A concorrência do sistema de ônibus paulistano travou mais uma vez, novamente no Tribunal de Contas do Município (TCM), e tudo leva a crer que pode desandar definitivamente caso não se altere logo algum dos elementos institucionais envolvidos.
Há várias outras ameaças ao funcionamento da rede de coletivos: o custo cada vez mais elevado (R$ 8 bilhões/ano) força a alta dos subsídios (R$ 3 bi/ano); inúmeras intercorrências reduzem a velocidade do veículos; e para piorar, a demora dos novos contratos faz as empresas adiarem a renovação da frota, a qualidade dos carros piora.
Os atrasos provocados pelo TCM são reveladores de problemas estruturais no sistema político-administrativo paulistano. Nossa democracia tem freios e contrapesos demais que, em vez de limitarem o exercício imperial do poder pelo Executivo, paralisam suas ações.
Eleito para administrar, sob vigilância e moderação dos demais Poderes, o prefeito frequentemente não pode executar medidas porque o TCM (não eleito para isso) discorda delas. É o caso do tempo de validade dos contratos em licitação (20 anos). Ele consta em lei aprovada pelo Legislativo (os vereadores são eleitos para propor e aprovar leis), o Executivo não pode propor um contrato mais curto do que esse sem mudar a lei, o que a Câmara não quer. Mas o TCM exige, mesmo sendo um órgão subordinado ao Legislativo.
No início do ano, o TCM comunicou à Prefeitura que não admitiria mais prorrogações dos contratos com as empresas que operam os ônibus da cidade. Estão em vigor acordos assinados em 2003 pela administração Marta Suplicy (na época do PT, 2001-2004), que já deveriam ter sido encerrados durante a gestão de Fernando Haddad (PT, 2013-2016).
Haddad começou a nova licitação em 2013, mas suspendeu na época dos protestos de junho daquele ano; retomou o processo em 2015, quando o TCM o suspendeu e só liberou depois da vitória de João Doria, no final de 2016. Doria levou um ano para fazer alterações pedidas pelo tribunal de contas e outras que julgou necessárias; quando o processo foi reiniciado, o tribunal o suspendeu de novo por achar que as correções não foram suficientes. E ao mesmo tempo diz que não aceita novas prorrogações.
Quando o tribunal de contas suspende uma concorrência para esclarecimentos ou pedindo alterações, frequentemente dá prazos curtos para que o Executivo reaja aos questionamentos; mas o próprio órgão não tem um tempo para analisar as respostas. Se o período em que a licitação ficou parada no TCM fosse adicionado à vigência dos contratos, certamente Bruno Covas (PSDB) poderia prorrogar os convênios por pelo menos mais um ano.
A prefeitura está numa sinuca. O novo prefeito, Covas, anunciou que fará contratos emergenciais (com duração de apenas 6 meses). É muito provável que esse tempo não seja suficiente para chegar a um modelo de concorrência que agrade à prefeitura, ao Legislativo, ao TCM e ao Ministério Público, além, claro, das empresas e usuários.
No arranjo institucional existente no país hoje, todos esses agentes públicos têm voz prévia na implantação de um serviço de competência do Executivo. O que é um erro: o prefeito é eleito para administrar, os outros devem moderá-lo, vigiá-lo e puni-lo quando for o caso, a posteriori.
O então prefeito João Doria e o presidente da Câmara, Milton Leite, chegaram a dizer que o TCM deveria ser extinto. Nos anos 1980, o PT propunha o mesmo. Eles estavam certos: o órgão foi criado nos anos 1960, em época de vacas gordas, e se tornou uma sinecura para políticos em fim de carreira, que era mais barato homenagear com bustos. Como auditor, é desnecessário, ineficiente e custa demais.
O problema é que Leite e Doria só se lembraram de espernear quando seus interesses foram afetados pelo TCM, que já vem travando medidas do Executivo (tanto corretas quanto ruins) há décadas, com predileção bastante peculiar pelos valiosos contratos na área de Transportes.
Sem entrar no mérito específico da licitação dos ônibus (o tempo é realmente excessivo, por exemplo), o fato é que o arranjo alcançado é fruto de uma longa negociação e parece expressar o possível. O governo e a Câmara entendem que a licitação está correta: então ela deve avançar. Seus autores e partícipes que corram os riscos de futuras punições pelo Judiciário.
Enquanto isso, Covas pode submeter ao Legislativo a proposta de extinção do TCM, remetendo suas funções ao Tribunal de Contas do Estado e atribuindo os nomes dos conselheiros a ruas e praças. O dinheiro que será economizado deve ser utilizado para subsidiar as tarifas de transportes públicos. Certamente renderá a um bom desconto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário