES
"Hoje estou pensando em qual é a grande oportunidade. Não tem. O que, aliás, é muito chato para quem está gerindo dinheiro. Estou meio triste por isso. Vai ser dura a nossa profissão. Se você me perguntar se hoje vejo algum grande erro do mercado nas previsões de juros, inflação e ações, eu diria que não. O único ponto que me parece mal precificado é o risco fiscal. Mas não é grosseiramente errado, como era o câmbio até um tempo atrás."
JURO VEIO PARA FICAR
"O juro baixo veio para ficar, mas não sei se tão baixo. O próprio mercado mostra, com base na curva futura, um equilíbrio na faixa de 9% a 9,5% em 2017 e 2018. Na prática, o mercado está dizendo que o juro normalizado no Brasil estaria nessa faixa, com juro real na casa de 3,5%. Não somos uma ilha. Acho que o Brasil errou, por muitos anos, pelo juro mais alto do que o necessário. O Brasil usou muito pouco macroprudencial. Não quero dizer que tenha de usar só macroprudencial. Mas um pouco, sim."
ACABOU O MAMÃO COM AÇÚCAR
"Há dois tipos de órfãos no Brasil: os do CDI e os do Ibovespa, porque um monte de ação subiu 50% e o Ibovespa subiu zero. De 1994 até julho de 2008, bastava comprar o Ibovespa e partir para o abraço. De lá para cá, o índice está parado. Várias empresas mais do que dobraram de preço nesse período. Mas acabou o dinheiro fácil. Não se trata mais de comprar Ibovespa."
PEQUENO INVESTIDOR
"Se eu tivesse de escolher um ativo simples para recomendar seria uma NTN-B com vencimento em 2016. Vai pagar inflação mais 2,6%, 2,7% ao ano. Não é um papel muito longo e protege da inflação. Em termos nominais, vai render 9% a 10% ao ano, o que está bom dentro das circunstâncias do mundo, que está pagando zero. O investimento diário tem de remunerar zero mesmo. No mundo de hoje, que tem excesso de poupança, nem aqui, nem nos Estados Unidos, nem no Japão nem em nenhum lugar do mundo haverá juro real por uma década. Não vai ter. O juro real de curto prazo é negativo. Para conseguir algum rendimento, será preciso alongar um pouquinho."
MERCADO ERROU NO CÂMBIO
"Essa história de dizer que o câmbio é fixo não é verdade. O que fez e está fazendo o dólar ir para o lugar atual é o juro. Isso foi subestimado pelo mercado. Quem errou não deve pôr a culpa no Banco Central. Era previsível a alta de R$ 1,70 para R$ 2,10, R$ 2,15. A taxa de juros era a ração do real. Nosso estudo de longo prazo de câmbio, olhando todas as variáveis, aponta que o preço correto do dólar é R$ 2,20. Estamos indo para lá lentamente. Hoje, o governo está administrando a volatilidade."
CRISE GLOBAL
"Estou muito construtivo com os Estados Unidos, que vão sair bem da crise. Talvez haja um susto com essa história do abismo fiscal. Quanto à crise da Europa, é um mistério. Havia muita ineficiência e ainda há. Mas quase todos os países estão fazendo lição de casa profundíssima. No entanto, não creio que a Europa aguente outro choque. Se houver algo daqui a seis meses, a austeridade não suportará. Mas, por ora, parece que não vai acontecer."
ELES E NÓS
"Sou mais otimista com o mundo do que com o Brasil. Não contem com gregos, espanhóis e chineses para estragar o Brasil. Eles não são suficientemente bons para isso. Eles vão fazer a lição de casa deles."
Formado em engenharia, é um dos mais respeitados administradores de recursos de terceiros do País. A família de fundos da qual é responsável, chamada de Verde, acumulava rentabilidade no ano de 18,63% até 30 de novembro. A taxa básica de juros (Selic) foi de 8,5%, na média desses 11 meses.

Crédito para o mercado imobiliário, pela primeira vez, supera o de automóveis


José Roberto de Toledo e Luiz Guilherme Gerbelli - O Estado de S. Paulo
O crédito destinado para o setor habitacional e imobiliário superou o do setor automotivo pela primeira vez no Brasil. A virada ocorreu em agosto e a diferença tem aumentado, revelam dados do Banco Central que foram elaborados pelo ‘Estadão Dados’ (núcleo de jornalismo de dados do ‘Estado’).
