segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Edifício do poder, sem nº


José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
Mudam divisórias, PT e PSB ganham mais espaço, PMDB e PSDB perdem salas, mas as estruturas do edifício do poder continuam inalteradas no Brasil. Os petistas ocupam a cobertura há 10 anos, mas o restante do prédio é dividido entre 30 condôminos. O PT elege o síndico, mas não administra o condomínio sem ceder poder a outros. Ninguém tem hegemonia. E é bom que seja assim.
O PT sai maior das urnas, mas com direito a ocupar apenas 11% das prefeituras e a governar 20% do eleitorado local. Tudo bem que isso inclui o canto mais populoso do edifício, a sala São Paulo, mas está longe de configurar um domínio da política brasileira. O partido de Lula cresce, mas não é o único. O PSB vem na cola e tem seus próprios planos.
O partido do governador Eduardo Campos, de Pernambuco, elegeu 131 prefeitos a mais do que em 2008 e entrou para o seleto clube dos 10%: os prefeitos do PSB passarão a governar uma fatia que corresponde a 11% do eleitorado local a partir de janeiro. A sigla dobrou o que conseguira quatro anos atrás: governará 15 milhões de eleitores. Só outros três partidos estão nesse clube.
A base municipal obtida pelo PSB é necessária para o partido barganhar melhores condições numa coligação presidencial, mas, sem articulações com outras siglas, é insuficiente para lançar o governador pernambucano à sucessão de Dilma Rousseff (PT) na disputa de 2014. Por isso, devem crescer as conversas de Campos com os tucanos, por exemplo.
O PSDB viu sua participação no bolo do eleitorado municipal cair de 14% para 13% nesses quatro anos. A maior queda foi a do PMDB: de 22% para 17% do eleitorado municipal. A fatia do PT cresceu de 16% para 20%.
Todas essas participações são maiores do que o pedaço do bolo que está no prato de Eduardo Campos, por enquanto. Mas o tamanho e a distribuição das fatias devem continuar mudando mesmo depois de terminada a apuração.
Há, por exemplo, as conversas de fusão entre o PP de Paulo Maluf com o PSD de Gilberto Kassab. O primeiro encolheu, e o segundo roubou prefeitos e prefeituras de todos os partidos médios e virou uma sigla com boa penetração nos rincões do Brasil profundo. O PSD é uma contradição em termos: cresceu, mas encolheu. Os seus 497 novos prefeitos governarão, juntos, um eleitorado equivalente ao que Kassab deixará de governar.
Mesmo assim, se PSD e PP virarem PSDP ou PPSD comandarão 966 prefeituras e governarão 16 milhões de eleitores. Ficariam em segundo lugar no ranking de prefeitos e em quarto no de eleitorado a governar. Como serão, na imensa maioria, cidades pequenas, não devem movimentar muito dinheiro, mas, a depender a distribuição geográfica, têm potencial para eleger a terceira ou quarta maior bancada de deputados federais em 2014.
Falsa hegemonia. Colocados em perspectiva, os avanços do PT mostram que o partido de Dilma e Lula está longe de ter se tornado hegemônico: 89% das prefeituras e 80% do eleitorado municipal estarão nas mãos de outras legendas partidárias. Não dá para fazer o que bem entender na assembleia do condomínio sem colher uma reação negativa dos outros condôminos. O poder petista é consorciado. Para ser exercido continuará dependente de alianças.
O resultado do 2.º turno em si mostra que quando o PT enfrenta um duelo dois a dois e seu desempenho piora bastante. Dos 22 segundos turnos que disputaram, os petistas ganharam só em oito municípios. A taxa de sucesso foi de apenas 36%, praticamente duas derrotas para cada vitória.
Essa é uma característica do PT. Para continuar crescendo, o partido de Lula precisará fazer um esforço cada vez maior. Como elege proporcionalmente menos candidatos do que o PMDB e o PSDB, por exemplo, precisará lançar um número ainda maior de postulantes a prefeito em 2016 para aumentar sua fatia de poder municipal. Até agora tem conseguido, mas a um custo relativamente mais alto do que o de seus aliados e rivais.
O PT chegou ao posto de maior partido brasileiro graças a uma organização nacional, a um projeto de poder e a lideranças carismáticas. Seu principal concorrente, o PSDB, tem uma lição de casa mais trabalhosa. Precisa renovar suas lideranças, ajustar seu discurso eleitoral e corrigir deficiências regionais.
Das sete centenas de prefeitos tucanos, 45% estão concentrados em São Paulo (176) e em Minas Gerais (142). Isso pode ser um problema para o PSDB eleger deputados federais em 2014, principalmente no Ceará, na Bahia e no Rio Grande do Norte.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Recuperar o etanol, por Arnaldo Jardim


Sem contar com políticas públicas estáveis para incentivar e assegurar a produção, o etanol perde espaço na matriz energética brasileira. A competitividade desse estratégico combustível renovável sucumbe ao artificialismo do preço da gasolina que, importada em volume cada vez maior, aumenta a emissão de gases de efeito estufa e pressiona o déficit da conta de combustíveis.
A participação relativa do etanol caiu 34% nos últimos anos, enquanto a da gasolina e diesel, muito mais poluentes, dispararam no mesmo período.
A possibilidade do etanol da cana de açúcar conquistar outros mercados por sua vantagem competitiva e pelo seu diferencial de sustentabilidade ambiental vai ficando mais distante.  Em 37 anos de existência do Proálcool, o etanol combustível substituiu até o último mês de junho mais de 2,2 bilhões de barris de gasolina, o que contribuiu para a geração de emprego e renda e na redução do aquecimento do planeta. Imagine-se a atmosfera da cidade de São Paulo sem o nosso etanol. 
O etanol da cana é um patrimônio nacional. Com a importação em 2011 de 1,15 bilhões de litros de etanol anidro produzido nos EUA a partir do milho, criamos empregos lá e deixamos de movimentar o setor sucroalcooleiro aqui. O volume importando foi 15% além do necessário porque a mistura à gasolina foi reduzida para 20%, e mais de 500 milhões de litro “se transformaram” em etanol hidratado, numa virada brusca que evidenciou a falta de planejamento do governo.
O aumento da importação de etanol, gasolina e diesel está na contramão do discurso oficial de que o Brasil não pode e não deve abrir mão do uso de energias renováveis e limpas. Some-se a isso o fato de que a anunciada independência energética não se concretizou. Não conseguimos aumentar a oferta de combustíveis renováveis e fósseis de forma condizente com o aumento da demanda.
Para o setor sucroenergético recuperar fôlego e colocar o Brasil na vanguarda mundial dos biocombustíveis, depende-se muito mais da ação do governo do que propriamente do mercado. Os investimentos em inovação tecnológica aplicada à cultura da cana de açúcar, que em grande parte é responsável pelo boom que a agricultura brasileira vive nos últimos anos, são fundamentais para continuarmos avançando na produtividade e na qualidade do etanol. A pesquisa e a inovação podem avançar na consolidação do etanol de segunda geração.
A recuperação do preço do etanol hidratado, via desoneração de impostos cobrados pela União e estados, é a questão central, como a definição de seu padrão e fixação do percentual de mistura à gasolina, ou seja, sua participação na matriz de combustíveis.
A ANP (Agência Nacional de Petróleo) anuncia que o aumento do percentual de etanol anidro na gasolina voltará em maio ou junho de 2013. A redução foi a toque de caixa, o aumento é projetado a médio prazo e assim a referencia capaz de determinar a previsibilidade e cenários firmes fica indefinida.
Outra solução para retomar a competitividade desse combustível é a utilização da CIDE em seu aspecto regulatório, inclusive incorporando a sua dimensão ambiental. Sem contar que o regime de redução do IPI para indústria automobilística precisa ser estendido para os carros flex. Quem tem carro com esse tipo de motor precisa ser incentivado. As montadoras que conseguissem reduzir o consumo de etanol, com maior eficiência em seus motores, por exemplo, teriam uma redução mais substancial de IPI.
São necessárias também regras duradouras e a criação de linhas de crédito para estimular o setor ainda abalado pela crise de 2008 e por fatores climáticos que reduziram a produtividade dos canaviais. Na safra 2011/2012, a produção do biocombustível recuou 17%, o que representa algo em torno de 5 bilhões de litros a menos de etanol no mercado que tem de ser compensado por importações.
A recuperação do setor tem que levar em conta a ampliação do parque de moagem e a renovação de canaviais. Neste sentido, o aperfeiçoamento do Prorenova  (Plano de Recuperação dos Canaviais),  bem como a sua flexibilização, é essencial para aumentar o nível de financiamento e reduzir a burocracia excessiva na contração de recursos.
O setor sucroenergético precisa de um conjunto de medidas de curto, médio e longo prazo para ampliarmos e renovarmos os canaviais, aumentarmos a eficiência das unidades produtoras existentes e estimularmos a construção de novas plantas.
O setor passou por grande transformação nos últimos anos, tornou-se heterogêneo. Novos players se integraram e com isso criou-se visões diferentes. Por isso precisamos buscar o consenso em torno de um conjunto de medidas, pois temos acumulo para tanto. É preciso defendê-las com a consciência de que somos um setor essencial e estratégico ao país. O governo ajuda no que for seu papel e o setor com sua capacidade empreendedora. O que se busca é uma política de Estado para o etanol e não benesses.
O governo tem que assumir se o etanol é ou não prioridade e adotar medidas coerentes e urgentes a respeito. Não podemos perder mais tempo e abdicar da enorme vantagem apresentada pelo biocombustível em relação aos fósseis. O País pagará um preço se a indefinição e omissão persistirem.

