LEANDRO MODÉ - O Estado de S.Paulo
O juro baixo no Brasil veio para ficar e traz como efeito colateral o fortalecimento do dólar, que caminha para R$ 2,20. A crise internacional vai demorar a se resolver e exigirá taxas de juros inferiores à inflação no mundo todo durante uma década. E o crescimento econômico brasileiro só vai acelerar com reformas profundas.
Esse é, em resumo, o diagnóstico de Luís Stuhlberger, gestor de recursos de terceiros mais respeitado do País, para as economias global e nacional. Para profissionais como ele, é um cenário "muito chato". Para investidores comuns, é a comprovação de que não há milagre para multiplicar o dinheiro no curto prazo. "Para conseguir algum rendimento, será preciso alongar um pouquinho (os prazos das aplicações)", diz Stuhlberger. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.
PIBINHO
"Em agosto de 2010, escrevi um relatório de gestão que dizia que o modelo de desenvolvimento do Brasil desde 1989, após a nova Constituinte, era baseado na premissa CCC: crédito, consumo e commodities. Foi um modelo, aliás, que deu certo por um tempo. Mas não adianta agora, quando entra em colapso, querer achar culpados de curto prazo. Sempre achei que esse modelo ia dar errado. Houve alguns erros de origem e os problemas demoram para aparecer. Economia não é algo que você planta agora e o resultado vem logo a seguir. A União Soviética, por exemplo, levou 70 anos para entrar em colapso. Durante 40 ou 50 anos, muitos achavam que era bom."
VEM DE LONGE
"Como éramos um país com alto nível de sonegação e informalidade do emprego, o governo começou a taxar consumo e produção. Ir em cima dos 5 mil maiores contribuintes é fácil. Mas um país como o Brasil não pode pagar 35% do PIB de imposto. Aqui, tributos sobre produção e consumo, incluindo o Imposto sobre Importações, equivalem a 15% do PIB. A média mundial está em torno de 10%. Nos EUA, são 4%. Ou seja, esse modelo que tributa produção e consumo é altamente ineficiente. Causa distorção na cadeia produtiva. Isso se chama falta de competitividade. É uma herança maldita que a presidente Dilma recebeu e está começando a mexer com desonerações. Afinal, o que é desoneração? Tirar imposto de produção e consumo."
ESCOLHA DE SOFIA
"Esse conjunto de juro negativo, câmbio desvalorizado e protecionismo é resultado de uma escolha do governo entre o ruim e o péssimo. O ideal seria poder escolher entre o bom e o ótimo. Mas não temos essa possibilidade hoje. Nas condições atuais, é melhor protecionismo do que deixar a indústria quebrar."
CASTELO E AREIA MOVEDIÇA
"Construímos um país que tem, hoje, características de consumo, serviços financeiros e um segmento imobiliário de uma nação com PIB per capita de US$ 15 mil/ano. Mas temos ensino, infraestrutura e saúde de um país com renda per capita de US$ 5 mil/ano. Isso significa que há muitas coisas disparatadas. Em outras palavras, a história do Brasil hoje é um castelo construído sobre areia movediça. É muito difícil saber, daqui a três ou quatro anos, o que vai dar certo. Não sei se vamos pavimentar a areia movediça ou se o castelo vai ruir em cima da areia movediça. Hoje temos pelo menos uma vantagem: há um diagnóstico. A presidente Dilma entende esse diagnóstico. Diria que o governo está no caminho certo. O problema é a forma. A mudança em energia, por exemplo, foi feita abruptamente."
MEIO CHEIO, MEIO VAZIO
"Precisamos lembrar que, bem ou mal, a dívida líquida está em 35% do PIB. O déficit em conta corrente é de 2% do PIB. Ainda temos reservas cambiais grandes. E alguns focos de crescimento se mantêm, mesmo sem mudar o modelo. Se você vai ao Nordeste, percebe que ainda há um boom em curso. Essa sensação de parada é uma coisa de São Paulo. Tem o outro lado também: a segurança urbana piorando, o colapso da infraestrutura... Há um ponto para o qual vale especial atenção. O nosso PIB está muito dependente da venda de automóveis. Mas o ritmo de venda dos últimos anos é insustentável. Já temos mais carro do que precisamos. É muita falta de planejamento."
SENSAÇÃO OU REALIDADE
"Se o IBGE fizesse um ano de greve, não teríamos dados oficiais do PIB. Então, você iria às ruas e perguntaria às pessoas qual a sensação delas sobre o PIB. Elas estariam felizes. A sensação do PIB pelo lado do consumo e da felicidade é muito mais alta do que os números mostram. O consumo anda muito bem. A questão é: até quando isso vai se manter? Quando o consumo patinar e a popularidade do governo cair, os ratos vão sair do porão."
DILMA E A COCA-COLA GELADA
"A relação da presidente Dilma com o capital é parecida com a da minha avó com a Coca-Cola gelada. Quando eu tinha 10 anos, jantava na casa dela toda sexta-feira. E pedia Coca-Cola gelada. Ela passou anos e anos dizendo que não, que fazia mal para a saúde. Um dia, enfim, ela disse que teríamos Coca gelada. Quando cheguei para o jantar, a Coca estava lá. Mas quente. Perguntei para ela por quê. Ela disse que tinha tirado da geladeira algumas horas antes porque achava que já tinha gelado demais.... A Dilma, com o capitalismo, tem sido assim. Flerta, flerta e, no final.... Mas o Brasil tem uma vantagem: nós nos autocorrigimos. Somos diferentes do resto da América Latina, que erra e continua errando. Vide Cristina Kirchner, Hugo Chávez, etc. O Brasil vai e volta. É o país da negociação."