Em setembro, as operações de crédito para compra de imóveis por pessoas físicas e jurídicas chegaram a R$ 334,6 bilhões, enquanto o setor automotivo ficou com R$ 319 bilhões. "O Brasil vem tirando um atraso no crédito imobiliário. Antigamente era muito difícil conseguir um financiamento", afirmou Luis Eduardo Assis, economista e ex-diretor do Banco Central. "Houve essa mudança por causa da estabilidade da economia brasileira e da possibilidade de retomada do imóvel."
O aumento do crédito imobiliário tem sido impulsionado pela pessoa física. Por esse recorte, o saldo já é maior do que o do setor automotivo desde janeiro. Este ano, até outubro, as operações de crédito imobiliário aumentaram R$ 57,3 bilhões, enquanto as do automotivo cresceram R$ 533 milhões.
O Brasil passa por uma mudança estrutural. O setor imobiliário foi beneficiado pela redução das taxas de juros, crescimento do emprego e aumento da massa de rendimento real dos ocupados, que, em setembro, foi estimada em R$ 42,2 bilhões, segundo o IBGE. É um crescimento de 8,6% em um ano. "Com a taxa de juros para crédito imobiliário em queda e prazos maiores, há maior demanda por crédito imobiliário. O déficit habitacional também influencia nessa melhora", disse Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Ressaca. Por outro lado, o setor automotivo sofre uma ressaca da enxurrada de crédito que houve em 2009 e 2010. No auge da crise financeira internacional, o governo reduziu impostos – como IPI – para ajudar na recuperação da economia. Na toada dessa política, os prazos para financiamento também foram alongados.
Como reflexo dessas medidas, houve um aumento da inadimplência, o que fez com que as concessões fossem travadas este ano. Em outubro, segundo dados do BC, a inadimplência no setor foi de 5,9%, abaixo dos 6% em setembro, mas 1,2 ponto porcentual maior que o verificado em outubro do ano passado.
"Alguns bancos ficaram bem expostos nos seus processos de concessão de veículos. É natural que haja essa retração para limpar um pouco essa carteira e diminuir a inadimplência", diz Dorival Dourado, presidente da Boa Vista Serviços, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC).
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Crédito imobiliário deve passar até o pessoal

Crédito habitacional subiu de 10,6,% para 24,6 % em 5 anos na carteira de pessoa física 

08 de dezembro de 2012 | 19h 58
Luiz Guilherme Gerbelli, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O crédito imobiliário deve responder pela principal fatia da carteira da pessoa física a partir do ano que vem. Em outubro, o crédito habitacional estava em segundo lugar com 24,6% do total, segundo números do Banco Central que foram mensurados pela Serasa Experian. A liderança é do crédito pessoal (25,9%).
"A nossa expectativa é que o crédito imobiliário venha ser a maior carteira da pessoa física até o final do ano que vem", disse o assessor econômico da Serasa Experian, Luiz Rabi. "A diferença está sendo tirada a passos largos."
De fato, o crescimento do crédito habitacional surpreende nos últimos anos. Em 2005, a participação era de apenas 12,5% no total da carteira da pessoa física. No fim de 2007, chegou a 10,6%, o que deixava a modalidade na quinta posição entre as demais.
O avanço do crédito imobiliário para a topo da carteira também deixa o Brasil com um cenário mais parecido com o dos países desenvolvidos. Nas economias com mercado de crédito mais maduro, o setor imobiliário costuma ter a maior fatia do bolo.
"O perfil da carteira de crédito para pessoa física no Brasil vai se aproximando daquilo que a gente vê nos países mais desenvolvidos. Nesses países, com um mercado de crédito mais maduro, a liderança é do crédito imobiliário", afirma Rabi.
Na avaliação do economista, é bem provável que o crédito destinado ao setor habitacional teria tomado o segundo lugar na carteira de pessoa física este ano, mesmo se o crédito para o setor de veículos não tivesse sido afetado pela inadimplência.
Sem risco
O crescimento recente do crédito para imóveis não significa que o Brasil possa enfrentar uma bolha imobiliária, como os Estados Unidos, diz Luis Eduardo Assis, economista e ex-diretor do Banco Central.
"Estamos longe de uma bolha. A gente não vai ter uma bolha enquanto não tivermos a segunda perna dessa operação, que é uma maneira inventiva feita nos Estados Unidos e Europa de tirar o ativo imobiliário dos balanços dos bancos através de derivativos que ganharam uma vida própria", afirmou. "Isso no Brasil não existe."