Arnaldo Jardim  é deputado federal (PPS-SP) – membro da Comissão de Minas e Energia e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O desafio do medicamento no Brasil



Coluna Econômica - 24/10/2012  Luis Nassif

Quais os limites para a fabricação de medicamentos por laboratórios oficiais? Este foi um dos pontos relevantes do Seminário Brasilianas Sobre Economia da Saúde.
Para Gonzalo Veccina, ex-superintendente da Anvisa (Agência Nacional de VIgilância Sanitária), falta foco nesse investimento em laboratórios oficiais.
Reconhece a excelência da Fiocruz (que administra alguns laboratórios) e do Instituto Butantã, entre poucos outros. Mas quando o Ministério da Saúde insiste em ampliar para outros laboratórios, menos capacitados, faltaria definir o principal: o que se pretende com isso, substituir a produção privada? É impossível, diz Veccina. O papel deveria ser o de coordenar.
Ele compara com as Farmácias Populares, operadas pela Fiocruz. Qual programa atinge mais brasileiros as Farmácias Populares ou o programa de distribuição de remédios para diabete e hipertensão através das 60 mil farmácias existentes no país? O segundo, é claro, conclui ele.
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Não há dúvida de que os laboratórios oficiais, especialmente em remédios mais críticos, têm exercido um insubstituível papel regulador de preços, impedindo abusos.
Mas Veccina propõe que se vá além, que se pense o novo. O desafio em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação é deixar de fazer mais do mesmo, insiste ele. É discutir o do Estado, Universidade e indústria para que o país ocupe espaço no mundo, na produção mundial de medicamentos.
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Veccina considera "desastroso" a quantidade de recursos que o Ministério pretende colocar em laboratórios oficiais, porque não serão capazes de dar respostas eficientes.
Os laboratórios públicos nasceram nos tempos do conhecimento físico-químico, diz ele, e em que os diagnósticos eram tão precários que a eficácia dos medicamentos não era adequadamente avaliada. Por isso mesmo, havia espaços maiores para entrar no mercado global.
Hoje, com o conhecimento de farmacinético (o estudo de todas as etapas da droga no organismo humano), com equipamentos como espectrômetro de absorção atômica e outros, com a possibilidade de se identificar moléculas, é impossível que o conjunto de laboratórios públicos dê conta do recado.
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Veccina defende que se continue fazendo a farmaco química, o processo tradicional de produção de medicamentos, mas trabalhando em produtos essenciais, relevantes. Hoje em dia a linha de produção dos laboratórios oficiais é de baixo valor agregado. São praticamente laboratórios de manipulação que sequer conseguiram entrar no mercado de genéricos, diz ele.
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Em 2014, todos os medicamentos produzidos no Brasil terão que passar por provas de farmacocinética, diz ele. Com exceção da Farmanguinhos e da FURP, nenhum dos demais terá condições de atender às exigências, diz ele, que afirma não entender a razão da Marinha e do Exército ter sua própria fábrica de medicamentos.
Na área de biológicos e imunobiológicos, Veccina propõe repensar nossa indústria estatal. Hoje em dia existe uma competição entre a Biomanguinhos e o Instituto Butantã.
Não há razão para essa competição entre dois laboratórios estatais, diz ele. E pode-se destruir todo esse trabalho se se insistir em estender essa produção para outros laboratórios, menos capacitados.

