RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
A desistência das estatais estaduais Cesp (SP), Cemig (MG) e Copel (PR) de renovar os contratos de concessão de suas usinas surpreendeu o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner. Depois de algumas correções nos valores de indenização dos ativos, a expectativa era de adesão maciça, o que não ocorreu. Mas, agora, o assunto ficou para trás.
O governo já começou a calcular as novas tarifas e desenhar alternativas para suprir o vácuo deixado pelas empresas que não renovaram, garantindo os 20% de corte na conta de luz. Não há mais negociação com as empresas, diz Hubner.
O sr. se surpreendeu com a decisão de Cesp, Cemig e Copel de não renovarem as concessões?
Um pouco. A Cemig já tinha colocado em reunião que eu participei junto com o presidente da empresa que o único problema deles era com as três usinas. Estava certa a renovação das outras usinas que eles tinham. Copel só tinha uma hidrelétrica maior. Na Cesp, a gente tinha dúvida porque eles questionavam muito o valor das indenizações. Mas nunca trabalhamos na Aneel com valor contábil para avaliar ativo de ninguém. A gente já teve o primeiro embate com as distribuidoras, depois com a primeira revisão tarifária, quando quiseram que incorporasse o valor de ágio nas tarifas. A Aneel enfrentou isso. Sempre usamos a metodologia de valor novo de reposição. O Tolmasquim (Maurício, presidente da Empresa de Pesquisa Energética) calculou que, se fosse dar o valor que o governo paulista reivindica, as usinas teriam um custo duas a três vezes superior ao custo normal de uma hidrelétrica daquele porte.
O presidente da Cesp, Mauro Arce, diz que usou a metodologia de valor novo de reposição e que não chegou ao mesmo resultado. Ele diz que gostaria de entender como o governo achou o valor.
O próprio secretário do Estado (José Aníbal) disse que questiona o valor deles colocado no balanço calculado pelo IRFS (norma contábil). Estão questionando o valor que está na contabilidade deles.
O sr. considera que foi uma decisão política?
Eu prefiro não fazer essa avaliação. Prefiro achar que não seja. Ninguém questiona mérito. Todo mundo concorda que não tem sentido pagar por uma usina totalmente depreciada um valor superior ao de uma usina nova, que está sendo construída agora. Não faz sentido ficar a vida inteira com um bem público para comercializar energia com uma lucratividade tão grande. Com base nos questionamentos feitos sobre a indenização, fizemos revisões e correções, como ocorreu com Três Irmãos. Fizemos a revisão de todas as usinas, inclusive daquelas que não pediram. Mandamos conferir com as empresas para ver se não tinha nenhuma inconsistência.
O maior problema foi a indenização?
No caso da Cemig, o maior problema é que ela tem um conjunto grande de contratos com energia vendida até cerca de 2020. Ela contava com a prorrogação dos contratos para honrar esses compromissos. A Cesp tem, contabilmente, custos elevados para usinas. É difícil ter um preço que a torne viável, que consiga vender a energia e ter a rentabilidade necessária. Mas eles têm pouco espaço pela frente. Três Irmãos já tem concessão vencida.
Mas a Cesp, por exemplo, vendeu energia até 2015, que era o prazo legal para ela vender.
A pior situação é da Chesf. Praticamente todos os contratos das usinas venceram. Só restou uma usina da empresa e, mesmo assim, não tem energia suficiente para garantir os contratos firmados até 2015. Eles estão negociando com outras empresas para adquirir lastro e continuar com os contratos. Cesp e Copel têm outras usinas para cumprir esses contratos.
Mas o governo não pode fazer nada nesse caso? Cada um que resolva o seu problema?
Claro.
A Cemig diz que se o governo estivesse disposto a prorrogar os contratos das três hidrelétricas, ela poderia renovar as outras 18 usinas. Há intenção de negociar?
Não. As condições foram colocadas na medida provisória. Na verdade, muitas outras usinas estão na situação da Cemig. O que ela diz que tem de diferente no contrato - e isso é real - é uma palavra. Na maioria das outras empresas, a frase é: 'prevê a possibilidade de prorrogação por mais 20 anos a critério do poder concedente'. A Cemig tem uma particularidade. No contrato, está escrito 'é garantida a prorrogação por mais 20 anos a critério do poder concedente'. Já explicamos para a Cemig. Em 2004, estava no Ministério de Minas e Energia quando algumas usinas da empresa tiveram o contrato vencido. Foram dadas três alternativas: 1) prorrogar por 20 anos, sem critério nenhum; 2) prorrogar até completar a depreciação dos ativos; 3) que era a proposta da Aneel, não prorrogar. Naquela época não havia critério, então prorrogamos para a Cemig. Hoje tem critério, tem a medida provisória. Agora está claro para o poder concedente.
As empresas ameaçam entrar na Justiça. O que representaria para o governo se a Justiça desse ganho de causa a elas?
Se houver essa decisão, vamos cumprir. Se disser que tem de prorrogar, vamos prorrogar.
Independentemente de entrar na Justiça, o plano de redução da energia já foi comprometido?
Sim. Não tem mágica. Os 20% dependeriam da adesão de todos. Agora vamos fazer as contas e ver o que é possível fazer. A presidente já anunciou que quer reduzir os 20%. Vamos fazer os cálculos e as alternativas que podem ser usadas para alcançar esse teto.
Vocês já começaram a esboçar essas alternativas?
Sim. O governo pode zerar os encargos, mas aí tem de ter aporte do Tesouro. Entre as alternativas, tem 50% da CDE (Conta de Desenvolvimento Econômico), tem Proinfa e uma série de outros encargos. Pode ser uma aposta temporária. Nosso limite de custo é até 2015, quando as usinas voltam para a União. O Tesouro pode aportar um volume agora e depois pode ser coberto pela retomada desses encargos.