Na avaliação de Assis, o setor imobiliário ainda tem fôlego para aumentar o preço dos imóveis. No Brasil, ao contrário de outros locais, ele diz que ainda é baixa a relação entre os preços do imóveis e o que as pessoas ganham. "Em vários países, as pessoas pagam os financiamentos e só começam a poupar para a aposentadoria depois dos 50 anos", afirmou o economista.
O que também mantém o risco de uma bolha distante é que o total de crédito no País em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é baixo na comparação com países de economias mais desenvolvidas. Em outubro, essa relação foi de 51,9% do PIB.
Estabilidade
Para Dorival Dourado, presidente da Boa Vista Serviços, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), o crescimento do crédito imobiliário deve se estabilizar a partir de 2013, mas num nível ainda elevado.
A previsão é que haja uma acomodação. Em 2010, houve um crescimento de 50%; em 2011, uma alta de 42%; em 2012 está na faixa de 36%, e a perspectiva para 2012 é que seja um crescimento entre 25% e 30%.
De acordo com Dourado, há uma preocupação do governo em transformar o crédito imobiliário numa alavanca social. "Estamos experimentando o remédio inverso (ao do setor automotivo). Existe uma preocupação do governo de ampliar e fazer do crédito imobiliário uma alavanca social. O País teve a criação do programa Minha Casa Minha Vida, o que mudou razoavelmente o cenário de concessão."
  

'Não há mais negociação com as empresas'


RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
A desistência das estatais estaduais Cesp (SP), Cemig (MG) e Copel (PR) de renovar os contratos de concessão de suas usinas surpreendeu o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner. Depois de algumas correções nos valores de indenização dos ativos, a expectativa era de adesão maciça, o que não ocorreu. Mas, agora, o assunto ficou para trás.
O governo já começou a calcular as novas tarifas e desenhar alternativas para suprir o vácuo deixado pelas empresas que não renovaram, garantindo os 20% de corte na conta de luz. Não há mais negociação com as empresas, diz Hubner.
O sr. se surpreendeu com a decisão de Cesp, Cemig e Copel de não renovarem as concessões?
Um pouco. A Cemig já tinha colocado em reunião que eu participei junto com o presidente da empresa que o único problema deles era com as três usinas. Estava certa a renovação das outras usinas que eles tinham. Copel só tinha uma hidrelétrica maior. Na Cesp, a gente tinha dúvida porque eles questionavam muito o valor das indenizações. Mas nunca trabalhamos na Aneel com valor contábil para avaliar ativo de ninguém. A gente já teve o primeiro embate com as distribuidoras, depois com a primeira revisão tarifária, quando quiseram que incorporasse o valor de ágio nas tarifas. A Aneel enfrentou isso. Sempre usamos a metodologia de valor novo de reposição. O Tolmasquim (Maurício, presidente da Empresa de Pesquisa Energética) calculou que, se fosse dar o valor que o governo paulista reivindica, as usinas teriam um custo duas a três vezes superior ao custo normal de uma hidrelétrica daquele porte.
O presidente da Cesp, Mauro Arce, diz que usou a metodologia de valor novo de reposição e que não chegou ao mesmo resultado. Ele diz que gostaria de entender como o governo achou o valor.
O próprio secretário do Estado (José Aníbal) disse que questiona o valor deles colocado no balanço calculado pelo IRFS (norma contábil). Estão questionando o valor que está na contabilidade deles.
O sr. considera que foi uma decisão política?
Eu prefiro não fazer essa avaliação. Prefiro achar que não seja. Ninguém questiona mérito. Todo mundo concorda que não tem sentido pagar por uma usina totalmente depreciada um valor superior ao de uma usina nova, que está sendo construída agora. Não faz sentido ficar a vida inteira com um bem público para comercializar energia com uma lucratividade tão grande. Com base nos questionamentos feitos sobre a indenização, fizemos revisões e correções, como ocorreu com Três Irmãos. Fizemos a revisão de todas as usinas, inclusive daquelas que não pediram. Mandamos conferir com as empresas para ver se não tinha nenhuma inconsistência.
O maior problema foi a indenização?
