terça-feira, 17 de julho de 2018

Namorou e já quer processar. Será que pode?. OESP

Ivone Zeger
05 Julho 2016 | 04h00
O email me pegou de surpresa. Depois de participar de um programa de rádio, no qual esclareci a público questões referentes ao Direito de Família, chegou às minhas mãos a mensagem de uma ouvinte com a seguinte pergunta: “Quanto tempo eu tenho que namorar com o meu companheiro antes de poder processá-lo?” Deduzi que a moça estava tentado saber quanto tempo de convivência seria necessário para caracterizar seu relacionamento como uma união estável, o que poderia lhe dar o direito de, em caso de separação, ingressar na justiça para reivindicar metade dos bens que o casal adquiriu durante a relação.
Ocorre que os termos com que a mensagem foi escrita indicavam total desconhecimento do que vem a ser uma união estável. E o que é pior: sugere uma visão mercantilista do relacionamento, visto não como a união de duas pessoas que se amam e que querem compartilhar suas vidas, mas como uma forma de obter vantagens futuras. Esse tipo de atitude contribui para criar um certo estigma em torno da união estável. Não são poucas as pessoas que temem aprofundar seus relacionamentos devido ao receio de que, cedo ou tarde, o parceiro ou parceira possam levá-las à justiça, exigindo parte de seus bens. Por esse motivo, é de extrema importância esclarecer o que é e o que não é a união estável.
Comecemos com o que ela não é. A união estável não é uma forma de golpe ou de trambique que permite a alguém, após algum tempo de convivência, apropriar-se indevidamente dos bens do parceiro. O reconhecimento desse tipo de relacionamento, introduzido pela Constituição de 1988 e posteriormente regulamentado pelo Código Civil de 2002, surgiu com um propósito legítimo, o de corrigir uma injustiça.
Nem os legisladores, nem a sociedade, entenderam que era justo privar de determinados direitos as pessoas que optavam por viver como marido e mulher, porém sem se casarem oficialmente em cerimônia civil. Com o reconhecimento da união estável, os parceiros passaram a ter uma série de direitos garantidos por lei. Em caso de separação ou de morte de um dos companheiros, o outro poderá receber metade do patrimônio obtido pelo casal durante a união. Poderá, também, receber pensão alimentícia e demais benefícios. Para que isso ocorra, porém, é necessário apresentar à justiça provas de que o relacionamento era de fato uma união estável.
São essas provas que a diferenciam de outros tipos de relação, como um caso amoroso, um “casamento aberto” ou dois namorados que se relacionam sem maiores compromissos, embora possam até, eventualmente, partilhar o mesmo teto. Para que haja união estável, é necessário que ambos os parceiros não possuam impedimentos ao casamento, isto é, não podem ser casados com outras pessoas (com exceção dos que estão separados de fato); os ascendentes com os descendentes; os parentes afins em linha reta; quando houver vínculo de adoção; os irmãos unilaterais ou bilaterais e demais colaterais até o 3º grau.
Também é preciso que a relação seja monogâmica, pública, duradoura e com o objetivo de constituir família – ainda que o casal não tenha filhos. A lei não estabelece um tempo mínimo para que o relacionamento seja considerado uma união estável. Contudo, como a relação deve ser duradoura, cabe ao juiz decidir se o período de tempo ao longo do qual o casal conviveu preenche essa qualificação.
Partilhar o mesmo teto não é uma exigência absoluta. Mesmo que o casal, por um motivo ou por outro, viva em casas separadas, ainda assim é possível que sua união seja reconhecida, desde que os demais requisitos sejam cumpridos.
Como se vê, união estável é assunto sério. Quem contribuiu para a aquisição de bens durante a união – seja por meio de trabalho remunerado, seja por sua atuação no lar – não ficará desamparado em caso de separação ou de falecimento do companheiro. Por outro lado, os que acham que qualquer relacionamento poderá, no fim, servir para engordar indevidamente sua conta bancária, terão suas expectativas frustradas pela correta aplicação da lei.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas” – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com 

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