MARCELO PORTELA , BELO HORIZONTE - O Estado de S.Paulo
O presidente da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Djalma Morais, afirma que a empresa aguarda apenas a aprovação e sanção da Medida Provisória 579 para ingressar na Justiça, na tentativa de manter as concessões de três de suas principais hidrelétricas pelas normas atuais, por causa do "compromisso com os investidores", além de outras 18 cujas concessões terminam até 2017. Com os contratos em mãos das usinas Jaguara, São Simão e Miranda - responsáveis por mais de um terço da capacidade de 7 mil megawatts da companhia -, Morais afirma que uma flexibilização da União com relação a essas hidrelétricas levaria a estatal mineira a renovar, pelos termos da MP, as concessões das outras 18 usinas. Ele nega que a questão política tenha pesado na decisão. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como fica a situação da Cemig sem a renovação das concessões das 21 usinas, responsáveis por cerca de 60% de toda a capacidade de geração da empresa?
Em todos os fóruns em que estive presente, até mesmo logo depois que saiu a MP 579, minha primeira frase foi: o Estado e a Cemig estão solidários com a Presidência da República no que se refere a baixar a tarifa de energia. Esse é um fato importante para nós, para nosso crescimento. Realmente, é uma trava em nosso desenvolvimento. Porém, sempre também disse que a medida provisória poderia ter analisado uma situação singular da Cemig. Temos um contrato de concessão onde nós nos julgamos com direito a uma renovação automática. Contrato de concessão que distribuímos em todos os fóruns em que estive. Na cláusula quatro desse contrato diz que estão "garantidas" aquelas (concessões) ainda não prorrogadas.
Se o governo federal flexibilizar sua posição nessas três hidrelétricas, a Cemig poderá aderir também nas outras 18 pelas regras da MP 579?
Sem problemas. Os números apresentados para essas outras usinas não nos atendem. Mas o esforço de cada lado, uma negociação de tal maneira que eu pudesse viabilizar essas três usinas, seria recompensado. Tínhamos já um acordo tácito com nosso controlador e com nossos acionistas de que esse viés seria importante para nós.
No caso de o governo federal não ceder, qual será a saída para a Cemig? Voltar às licitações?
No caso de o governo não ceder e vir a licitar, vamos participar da licitação. Mas vamos aguardar a decisão da Câmara e do Senado, os possíveis vetos da presidente e o que for aprovado e, em seguida, tomar as providências. Afinal de contas, temos compromissos com nossos acionistas, com a empresa, com nossos empregados. Evidentemente, baixar a conta é um apelo importante para nós. Mas estamos contribuindo ao aderirmos na transmissão e julgamos que não poderíamos aderir, mesmo nessas outras 18 usinas.
O governador Antonio Anastasia já havia dito que o custo de operação seria inviável. Como resolver o impasse?
Tudo isso seria compensado com essas três. Porque essas três usinas, além dos contratos de concessão, que eu tenho de lutar por eles, são fortes na empresa, importantes para a área, e já negociamos parte dessa energia. Não posso abdicar do direito que eu tenho. Baseado nesse direito, nós vendemos parte da energia.
Prevalecendo as normas da MP 579, a Cemig pode encerrar ou não renovar contratos com consumidores?
Não posso fazer isso (cancelar). Evidentemente, vai prejudicar determinada empresa, se quiser renovar contrato. Tenho compromisso agora. Sem energia, eu não poderia é renovar o contrato. Não seria louco de renovar, me comprometer. Talvez tenha faltado um pouco de diálogo. Tive notícia de que talvez a presidente abra uma janela para que a empresa possa repensar. Se houver diálogo, ótimo. Nas condições atuais, não temos outro caminho que não seja judicialmente viabilizar nosso direito.
O governo tem ampla maioria no Congresso e, caso queira, é provável que a MP 579 seja aprovada da forma como está. A Cemig ainda tem esperança de que as normas possam ser alteradas por meio de negociações?
O mineiro sempre acha que existirá uma janela para a conversa. Vou até as últimas consequências buscando essa janela. Mas, se isso não for exequível, não há outro caminho que não seja judicial.
Surgiram críticas de que as decisões de não renovar as concessões foram políticas, porque vieram de Estados governados por opositores do governo federal. Como o senhor vê essas críticas?
Acho que é um assunto muito sério para ser viabilizado de uma forma simplória. Estamos passando por um momento complexo no setor energético. Os níveis que nós temos hoje de águas em todo o Brasil não são confortáveis. O governo está disparando as térmicas, com energia mais cara. Então, é um momento de reflexão. Não de injunções políticas. No mesmo formato que se disse que os governos desses Estados estão reagindo, eu também poderia argumentar que a MP veio contra sses Estados. Porque, quando se falou em Serra da Mesa, prorrogou por 35 anos. Que era Serra da Mesa pertencente a Furnas. Como se diz que os Estados não querem atender, posso também dizer que a MP foi contra esses Estados, que são os grandes produtores de energia.
O senador Aécio Neves (PSDB-MG) classificou de "intervenção" a atitude do governo federal. Essa imposição pode dificultar investimentos no setor?
O senador tem razão. Uma semana antes da emissão da medida provisória começamos a perceber que os investidores do mercado de ações estavam começando a sair. Acho que aproximadamente uns 5% dos investidores saíram naquela semana de setembro. E nosso valor de mercado caiu mais de R$ 12 bilhões. Estava com valor de mercado de mais de R$ 30 bilhões e hoje está em R$ 20 bilhões mais ou menos. Mas esse é um problema de mercado, que vem e volta. Evidentemente nos preocupa, mas estamos trabalhando para voltar a ter aquela confiança do investidor que tínhamos antes.
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