No caso da Cemig, o maior problema é que ela tem um conjunto grande de contratos com energia vendida até cerca de 2020. Ela contava com a prorrogação dos contratos para honrar esses compromissos. A Cesp tem, contabilmente, custos elevados para usinas. É difícil ter um preço que a torne viável, que consiga vender a energia e ter a rentabilidade necessária. Mas eles têm pouco espaço pela frente. Três Irmãos já tem concessão vencida.
Mas a Cesp, por exemplo, vendeu energia até 2015, que era o prazo legal para ela vender.
A pior situação é da Chesf. Praticamente todos os contratos das usinas venceram. Só restou uma usina da empresa e, mesmo assim, não tem energia suficiente para garantir os contratos firmados até 2015. Eles estão negociando com outras empresas para adquirir lastro e continuar com os contratos. Cesp e Copel têm outras usinas para cumprir esses contratos.
Mas o governo não pode fazer nada nesse caso? Cada um que resolva o seu problema?
Claro.
A Cemig diz que se o governo estivesse disposto a prorrogar os contratos das três hidrelétricas, ela poderia renovar as outras 18 usinas. Há intenção de negociar?
Não. As condições foram colocadas na medida provisória. Na verdade, muitas outras usinas estão na situação da Cemig. O que ela diz que tem de diferente no contrato - e isso é real - é uma palavra. Na maioria das outras empresas, a frase é: 'prevê a possibilidade de prorrogação por mais 20 anos a critério do poder concedente'. A Cemig tem uma particularidade. No contrato, está escrito 'é garantida a prorrogação por mais 20 anos a critério do poder concedente'. Já explicamos para a Cemig. Em 2004, estava no Ministério de Minas e Energia quando algumas usinas da empresa tiveram o contrato vencido. Foram dadas três alternativas: 1) prorrogar por 20 anos, sem critério nenhum; 2) prorrogar até completar a depreciação dos ativos; 3) que era a proposta da Aneel, não prorrogar. Naquela época não havia critério, então prorrogamos para a Cemig. Hoje tem critério, tem a medida provisória. Agora está claro para o poder concedente.
As empresas ameaçam entrar na Justiça. O que representaria para o governo se a Justiça desse ganho de causa a elas?
Se houver essa decisão, vamos cumprir. Se disser que tem de prorrogar, vamos prorrogar.
Independentemente de entrar na Justiça, o plano de redução da energia já foi comprometido?
Sim. Não tem mágica. Os 20% dependeriam da adesão de todos. Agora vamos fazer as contas e ver o que é possível fazer. A presidente já anunciou que quer reduzir os 20%. Vamos fazer os cálculos e as alternativas que podem ser usadas para alcançar esse teto.
Vocês já começaram a esboçar essas alternativas?
Sim. O governo pode zerar os encargos, mas aí tem de ter aporte do Tesouro. Entre as alternativas, tem 50% da CDE (Conta de Desenvolvimento Econômico), tem Proinfa e uma série de outros encargos. Pode ser uma aposta temporária. Nosso limite de custo é até 2015, quando as usinas voltam para a União. O Tesouro pode aportar um volume agora e depois pode ser coberto pela retomada desses encargos.
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'Não há outra saída que não seja ir à Justiça'

MARCELO PORTELA , BELO HORIZONTE - O Estado de S.Paulo
O presidente da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Djalma Morais, afirma que a empresa aguarda apenas a aprovação e sanção da Medida Provisória 579 para ingressar na Justiça, na tentativa de manter as concessões de três de suas principais hidrelétricas pelas normas atuais, por causa do "compromisso com os investidores", além de outras 18 cujas concessões terminam até 2017. Com os contratos em mãos das usinas Jaguara, São Simão e Miranda - responsáveis por mais de um terço da capacidade de 7 mil megawatts da companhia -, Morais afirma que uma flexibilização da União com relação a essas hidrelétricas levaria a estatal mineira a renovar, pelos termos da MP, as concessões das outras 18 usinas. Ele nega que a questão política tenha pesado na decisão. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como fica a situação da Cemig sem a renovação das concessões das 21 usinas, responsáveis por cerca de 60% de toda a capacidade de geração da empresa?
Em todos os fóruns em que estive presente, até mesmo logo depois que saiu a MP 579, minha primeira frase foi: o Estado e a Cemig estão solidários com a Presidência da República no que se refere a baixar a tarifa de energia. Esse é um fato importante para nós, para nosso crescimento. Realmente, é uma trava em nosso desenvolvimento. Porém, sempre também disse que a medida provisória poderia ter analisado uma situação singular da Cemig. Temos um contrato de concessão onde nós nos julgamos com direito a uma renovação automática. Contrato de concessão que distribuímos em todos os fóruns em que estive. Na cláusula quatro desse contrato diz que estão "garantidas" aquelas (concessões) ainda não prorrogadas.