INVESTIDOR x CIDADÃO
"Nós todos trabalhamos no mercado financeiro e queremos investir nas companhias. Mas, ao mesmo tempo, quando eu ligo para um call center e vejo que o serviço é uma porcaria e eles não cumprem o que prometem, desligo o telefone e penso: 'Eu quero que a Dilma dê uma porrada nesses caras!' Às vezes, parece que o que é ruim para o investidor é bom para o Brasil. O maior inimigo do capitalismo não é a crise. É a competição. A melhor maneira de o governo resolver esses problemas é competição."
O MAIOR RISCO
"A coisa mais perigosa que o governo faz hoje é a gestão das estatais. Esse é o maior erro. É mais perigoso do que as pessoas imaginam. Se der errado, vai dar muito errado. É um problema que já apareceu na Petrobrás e na Eletrobrás, mas ainda não no BNDES, no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. A Eletrobrás é um caso extremo porque ficou sem dinheiro e a renovação foi feita em péssimas condições. Mas, de novo, acredito em autocorreção. A presidente Dilma é uma pessoa que aprende muito rápido."
FINALMENTE, O MUNDO VIU
"Gestor de recursos olha as coisas e não pensa se há algo necessariamente bom ou ruim. Depende do preço. Achava o Brasil errado com o câmbio a R$ 1,70. A R$ 2,15, não é tanto. Muitas ações desabaram no Ibovespa. Eu olho e penso: nesse preço, está mais de acordo com a realidade. Talvez minha inquietação nos anos anteriores era pensar: 'Caramba, o Brasil é cheio de problemas e o mundo não vê.' Agora estou tranquilo porque o mundo vê."
SEM OPORTUNIDADES
"Hoje estou pensando em qual é a grande oportunidade. Não tem. O que, aliás, é muito chato para quem está gerindo dinheiro. Estou meio triste por isso. Vai ser dura a nossa profissão. Se você me perguntar se hoje vejo algum grande erro do mercado nas previsões de juros, inflação e ações, eu diria que não. O único ponto que me parece mal precificado é o risco fiscal. Mas não é grosseiramente errado, como era o câmbio até um tempo atrás."
JURO VEIO PARA FICAR
"O juro baixo veio para ficar, mas não sei se tão baixo. O próprio mercado mostra, com base na curva futura, um equilíbrio na faixa de 9% a 9,5% em 2017 e 2018. Na prática, o mercado está dizendo que o juro normalizado no Brasil estaria nessa faixa, com juro real na casa de 3,5%. Não somos uma ilha. Acho que o Brasil errou, por muitos anos, pelo juro mais alto do que o necessário. O Brasil usou muito pouco macroprudencial. Não quero dizer que tenha de usar só macroprudencial. Mas um pouco, sim."
ACABOU O MAMÃO COM AÇÚCAR
"Há dois tipos de órfãos no Brasil: os do CDI e os do Ibovespa, porque um monte de ação subiu 50% e o Ibovespa subiu zero. De 1994 até julho de 2008, bastava comprar o Ibovespa e partir para o abraço. De lá para cá, o índice está parado. Várias empresas mais do que dobraram de preço nesse período. Mas acabou o dinheiro fácil. Não se trata mais de comprar Ibovespa."
PEQUENO INVESTIDOR
"Se eu tivesse de escolher um ativo simples para recomendar seria uma NTN-B com vencimento em 2016. Vai pagar inflação mais 2,6%, 2,7% ao ano. Não é um papel muito longo e protege da inflação. Em termos nominais, vai render 9% a 10% ao ano, o que está bom dentro das circunstâncias do mundo, que está pagando zero. O investimento diário tem de remunerar zero mesmo. No mundo de hoje, que tem excesso de poupança, nem aqui, nem nos Estados Unidos, nem no Japão nem em nenhum lugar do mundo haverá juro real por uma década. Não vai ter. O juro real de curto prazo é negativo. Para conseguir algum rendimento, será preciso alongar um pouquinho."
MERCADO ERROU NO CÂMBIO
"Essa história de dizer que o câmbio é fixo não é verdade. O que fez e está fazendo o dólar ir para o lugar atual é o juro. Isso foi subestimado pelo mercado. Quem errou não deve pôr a culpa no Banco Central. Era previsível a alta de R$ 1,70 para R$ 2,10, R$ 2,15. A taxa de juros era a ração do real. Nosso estudo de longo prazo de câmbio, olhando todas as variáveis, aponta que o preço correto do dólar é R$ 2,20. Estamos indo para lá lentamente. Hoje, o governo está administrando a volatilidade."
CRISE GLOBAL
"Estou muito construtivo com os Estados Unidos, que vão sair bem da crise. Talvez haja um susto com essa história do abismo fiscal. Quanto à crise da Europa, é um mistério. Havia muita ineficiência e ainda há. Mas quase todos os países estão fazendo lição de casa profundíssima. No entanto, não creio que a Europa aguente outro choque. Se houver algo daqui a seis meses, a austeridade não suportará. Mas, por ora, parece que não vai acontecer."
ELES E NÓS
"Sou mais otimista com o mundo do que com o Brasil. Não contem com gregos, espanhóis e chineses para estragar o Brasil. Eles não são suficientemente bons para isso. Eles vão fazer a lição de casa deles."
Formado em engenharia, é um dos mais respeitados administradores de recursos de terceiros do País. A família de fundos da qual é responsável, chamada de Verde, acumulava rentabilidade no ano de 18,63% até 30 de novembro. A taxa básica de juros (Selic) foi de 8,5%, na média desses 11 meses.
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