O que e o como se quer
Veccina defende a política atual, de convivência e relacionamento com grandes multinacionais que participam do mercado de medicamentos imunobiológicos. Mas considera errático o caminho percorrido. Consegue avançar quem tem mais acesso aos favores das fontes de financiamento. Por isso insiste na importância de se definir o que se quer, antes de colocar o movimento o como fazer.

Pegando o bonde atrasado
Considera ter havido avanços, como por exemplo na CNTBio (que analisa e libera pesquisas de transgênico). Se mantivesse o desenho do final do governo FHC, o Brasil teria perdido o bonde das biotecnologia agrícola. Mas tem que definir a posição brasileiro para outras áreas. Tem que avançar nessa área, além dos produtos naturais. Mas a área de farmoquimica foi destruída no início dos anos 90 e dificilmente terá condições de competir com mercados como os da China e Índia.

O papel da Anvisa
O desenho de uma política industrial teria que ser montado em cima das seguintes estratégias: A primeira é o Marco regulatório: Veccina defende repensar o papel da Anvisa. Ela deveria atuar quase como uma consultoria, acompanhando a produção da indústria e orientando-a para não fazer investimentos desnecessários. Considera que tem faltado ao Estado brasileiro e à Anvisa essa visão de política industrial.

A importância da metrologia
A metrologia (ou certificação) é fundamental para a colocação de produtos brasileiros no exterior. Há uma enorme rede de laboratórios operada pelo Inmetro. No entanto não existe uma rede de laboratórios de saúde pública no país. Como fiscalizar sem dispor desses laboratórios? A Anvisa fiscaliza sem ter competência legal. Há um enorme trabalaho de formação de especialistas na área para dar conta do recado.

As boas práticas
Os laboratórios públicos e muitos privados não trabalham seguindo as chamadas boas práticas de pesquisas clínicas. Sem boas práticas de pesquisa, não se faz desenvolvimento. Há a necessidade de um esforço importante na formação  de profissionais que dominem as boas práticas clínicas. É um movimento que Europa está fazendo, de formar milhares de novos pesquisadores.

A assistência farmacêutica
Tem que se pensar a assistência farmacêutica conjuntamente a indústria, para ter política de saúde mais inclusiva. Sem resolver a questão da hipertensão e da diabetes não se vai resolver a questão da saúde. E tem que se mapear os centros de excelência para incentivá-los. É o caso da UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos), que pesquisa produtos naturais e a Universidade Federal da Paraiba, com fitoterápicos.