terça-feira, 24 de julho de 2018

Saneamento deve ser a prioridade das prioridades, FSP

Uma das mais deprimentes notícias sobre realidade brasileira foi publicada pela Folha há uma semana: a mortalidade infantil cresceu no país pela primeira vez em 26 anos. A estatística se refere a 2016, quando a taxa de mortalidade aumentou 5% em relação ao ano anterior e atingiu 14 óbitos infantis para cada mil nascimentos.
É triste que isso tenha acontecido, porque a mortalidade infantil é certamente um dos principais indicadores da sanidade social e econômica de um país. Desde 1990, esse índice vinha recuando e se aproximava do nível considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde, de dez mortes para cada mil bebês nascidos vivos.
Entre as causas apontadas para o retrocesso destacam-se a epidemia do vírus da zika, doenças que provocam diarreia nas crianças e a crise econômica, que desemprega e reduz a renda das famílias.
Não há como não relacionar o aumento do índice de mortalidade com a falta de saneamento básico no país e a drástica redução dos investimentos nessa área. Estatísticas indicam que 34 milhões de brasileiros ainda não têm acesso a água tratada, e 100 milhões, a serviço de esgoto.
Uma comparação feita pelo Instituto Trata Brasil mostra a relação direta entre saneamento e saúde. Em um ranking com o índice de acesso ao saneamento básico, o melhor município do país foi Franca (SP), e o pior, Ananindeua (PA). Entre 2015 e 2017, Franca teve 460 internações por doenças diarreicas, enquanto Ananindeua teve 36.473.
Talvez a principal doença atual do Brasil seja a falta de aptidão para investimento público, principalmente em áreas como o saneamento. 
Às vésperas do recesso de julho, por exemplo, houve uma correria no Congresso para aprovar uma série de projetos voltados à concessão de benefícios variados, incluindo aumentos de salários e desonerações tributárias.
Ainda que algumas das medidas incluídas nos projetos fossem meritórias, os gastos propostos se referiam a despesas correntes para os próximos exercícios fiscais, o que reduz a capacidade de investimento do governo.
O investimento público é a mais importante ferramenta para impulsionar o desempenho econômico, puxando o investimento privado e criando empregos. Rodovias, ferrovias, portos, energia, transporte, infraestrutura de comunicações, saúde, educação, água e saneamento são áreas em que a presença do setor público é fundamental para incentivar as inversões do setor privado.
Entre todas essas áreas, o saneamento deve ser a prioridade das prioridades, por seu impacto direto na saúde da população, especialmente das crianças. O governo baixou no início do mês uma medida provisória com o marco regulatório do setor. Pela medida provisória, a ANA (Agência Nacional de Águas) passa a dar as diretrizes para as agências reguladoras estaduais e municipais. E os municípios passam a ser obrigados a fazer licitações para escolher companhia estadual ou privada de saneamento.
Estabeleceu-se uma polêmica sobre o impacto da medida. Não entro nessa discussão e espero que as dúvidas sejam esclarecidas por especialistas e no debate que haverá sobre a MP no Congresso.
Estranhamente, esse tema de vital importância é pouco discutido no país e praticamente não entra em programas de candidatos ao Executivo. São Paulo, a cidade mais rica do país, convive há décadas com dois esgotos a céu aberto, os rios Pinheiros e Tietê, e nunca um candidato se propôs o desafio de despoluir essas águas sujentas. Ou seja, nem nos mais utópicos programas eleitorais essa possibilidade tem sido aventada.

Talvez a explicação esteja na velha ideia de que investir em saneamento é enterrar canos e tubos. É mais visível e dá mais voto asfaltar ruas.


Benjamin Steinbruch
Diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, vice-presidente da Fiesp. É formado em administração pela FGV.

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