Em momentos históricos de instabilidade, é recorrente que os prejuízos recaiam, em primeiro lugar, sobre aquelas que não são entendidas como prioridades. A cultura, infelizmente, sempre foi posta nessa classificação, sendo que a produção decorrente das práticas culturais está constantemente exposta a novos obstáculos para sua circulação e o acesso da população em geral.
Desse modo, o tratamento dado aos objetos de arte que chegavam a nossos aeroportos era fato consensual, sendo enquadrados num regime especial de tarifas determinado por seu peso, via portaria n° 219/GC-5, de 2001, que os discriminavam como destinados a "eventos comprovadamente científicos, esportivos, filantrópicos ou cívico-culturais".
Entretanto, em decisões administrativas de 2017, os aeroportos que são operados por concessionárias em Guarulhos, Rio de Janeiro e Campinas passaram a refutar o caráter "cívico-cultural" dos eventos, pleiteando a cobrança de tarifas de armazenagem, calculadas a partir do valor de mercado do bem, na categoria "carga importada de alto valor específico", resultando em cifras entre cem e mil vezes maiores que as anteriormente praticadas.
Nessa contenda, o que chama a atenção é a disputa de significações falaciosas: para os aeroportos, a tarifação mais elevada se justificaria, pois as obras vindas do exterior não teriam caráter "cívico-cultural". Já para o Ministério da Cultura, a expressão "obviamente engloba eventos artísticos, além dos eventos de caráter estritamente cívicos".
Ao longo de 2017, o Sesc São Paulo realizou mais de cem projetos expositivos. Nem todos tinham caráter artístico ou procedentes do estrangeiro, uma vez que se trata de instituição de bem-estar social que desenvolve ações em diferentes áreas, como esportes, educação socioambiental, alimentação, saúde e turismo.
No entanto, me solidarizo com todas as instituições que se dispõem a viabilizar exposições internacionais educativas, algo fundamental para motivar o contato com uma maior diversidade cultural, de maneira a estimular a formação de suas próprias autonomias e identidades.
Assim, não há dúvida de que obras de outras culturas merecem instrumentos adequados que favoreçam medidas de políticas públicas propícias à ampliação dos saberes contra a unilateralidade de medidas que retrocedem o processo de desenvolvimento da cidadania.
De que maneira a expressão "eventos cívico-culturais" abriu espaço para que se defenda uma interpretação que contradiz o interesse público?
Para o conceito de cívico os dicionários oferecem duas categorias de significados: 1) a relação com a condição de cidadão e seu compromisso com o interesse público e 2) a noção de patriotismo.
Considerando que os sentidos das palavras revelam visões opostas, cabe privilegiar a acepção de civismo ligada ao zelo pela coisa pública.
Tornou-se habitual adjetivar como cívico o vínculo das pessoas com um país. A história nos mostra os riscos dessa leitura: regimes autoritários reforçaram o civismo como sinônimo de sentimento patriótico.
Na atualidade, ativar a ideia de patriotismo implica um anacronismo e, por que não dizer, uma infantilização dos indivíduos, já que, não raro, exige postura subserviente, minimizando a possibilidade de crítica.
Já o conceito de cultura, em seu sentido ampliado, demanda que eventos culturais tenham tratamento especial da legislação, pois se relacionam com a dimensão simbólica do ser humano. Como gestor da cultura que trabalha pela democratização de seu acesso, posso afirmar que há um componente educativo nas manifestações culturais que complementa a educação formal.
Eventos de caráter cultural merecem regime especial de tributação, pois não devem estar à mercê de bloqueios arbitrários e inconsequentes feitos à educação cidadã.
O incentivo à presença de obras vindas do exterior em ações culturais condiz com políticas democráticas interativas. Em nome de tais políticas devem convergir os esforços de grupos e organizações que têm como pressupostos a igualdade entre as pessoas e como horizonte a liberdade de mentes e corpos.
Desse modo, o tratamento dado aos objetos de arte que chegavam a nossos aeroportos era fato consensual, sendo enquadrados num regime especial de tarifas determinado por seu peso, via portaria n° 219/GC-5, de 2001, que os discriminavam como destinados a "eventos comprovadamente científicos, esportivos, filantrópicos ou cívico-culturais".
Entretanto, em decisões administrativas de 2017, os aeroportos que são operados por concessionárias em Guarulhos, Rio de Janeiro e Campinas passaram a refutar o caráter "cívico-cultural" dos eventos, pleiteando a cobrança de tarifas de armazenagem, calculadas a partir do valor de mercado do bem, na categoria "carga importada de alto valor específico", resultando em cifras entre cem e mil vezes maiores que as anteriormente praticadas.
Nessa contenda, o que chama a atenção é a disputa de significações falaciosas: para os aeroportos, a tarifação mais elevada se justificaria, pois as obras vindas do exterior não teriam caráter "cívico-cultural". Já para o Ministério da Cultura, a expressão "obviamente engloba eventos artísticos, além dos eventos de caráter estritamente cívicos".
Ao longo de 2017, o Sesc São Paulo realizou mais de cem projetos expositivos. Nem todos tinham caráter artístico ou procedentes do estrangeiro, uma vez que se trata de instituição de bem-estar social que desenvolve ações em diferentes áreas, como esportes, educação socioambiental, alimentação, saúde e turismo.
No entanto, me solidarizo com todas as instituições que se dispõem a viabilizar exposições internacionais educativas, algo fundamental para motivar o contato com uma maior diversidade cultural, de maneira a estimular a formação de suas próprias autonomias e identidades.
Assim, não há dúvida de que obras de outras culturas merecem instrumentos adequados que favoreçam medidas de políticas públicas propícias à ampliação dos saberes contra a unilateralidade de medidas que retrocedem o processo de desenvolvimento da cidadania.
De que maneira a expressão "eventos cívico-culturais" abriu espaço para que se defenda uma interpretação que contradiz o interesse público?
Para o conceito de cívico os dicionários oferecem duas categorias de significados: 1) a relação com a condição de cidadão e seu compromisso com o interesse público e 2) a noção de patriotismo.
Considerando que os sentidos das palavras revelam visões opostas, cabe privilegiar a acepção de civismo ligada ao zelo pela coisa pública.
Tornou-se habitual adjetivar como cívico o vínculo das pessoas com um país. A história nos mostra os riscos dessa leitura: regimes autoritários reforçaram o civismo como sinônimo de sentimento patriótico.
Na atualidade, ativar a ideia de patriotismo implica um anacronismo e, por que não dizer, uma infantilização dos indivíduos, já que, não raro, exige postura subserviente, minimizando a possibilidade de crítica.
Já o conceito de cultura, em seu sentido ampliado, demanda que eventos culturais tenham tratamento especial da legislação, pois se relacionam com a dimensão simbólica do ser humano. Como gestor da cultura que trabalha pela democratização de seu acesso, posso afirmar que há um componente educativo nas manifestações culturais que complementa a educação formal.
Eventos de caráter cultural merecem regime especial de tributação, pois não devem estar à mercê de bloqueios arbitrários e inconsequentes feitos à educação cidadã.
O incentivo à presença de obras vindas do exterior em ações culturais condiz com políticas democráticas interativas. Em nome de tais políticas devem convergir os esforços de grupos e organizações que têm como pressupostos a igualdade entre as pessoas e como horizonte a liberdade de mentes e corpos.
Danilo Miranda
Gestor cultural e diretor regional do Sesc São Paulo desde 1984
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