Se o governo federal flexibilizar sua posição nessas três hidrelétricas, a Cemig poderá aderir também nas outras 18 pelas regras da MP 579?
Sem problemas. Os números apresentados para essas outras usinas não nos atendem. Mas o esforço de cada lado, uma negociação de tal maneira que eu pudesse viabilizar essas três usinas, seria recompensado. Tínhamos já um acordo tácito com nosso controlador e com nossos acionistas de que esse viés seria importante para nós.
No caso de o governo federal não ceder, qual será a saída para a Cemig? Voltar às licitações?
No caso de o governo não ceder e vir a licitar, vamos participar da licitação. Mas vamos aguardar a decisão da Câmara e do Senado, os possíveis vetos da presidente e o que for aprovado e, em seguida, tomar as providências. Afinal de contas, temos compromissos com nossos acionistas, com a empresa, com nossos empregados. Evidentemente, baixar a conta é um apelo importante para nós. Mas estamos contribuindo ao aderirmos na transmissão e julgamos que não poderíamos aderir, mesmo nessas outras 18 usinas.
O governador Antonio Anastasia já havia dito que o custo de operação seria inviável. Como resolver o impasse?
Tudo isso seria compensado com essas três. Porque essas três usinas, além dos contratos de concessão, que eu tenho de lutar por eles, são fortes na empresa, importantes para a área, e já negociamos parte dessa energia. Não posso abdicar do direito que eu tenho. Baseado nesse direito, nós vendemos parte da energia.
Prevalecendo as normas da MP 579, a Cemig pode encerrar ou não renovar contratos com consumidores?
Não posso fazer isso (cancelar). Evidentemente, vai prejudicar determinada empresa, se quiser renovar contrato. Tenho compromisso agora. Sem energia, eu não poderia é renovar o contrato. Não seria louco de renovar, me comprometer. Talvez tenha faltado um pouco de diálogo. Tive notícia de que talvez a presidente abra uma janela para que a empresa possa repensar. Se houver diálogo, ótimo. Nas condições atuais, não temos outro caminho que não seja judicialmente viabilizar nosso direito.
O governo tem ampla maioria no Congresso e, caso queira, é provável que a MP 579 seja aprovada da forma como está. A Cemig ainda tem esperança de que as normas possam ser alteradas por meio de negociações?
O mineiro sempre acha que existirá uma janela para a conversa. Vou até as últimas consequências buscando essa janela. Mas, se isso não for exequível, não há outro caminho que não seja judicial.
Surgiram críticas de que as decisões de não renovar as concessões foram políticas, porque vieram de Estados governados por opositores do governo federal. Como o senhor vê essas críticas?
Acho que é um assunto muito sério para ser viabilizado de uma forma simplória. Estamos passando por um momento complexo no setor energético. Os níveis que nós temos hoje de águas em todo o Brasil não são confortáveis. O governo está disparando as térmicas, com energia mais cara. Então, é um momento de reflexão. Não de injunções políticas. No mesmo formato que se disse que os governos desses Estados estão reagindo, eu também poderia argumentar que a MP veio contra sses Estados. Porque, quando se falou em Serra da Mesa, prorrogou por 35 anos. Que era Serra da Mesa pertencente a Furnas. Como se diz que os Estados não querem atender, posso também dizer que a MP foi contra esses Estados, que são os grandes produtores de energia.
O senador Aécio Neves (PSDB-MG) classificou de "intervenção" a atitude do governo federal. Essa imposição pode dificultar investimentos no setor?
O senador tem razão. Uma semana antes da emissão da medida provisória começamos a perceber que os investidores do mercado de ações estavam começando a sair. Acho que aproximadamente uns 5% dos investidores saíram naquela semana de setembro. E nosso valor de mercado caiu mais de R$ 12 bilhões. Estava com valor de mercado de mais de R$ 30 bilhões e hoje está em R$ 20 bilhões mais ou menos. Mas esse é um problema de mercado, que vem e volta. Evidentemente nos preocupa, mas estamos trabalhando para voltar a ter aquela confiança do investidor que tínhamos antes.